A propósito deste post em que o Professor Massano Cardoso reflete sobre a sentença de que foi alvo o juiz Garzón, gerou-se uma interessante troca de impressões. Confesso que o assunto mexe muito comigo, pois aborda a questão da própria essência da ideia de Justiça. Por isso, reproduzo o comentário me suscitou o debate travado a propósito:
"Perdoem-me meter o bedelho em tão interessante debate, mas não resisto.
Compreendo bem os sentimentos que provoca a condenação de alguém que se fez notado como campeão das liberdades e perseguidor implacável da injustiça, mesmo daquela que quase se perdeu na memória coletiva. Tenho a minha opinião sobre os magistrados que atuam como o juiz Garzón tem atuado ao longo do tempo, em defesa de valores que julgo universais. Essa, porém, é outra conversa que não deve ser convocada quando se pondera a decisão de que foi alvo.
Segundo o que li, o juiz Garzón foi levado a julgamento porque terá ordenado a interceção de comunicações entre suspeitos de crimes de corrupção e os seus advogados. Tal facto foi provado em Tribunal. Não li uma linha que fosse protestando por não ter sido dada ao juiz Garzón a garantia de demonstrar o contrário. Isto é, que não mandou escutar quem sabia que não poderia ser escutado porque confiava na proteção da lei (constitucional, neste caso). Nada aponta, pois, para um cenário em que não foram dadas ao juiz Garzón as mesmas garantias de defesa que o próprio Grazón deveria assegurar se fosse ele a julgar e quisesse cumprir a lei.
Também não me apercebi de qualquer clamor público pelo facto de o julgamento a que Garzón foi submetido ter sido manipulado em relação à prova produzida ou viciado por qualquer outro fator, decorrendo sobre o império de principios e normas processuais e substantivas próprias de um Estado de Direito que Espanha é.
Sendo assim, não posso deixar de escrever isto: usar o poder de mandar intercetar conversas entre arguidos e seus advogados é uma falta gravíssima, qualquer que seja o crime que esteja em investigação. Agravada, como sempre é, pela qualidade de quem a cometeu - um juiz, que tem a obrigação como nenhum outro cidadão de conhecer os limites que a lei lhe traça. A mesma lei que o juiz invoca quando ele próprio assume a sua condição de juiz das liberdades e em nome dela investiga, arquiva, condena ou absolve os seus semelhantes.
Vejo por alguns dos comentários que há quem tenda a considerar válido o comportamento faltoso de um juiz quando o crime que investiga é supostamente de maior gravidade do que a falta que ele próprio, juiz, comete ao violentar (não só violar) uma garantia basilar do Estado de Direito.
Perigoso entendimento este, pois, na prática, equivale a reconhecer ao juiz o poder que nem o legislador tem: o de criar a lei para o caso concreto, segundo o seu livre arbítrio.
Há pouco tempo gerou-se em Portugal uma corrente na opinião publicada (e não só) legitimando idêntico procedimento de magistrados portugueses a propósito da investigação de um processo agora na fase de julgamento. Não levo as mãos à cabeça por serem muitos os que vejo assim pensar. Reconheço que os tempos não favorecem que se olhe para além dos casos individuais, relatados pelos media no mesmo registo das telenovelas. Mas entristece-me perceber que esta visão está a fazer o seu caminho, preferindo-se o justicialismo coevo do populismo reinante, à Justiça que, para o ser, se tem de nortear por valores estáveis e indiscutíveis. Que não pode variar nos seus critérios e nos seus desígnios por que o juiz se chama Garzón ou o suspeito Sócrates ou Aristóteles.
Desejo que quem pensa assim, decerto animado pelos mais nobres sentimentos e perceções, jamais sinta na pele as consequências trágicas de prevalecer esse entendimento no dia em que for objeto de torpe suspeita e investigado por ela!
Chocam-me os horríveis crimes do franquismo. Tal como me chocam as matanças determinadas pela república. Enoja-me a maldade que povoa a mente de homens como Pinochet que Garzón quis perseguir em nome da ideia de Justiça. Mas ai de nós quando na constituição não escrita das convicções coletivas passar a vigorar a ideia de que a justiça não tem de ter na lei - na sua letra e na sua razão de ser - um mínimo de tradução. Quando pensarmos assim, começamos por consentir tudo ao juiz; e acabamos, inexoravelmente, por admitir que todos somos juizes, tomando em nossas mãos a justiça que julgamos que deve ser feita".
30 comentários:
Caro Dr. Ferreira de Almeida,
Concordo consigo; se temos Democracia é porque a Justiça não depende do Juíz que aplica as Leis. E sejamos claros, no direito à Justiça, a defesa da confidencialidade da relação com o Advogado estará nos primados básicos da relação de confiança que devemos ter com o Estado enquanto executor do Poder Penal.
Este caso, apesar da simpatia que o percurso de B. Garzon nos pode criar, lembra-se a cena final do filme "O Julgamento de Nuremberga" em que Burt Lancaster (o Juíz que não era nazi) tenta justificar-se "nunca pensou que aquilo pudesse acontecer" e recebe como resposta "tinha de saber o que sucederia, no momento em que permitiu que um inocente fosse condenado".
E B. Garzon não percebeu que não estava a desrespeitar os direitos de um (mais que provável) criminoso, mas sim o de todos os cidadãos.
Caro Ferreira de Almeida:
Lúcido texto e impressivo testemunho. Gostaria de ter sido eu a escrevê-lo. Julgo que, na síntese e brilhantismo da escrita, ficará como um clássico nesta matéria.
Pinho Cardão, triste o ego de quem não tem amigos. Grato pelas suas palavras.
Com todo o respeito que me merece, caro dr. Ferreira de Almeida, gostaria de lhe colocar uma pergunta:
Considere que é juiz de instrução num processo de terrorismo que está a provocar dezenas de vítimas há longos anos.
E que, ocasionalmente, lhe chega às suas mãos uma peça de uma conversa gravada entre um dos suspeitos e o seu advogado. A prisão do suspeito terrorista
pode ser o ponto de partida para o desmembramento do gang.
Aquela conversa não é concludente mas animadora de que outras revelações podem ser obtidas pelo mesmo meio.
Suspende as investigações por esse lado e manda destruir as primeiras provas? E se a vaga terrorista continuar, assiste impávido e sereno à carnificina, evitando obter as informações posíveis, eventualmente controversialmente feridas de ilegalidade?
Não defendo, longe disso! a obtenção de provas por meios de ofensas corporais ou psicológicas como se fazia no tempo do outro senhor. Mas se as provas existem e nenhuma coacção física foi imposta por que razão não são válidas as provas quando os crimes são de sangue ou de corrupção?
Porque assim manda a Constituição?
Caro Dr. Ferreira de Almeida sabe muito melhor do que eu o desrespeito que a nossa Constituição tem merecido e a disparidade de interpretações entre constitucionalistas
depois de mais de três décadas em vigor. Tantas que se mantém o Tribunal Constitucional, e, segundo parece, tem muito que fazer.
Aliás, há preceitos constitucionais que estão obsoletos desde a primeira hora.
Não sou de modo algum a favor da justiça popular mas para que a justiça o seja não pode ser tão impopular como em Portugal.
É demais.
Se bem me recordo, até hoje o Ministério Público não ganhou um único dos processos graúdos.
Coincidência a mais? Incompetência?
Pessoalmente, não tenho razões de queixa da justiça porque nunca me confrontei com ela. Mas como cidadão desconfio dela tanto como a grande maioria dos meus concidadãos.
Feitios. Não tenho dúvidas que é uma questão de feitios.
Subscrevo inteiramente esta reflexão, feita com toda a honestidade por quem lida diariamente com a lei como ferrementa de trabalho, defendendo ou acusando e esperando, em qualquer caso, que se faça justiça.
Suzana, muito preocupado, porém. Veja o sentimento aqui expresso pelo prezado Rui Fonseca. Fá-lo com base numa escala de valores que tem por correta e corresponde a convicções que entendo e respeito. Julga-se que quando se invoca a Constituição, a Declaração Universal dos Direitos do Homem ou a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do Cidadão que proscrevem a condenação com fundamento na obtenção ilegal de provas, em especial quando se violentam direitos, liberdades e garantias, se está a apelar a uma simples forma despida de conteúdo valorativo, e não a princípios fundamentais de um estado civilizacional que demorou séculos e séculos a construir, distanciando-nos dos regimes do livre arbítrio e da incontrolada discricionariedade do juiz. E isso é que é, para mim, muito inquietante, Percebo que estas ideias vão fazendo o seu caminho junto das elites que, para assegurar uma certa ideia de justiça num caso concreto ou de aparente segurança coletiva, tudo vale. Sem que se perceba que assim se estão a por em causa os direitos de todos, incluindo os de quem assim pensa.
Meu caro Rui Fonseca, no caso que hipotizou, sendo eu juiz, não utilizaria as escutas, manda-las-ia destruir obviamente e por muito que isso o choque. Perguntará: e as vidas humanas que essa decisão poderia por em risco? A isso respondo-lhe, sem grandes tecnicismos, que os magistrados detém poderes e mecanismos para, com base na notícia dos factos, orientarem a investigação, mobilizar a força pública e evitarem lesões. Creia, caro Rui, que o dilema não é, não pode ser, esse que está convencido que existe na cabeça do juiz - ou aplicar a lei ou fazer justiça. Felizmente para todos, aproveito para o dizer, a larga maioria dos magistrados respeita o Direito como única forma de fazer justiça.
Caro amigo Ferreira de Almeida.
Fui ensinado a respeitar a Lei desde muito miúdo. Aprendi a ver os juízes como as pessoas mais importantes do mundo, até já escrevi sobre isso, "O Senhor Doutor Juiz", uma vivência de criança. Mas hoje, depois de muitas coisas que já presenciei, sou obrigado a dizer mais uma vez um dos comentários que coloquei ao post que suscitou o seu.
Passo a transcrever: "Todas estas opiniões têm substrato. Espero que algumas delas não venham a ser postas em causa pelo andar da carruagem. O mundo dá muitas voltas e quando menos se espera podemos cair em maus braços que, se não forem amputados a tempo, estrangularão qualquer um de nós.
Por mim, continuo com a afirmação inicial, a justiça só é justa até um certo patamar, a partir daí ajusta-se e bem a interesses e a criminosos bem sucedidos. Provem-me o contrário e eu calo-me. Mas não conseguem, não é verdade? Falam e discutem como se a justiça (no seu sentido mais amplo, juízes, advogados, leis e quejandos) fosse nobre em toda a sua extensão, mas não é!
Gostaria que me provassem, sobretudo no nosso país, que é o que interessa, se a justiça é nobre em toda a extensão. Eu não tenho essa perceção, infelizmente.
A sua dissertação é, sob o ponto de vista retórico, intocável, nada a opor, mas eu vivo de coisas práticas e no meio de outros seres humanos, e quando olho e peço à justiça que me ajude, que me dê algum alento e esperança num futuro melhor, vejo que o pedestal máximo da dignidade humana esbarra a partir de certo momento com os princípios que deveria defender. E não são só juízes, e não são apenas os Garzóns, ou a falta deles, mas muito profissionais que jogam com a fé dos que acreditam na justiça. É isso mesmo, caímos na fé, e a justiça não deveria ser conotada com este pilar que é mais propicio à religião.
Acredita na justiça? Pergunto-lhe. Provavelmente irá responder que sim, que acredita, eu também queria acreditar, mas começo a ter medo, medo de não acreditar e medo de cair na sua teia. Quando um cidadão, ou melhor, um proto-cidadão (criança) ao olhar para o "Tribunal" sabia que era ali que os homens de bem se poderiam defender e fazer jus dos seus direitos, deixou de sentir isso, é porque as coisas não estão bem, ou, então, o que é mais provável, os olhos das crianças conseguem ver a inocência num local onde não abunda, ou abunda a "pseudo-inocência".
Este tema está longe de ser dado por concluído. Iremos ver muitas coisas neste estranho país que irá por em causa muita coisa....
É certo que Garzon errou ao não cumprir a lei. Mas penso que este caso irá até levar a que se mude a lei e que em crimes muito graves seja negada a privacidade das conversas entre advogado e réu. O mesmo já é feito com as escutas que seria inimagináveis no tempo em que os princípios do estado de direito aparentemente foram criados.
Por outro lado o mundo real de que fala Massano Cardoso não pode ser ignorado por qualquer teorização -- aliás é esse erro da teorização (no fundo hubris bem contemporânea) que está na base em largas zonas infernais do mundo contemporâneo.
Sou um autêntico ignorante do direito, li em tempos algumas coisas de ética, que apenas me aguçaram o espírito para o perigo da razão. Isto apesar de ser um profissional de alguma suposta razão, mas um bom pedreiro sabe dos limites do compasso e cinzel.
Outro ponto em que não concordo de todo é com a ideia de progresso que se faz passar. Mas isso são outras conversas.
Fica de qualquer modo o desafio para que estes temas sejam abordados de modo bem mais singelo para que eu aprenda alguma coisa. Este tema em si é demasiado complexo, apelamos pois à veia docente do autor na próximas postas de pescada que por aqui decerto servirá.
Caro Dr. Ferreira de Almeida,
Leio "Só o Tribunal Constitucional ou o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos podem evitar o fim da carreira de Baltsar Garzón"
Se Garzón recorrer será Garzón tão ignorante das impossibilidades de sucesso que o esperam? Sujeitar-á a esse ridículo apenas por mero capricho?
Recentemente, o Supremo sentenciou por agravar uma pena ridícula aplicada em primeira instância num processo mediático de corrupção, que a Relação tinha invertido
absolvendo o réu e condenando o denunciante. Justiça variável ou avariada?
Quanto à nossa Constituição presumo que continua a indicar-nos o ainda o caminho para o socialismo. Não?
Meu caro Professor Massano Cardoso, não, não acredito na justiça que faça da lei coisa morta. Não, não acredito na justiça contra legem. Não, não acredito na justiça que desculpa em nome dela a violação das mais elementares garantias dos cidadãos - mesmo dos que pecaram contra a sociedade -, verdadeiras conquistas da nossa civilização. Não, não acredito na justiça feita por juizes, procuradores, advogados e quejandos que aplicam a lei segundo a sua convicção, a sua ideia do que é reto, e não segundo o Direito. E sim, meu caro Professor, também eu trabalho no meio de seres humanos, que me confiam os seus dramas, a defesa da sua liberdade, da sua honra, da sua privacidade, dos seus direitos face aos poderes, da sua fazenda. E esperam que este modesto advogado lhes assegure que nenhum juiz se substitui à lei.
Meu caro Professor, também eu fui educado na ideia de que a justiça é falível como tudo o que é humano. Vezes demais o testemunhei. Mas prefiro mil vezes a injustiça da absolvição de um criminoso, do que o justicialismo que entende que a sociedade se protege à custa do risco de condenar inocentes.
Tem razão. O tema está longe de ser concluído e também eu julgo que iremos assistir a muito nesta matéria, que os tempos nada de bom anunciam.Temo isso. Mas faça-me o meu estimado Amigo uma só justiça - não me diga que a minha dissertação (que não tinha a pretensão de o ser, longe disso) é correta do ponto de vista retórico. Creia, meu caro Professor Massano, que é sentida por que é vivida. Vivida ao longo destes 28 anos de uma profissão que abracei convicto, tal como hoje, de que só o Direito impede o livre arbítrio que nem eu nem o meu Ex.mo Amigo desejamos.
Ilustre Mandatário do Réu, lamento, mas se quiser continuar a partilhar do repasto vai ter de ter paciência e continuar a provar da pescada que tenho para servir. Se julga que é demasiado elaborada para o seu gosto tem bom remédio...
Meu caro Rui Fonseca, não consigo alcançar o seu argumento. Garzón recorre por que a lei lhe concede esse direito. Não sei, nem isso vem ao caso - parece-me - que cálculo faz Garzón do sucesso dos recursos que venha a interpor. Imagino que esteja convencido que tem razão e que lha vão reconhecer. Tudo normal por aí.
Quanto à referência ao socialismo na Constituição, perdoe-me mas o caro Rui Fonseca já demonstrou aqui muitas vezes que sabe que é mau o caminho de um debate que se centra ou se desvia para o patológico.
Agradeço-lhe muito, como a todos, a atenção que mereceu o meu post.
Quando disse sob o ponto de vista retórico não quis ser depreciativo, pelo contrário, está lá tudo e bem explícito, a testemunhar a "arte de bem falar", neste caso "arte de bem explicar", mas, como diz, na prática, as coisas são um pouco diferentes. Eu não pretendo ser justicialista nem permitir que se condenem inocentes, claro que não, mas, não acha que começa a haver demasiado "inocentes"? Pelo menos é a ideia com que fico, a não ser que não saiba ler e ver o que me cerca.
Caro amigo, prezo muito a sua opinião, consigo entender a razão de ser da mesma, mas, pergunto-lhe, será que serve para resolver os problemas que se acumulam ao longo dos últimos tempos? Não, não servem. Traduzem esperança num futuro melhor e mais justo? Não, não traduzem. A justiça está a transmitir confiança nos cidadãos? Não sei, não respondo pelos meus concidadãos, mas no que me diz respeito a opinião é a seguinte: não, começo a ter desconfiança e sobretudo algo muito pior do que desconfiança, medo, muito medo, e quando os cidadãos começam a recear a atuação da justiça (ela atua, mas...), é porque "sabem" que é um sinal de doença grave, só espero que não traduza alguma doença incurável.
A Justiça portuguesa está doente. Presumo que é um facto inquestionável.
Inquestionável, meu caro Professor.A justiça está, de facto, muito doente. Não sei se pelas razões que muitos julgam. Quanto à quantidade de condenações, e ainda que a justiça não se faça só plano criminal, espero conseguir as contas que demonstram que em relação a muitos tipos legais de crime se condena hoje mais do que nos tempos da antiga senhora. Mas sabe, caro Amigo Massano Cardoso, não me inquieta tanto a quantidade das decisões dos tribunais, mas sim a qualidade. É por aí que se mede a justiça.
Não interpretei o que quer que fosse que o meu caro Professor escreveu como depreciando-me ou depreciando as minhas modestas opiniões. Pedi tão só que acreditasse que o que escrevi era sentido, não constitui mero discurso. Sabe, ao contrário de outros assuntos em que tenho por vezes o atrevimento de falar do que pouco sei, neste domínio pesam os casos, as experiências...
Concordo com os antecedentes comentáros quando referem que este tema não está fechado. Tenho ideia que este tipo de questões está em aberto dese que o Homem é Homem. Refleti-las é sinal de vivacidade.
Vale a pena, no entanto, ter presente o caminho que foi feito até aqui, pois, a Justiça e os seus problemas não nasceram ontem.
A posição de alguns comentaristas anteriores ao considerarem que os fins justificam os meios esteve em voga na própria Justiça até à Revolução Francesa - isto no Ocidente - altura em que se quis substituir a vontade de um só, pela vontade de todos corporizada na Lei. Porque se tinha a consciência da falibilidade da vontade de um só iluminado - a história tem exemplos vários da falência deste sistema - determinou-se que a Lei é o critério base de comportamento de todos.
Este sistema é falivel ? É. Mas a história já o demonstrou que é preferível ter como critério a Lei a ter como critério a afetividade de cada um, habitualmente formada em visões parciais da justiça, neste nosso mercado de lobbies e escandalos vendidos ou comprados pelas mais diversas razões, em que se troca e e vende muitas vezes partes da verdade. Veja-se o caso dos "espiões" que por ai anda.
Nos exemplos dados: imagine-se que afinal os atos de terrorismo que justicariam as tais medidas excecionais do justiceiro ... não existem ? Imagine-se que afinal a suspeita - criada sabe-lá como e em que condições - não se confirma ?
Imagine-se que o crime é inventado só para praticar o tal ato justicieiro ?
E depois de apurado que a tal suspeita não existe, que pressão tem o próprio juiz que investiga em desconformidade com a Lei, para reconhecer o erro ?
Se a Lei está mal, altere-se, mas não se susbtitua a Lei geral e abstrata, pela vontade de quem tem poder a cada momento no caso concreto. Não se susbtitua a vontade da Lei, pela vontade do freguês.
De mestre, Capuchinho!
Verdadeiramente, de mestre!
"Mas prefiro mil vezes a injustiça da absolvição de um criminoso, do que o justicialismo que entende que a sociedade se protege à custa do risco de condenar inocentes."
O problema não é a absolvição de um criminoso, mas sim a de mil criminosos para evitar que um inocente seja condenado. Terá de ser encontrado um equilíbrio que não é óbvio nem único.
A justiça é uma mera ferramenta como o automóvel que me leva ao emprego. Pode ser elegante e atractivo que seja baseada em grandes teorizações. Mas se na prática não funciona e é caro de pouco servem as teorizações.
Não conheço a percepção dos cidadãos sobre a justiça -- não a percepção vaga e geral mas a de aqueles que com ela contactaram directamente e recentemente. Sei que há estudos noutros países não os conheço em Portugal.
Acho que qualquer português entra mais descansado num hospital que num tribunal. Além do facto de como contribuinte ter a impressão de estar a pagar um sistema de justiça aproveitado pelas corporações e respectivos departamentos legais. Não percebo como contribuinte e num estado de emergência que vivemos porque razão tenho de pagar custos com processos cujo valor é muito inferior ao custo do procedimento legal.
Tenho lido com toda a atenção os textos e os comentários dedicados ao tema da condenação do magistrado Baltasar Garzón e noto que existem entre autores e comentadores, duas "correntes" definidamente opostas, quanto ao "juizo" desta questão.
E em meu entender, porque os autores dos mesmos, projectam nas suas avaliações, o caso da justiça portuguesa, e dos casos que foram e decorrem em julgado.
Os comentários colocados, demonstram e defendem também, duas preocupações gerais que se direccionam para doids pontos que apesar de convergentes, se apresentam nesta conjuntura, inteiramente divergentes. Por um lado, a necessidade absoluta de encontrar, julgar e punir todo o crime, fazendo uso dos meios de que seja possível dispor, e por outro, o cumprimento dos preceitos legais.
No entanto, muitos crimes, revestem-se de inúmeras complicações e de enormes meios que visam despistar as investigações e impedi-las de encontrar as provas necessárias para que o crime possa ser provado. Neste âmbito e na optica pública, qualquer meio deve ser utilizado para descobrir a verdade e condenar os culpados, sob pena de um crime ficar sem julgamento e a justiça ficar por fazer.
Em nome disto, obviamente, a justiça não pode justificar que abusos de poder possam ser permitidos e que a arbitreriedade se possa instalar.
A justiça Salomónica evoluiu, mas... os cidadãos de um país esperam da justiça, para além da imparcialidade, e do equilíbrio nos pratos da balança, que os culpados não fiquem por se conhecer e por condenar.
Não defendo a sacholada a que o Prof. Massano Cardoso alude, mas se a justiça se dispersar num código de papa-a-çorda...
Bartolomeu
Ainda bem que a minha "sacholada" o fez despertar. Por onde tem andado? Já tive a tentação de publicar um anúncio: "Alguém sabe onde para o Bartolomeu?" Ainda pensei na Blimunda, mas isso seria demais...
Caro Amigo,
Se em vez de Bartolomeu - o padre voador - eu fosse o Sete-Sois, então não duvide que a Blimunda apareceria imediatamente, munida de todos os seus poderes de visão, que na matéria em apreço, pouca utilidade teriam, contudo, poderíam ajudar a trazer ao bom caminho, algumas "almas despassaradas".
;)
Pois, eu também me tinha interrogado, acho que desde meados de Janeiro que "entrou de férias".
Depois de ter reparado que tem trabalhado com afinco no blogue dele fiquei mais descansado.
Ilustre Mandatário, não me diga que perde tempo a ler as patacoadas que escrevo lá no Avançando... gabo-lhe a paciência.
;)))
Pois seja bem regressado, Bartolomeu. Já era sentida a sua falta.
O silêncio nos comentários, não atesta que passe um dia, sem que visite o "quarta", caro Dr. José Mário.
Meu caro Bartolomeu, fica a saber que o meu comentário feito em nome dos autores do 4R não foi nada altruista. É que o seu silêncio nos comentários empobrece o blogue.
Permita-me que discorde, caro Dr. José Mário.
O "Quarta" é riquíssimo, em múltiplos aspectos.
Por esse motivo, mantem tão elevado número (do qual tenho a honra de fazer parte) de visitantes diários.
Faço minhas as palavras do Ferreira de Almeida, já tinha estanhado tão longa ausência, seja bem regressado das suas férias 4republicanas, caro bartolomeu :)
Registo e agradeço as simpáticas palavras que os caros "Quartarepublicanos" me dirigem. Elas são testemunho da amizade com que sempre fui recebido neste espaço; uma das tais riquesas a que me referi e que os autores tão prodigamente distribuem por todos quantos visitam o blog.
Em nome dessa amizade, recíproca e honestamente entendida por ambas as partes, é meu dever esclarecer os meus Amigos, que o facto de ter deixado de participar na caixa dos comentários se deve exclusivamente a ter decidido ocupar-me somente da leitura dos posts e dos comentários. Decidi portanto, que durante um período mais ou menos longo, a minha atenção irá dirigir-se somente para o conteúdo daquilo que for publicado.
"QuartaRepública" Sempre!
;)
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