1.Uma das autoridades máximas do sistema de justiça em Portugal, também conhecido pela mutilação “paginal” (à tesoura) de processos-crime, teve ontem, em luzidia sessão a que o F. Almeida já aludiu noutro registo, esta afirmação curiosa: que o não reconhecimento de direitos adquiridos iria “abrir” uma “caixa de Pandora”...
2.Referia-se S. Exa, não de forma explícita mas bem clara, à suspensão do pagamento de subsídios à classe judicial (aos funcionários públicos de uma forma geral), decorrente da redução da despesa pública exigida pelo cumprimento das metas de redução do défice acordadas com os credores internacionais...
3.Não é novidade esta noção jus-moralista das implicações medidas de austeridade que, a não serem tomadas, arrastariam o País para uma situação de insolvência e para um estado de penúria generalizada, bancarrota incluída, com consequências bem mais graves do que aquelas a que estamos assistindo...
4.Mas também não deixa o Ilustre Magistrado de reflectir a insensibilidade e o desconhecimento que muitas das altas instâncias do poder em Portugal vêm revelando quanto às implicações da mudança de regime económico desde que o País aderiu ao Euro...
5. Esquecendo ou desconhecendo, em especial, que a inviolabilidade formal destes direitos adquiridos só podia ser plenamente assegurada pelo Estado em regime de moeda própria (e sem um compromisso cambial formal), em que o Estado, na falta de receitas próprias, poderia sempre emitir mais e mais moeda para cumprir esses e outros compromissos...
6.É claro que mesmo nesse regime, a inviolabilidade destes direitos quando assegurada por simples emissão monetária, sem tradução em criação de riqueza equivalente, conduzia invariavelmente à perda do poder de compra da moeda nacional, reduzindo de forma indirecta – e tendencialmente na mesma medida - o poder de compra dos cidadãos constitucionalmente “protegidos” nos seus direitos...
7.Como no plano formal tudo estaria bem, não haveria que ter preocupação com esses detalhes económicos de perda real do poder de compra: o pessoal superior do excelso regime político em que vivemos sempre se contenta com a situação desde que no plano formal tudo esteja “nos conformes”...
8.Mas sem moeda própria, sem a possibilidade de a emitir e depois de terem acabado o dinheiro e o crédito como acabaram, qual a solução?...
9....Pedir à Snra. Merkel e seus aliados para aceitarem emitir "eurobonds" evitando assim um embaraço legal e a abertura da tal “caixa de Pandora”?
10.Já se percebeu que essa pedincha não resultou, apesar de tentada, pois, como ainda há 2 dias ouvi o Dr. Medina Carreira dizer: “a Snrª Merkel tem muito mais a noção da realidade do que esses papagaios que para aí andam”...
11.O problema não está assim nos direitos adquiridos mas na falta de dinheiro para os pagar...e, contra isso, não há “caixa de Pandora” que nos valha...
2.Referia-se S. Exa, não de forma explícita mas bem clara, à suspensão do pagamento de subsídios à classe judicial (aos funcionários públicos de uma forma geral), decorrente da redução da despesa pública exigida pelo cumprimento das metas de redução do défice acordadas com os credores internacionais...
3.Não é novidade esta noção jus-moralista das implicações medidas de austeridade que, a não serem tomadas, arrastariam o País para uma situação de insolvência e para um estado de penúria generalizada, bancarrota incluída, com consequências bem mais graves do que aquelas a que estamos assistindo...
4.Mas também não deixa o Ilustre Magistrado de reflectir a insensibilidade e o desconhecimento que muitas das altas instâncias do poder em Portugal vêm revelando quanto às implicações da mudança de regime económico desde que o País aderiu ao Euro...
5. Esquecendo ou desconhecendo, em especial, que a inviolabilidade formal destes direitos adquiridos só podia ser plenamente assegurada pelo Estado em regime de moeda própria (e sem um compromisso cambial formal), em que o Estado, na falta de receitas próprias, poderia sempre emitir mais e mais moeda para cumprir esses e outros compromissos...
6.É claro que mesmo nesse regime, a inviolabilidade destes direitos quando assegurada por simples emissão monetária, sem tradução em criação de riqueza equivalente, conduzia invariavelmente à perda do poder de compra da moeda nacional, reduzindo de forma indirecta – e tendencialmente na mesma medida - o poder de compra dos cidadãos constitucionalmente “protegidos” nos seus direitos...
7.Como no plano formal tudo estaria bem, não haveria que ter preocupação com esses detalhes económicos de perda real do poder de compra: o pessoal superior do excelso regime político em que vivemos sempre se contenta com a situação desde que no plano formal tudo esteja “nos conformes”...
8.Mas sem moeda própria, sem a possibilidade de a emitir e depois de terem acabado o dinheiro e o crédito como acabaram, qual a solução?...
9....Pedir à Snra. Merkel e seus aliados para aceitarem emitir "eurobonds" evitando assim um embaraço legal e a abertura da tal “caixa de Pandora”?
10.Já se percebeu que essa pedincha não resultou, apesar de tentada, pois, como ainda há 2 dias ouvi o Dr. Medina Carreira dizer: “a Snrª Merkel tem muito mais a noção da realidade do que esses papagaios que para aí andam”...
11.O problema não está assim nos direitos adquiridos mas na falta de dinheiro para os pagar...e, contra isso, não há “caixa de Pandora” que nos valha...
18 comentários:
Direitos adquiridos com dinheiro alheio...
Se calhar a caixa de Pandora está cheia de dinheiro e nós não sabemos....
Também alguém deveria dizer ao ilustres magistrados que muito mais depressa Portugal sai do estado português, que do euro. Não sei se era esta a caixa de Pandora que o sujeito de referia mas era altura de esta gente levar com este banho de realidade.
O que escrevo, parecendo não ter a ver com o Post do Tavares Moreira, constitui na verdade uma contra argumentação ao seu Post.
"O BCE, prepara-se para injectar em Fevereiro um bilião de euros no sistema financeiro europeu, nos bancos europeus, prontificando-se desde já estar disposto a ultrapassar esse montante se tal for necessário, depois dos 489 mil milhões oferecidos em Dezembro. A um juro de 1%. Enquanto isto, nega-se o empréstimo directo aos países da UE em dificuldades económicas e financeiras, obrigando-os a pedir empréstimos aos mercados a juros de 4 e 7%, isto é, precisamente aos bancos que recebem de mão beijada tais benesses do BCE.
Há algo de errado em tudo isto. Os poderes políticos e económicos da UE, o BCE, a CE, os Merkozil, apoiam incondicionalmente o sistema financeiro, sabendo que actuando deste modo sacrificam selvaticamente os povos europeus. Os pagamentos dos juros altos das dívidas soberanas pelos países em dificuldades, só poderão advir do agravamento de impostos e cortes de direitos sociais há muito conquistados. Esta obscena operação de transferência financeira mostra-se com toda a clareza, sem qualquer dissimulação (o que demonstra o desaforo a que chegou o capital financeiro) - retiram-se rendimentos às populações para os entregar ao sistema financeiro.
Ataca-se a economia real, porque baixar rendimentos à generalidade da população é atacar a economia real, para se proteger a “economia financeira”, o sistema financeiro. Desprezam-se os custos humanos para preservar a riqueza financeira quando o mecanismo que a suporta - a economia real - se torna por aquela razão, irónica e dramaticamente, cada vez mais insustentável.
A selvajaria do capitalismo neoliberal mostra-se às claras, sem máscara e sem vergonha, sem medo, só possível pela capitulação total do que anacrónocamente ainda se chama de "esquerdas", dos partidos "socialistas" e sociais democráticos europeus.
Caro Pinho Cardão,
Direitos adquiridos "au fur et a mesure" da actividade de um legislador também ele basicamente ignorante nestas matérias, ou então confiante no velho princípio "quem vier atrás que feche a porta"...
Caro Tonibler,
Quem sabe se a caixa de Pandora não está cheia de "eurobonds"...seria uma festa!
Caro Carlos Sério,
Para começar uma "ligeira" correcção, com a devida vénia: o BCE prepara-se para injectar em Fevereiro, não 1 BILIÃO de Euros, mas sim 1 TRILIÃO de Euros nos sistemas bancários...a diferença, concordará, ainda é razoável...
E essa cedência de liquidez é pelo prazo muito confortável de 3 anos...
Quanto à questão de fundo, ela é bem diversa do tema do Post, se me permite.
O tema do Post refere-se a uma questão - discutível, se quiser - de falta de percepção das nossas "elites" quanto às implicações de mudança do regime económico em Portugal após a adesão ao Euro...
A sua questão de fundo, relativamente à qual muito haveria a dizer mas o espaço (e o tempo) são curtos, tem a ver com um suposto apoio privilegiado concedido pelo BCE aos bancos da zona Euro.
O BCE toma esta generosa inciativa com o objectivo de evitar que os (muitos dos) bancos da zona Euro, privados do acesso aos mercados de capitais, fechassem completamente a porta ao financiamento da economia - e alguns (muitos porventura) entrassem em colapso financeiro, com consequências sociais catastróficas...
Na sequência desta inciativa do BCE, os países da zona Euro que têm estado sob stress financeiro, passaram a ter acesso bem mais facilitado à emissão de dívida pública- ainda esta manhã o Tesouro português teve esse benefício, ao emitir Bilhetes do Tesouro, num montante de € 1,5 mil milhões, a 3 e a 6 meses, a taxas de juro bem inferiores às que obteve em emissões anteriores.
A questão que se pode colocar, legitimamente, e que tem sido abordada em imensos artigos de opinião especializada, é a de a economia real - as empresas produtivas, especialmente - não eatarem a beneficiar destas facilidades concedidas aos bancos tanto quanto os Estados...se é que estão a beneficiar alguma coisa (admito que sim em países como a França e a Itália, bem menos em Portugal).
Mas essa questão, que me parece pertinente, não me parece que vá de encontro à sua tese - volta-se mesmo contra ela, se bem a entendo...
Caro Tavares Moreira,
como sabe um trilião em "contagem" americana equivale a um bilião em "contagem" portuguesa e europeia.
Quanto à questão dos "direitos adquiridos" penso o seguinte:
Os direitos sociais (conceito mais correcto que direitos adquiridos) foram conquistados ao longo do tempo, ao longo da evolução histórica do Homem. A abolição da escravatura, a liberdade sem escravatura, é um direito adquirido. A democracia, a capacidade de votar, é um direito adquirido. A liberdade política, a livre expressão, é um direito adquirido. São direitos sociais da mesma natureza do direito adquirido das 40 horas semanais de trabalho, do direito adquirido da liberdade sindical ou do direito adquirido à greve.
Colocar em discussão direitos sociais por razões económicas, manifestamente ocasionais e resultantes da adopção de políticas anti-sociais, é naturalmente possível mas não é eticamente justificável. Na verdade, a riqueza produzida na UE tem sempre crescido em cada ano que passa, verificando-se contudo e paralelamente, uma distribuição desigual dessa riqueza, resultando assim sucessivas e cada vez mais baixas receitas orçamentais dos Estados. Estados que abdicaram do seu papel de administrarem, através da fiscalidade, uma redistribuição equitativa da riqueza criada.
As desigualdades sociais assim geradas tornam-se objectivamente a causa desta ofensiva contra os direitos sociais. Basta observar o que se passa nos países nórdicos para demonstrar a falácia dos argumentos dos defensores dos cortes dos direitos sociais.
Caro Carlos Sério,
Neste caso é 1 TRILIÃO mesmo em contagem europeia...mil BILIÕES.
A propósito da sua segunda parte,e porque refere, bem o exemplo dos nórdicos, vou citar-lhe uma declaração da 1ª Ministra Dinamarquesa, Helle Thorning-Schmidt social-democrata (além de jovem e bela), proferida esta semana " Orçamentos equilibrados não são da agenda política de direita...orçamentos equilibrados são da agenda trabalhista, social democrata, de centro-esquerda. Se não tivermos orçamentos equilibrados, sabemos que serão os mais vulneráveis da nossa sociedade quem mais vai sofrer com isso e tb sabemos que estaremos a empurrar dívida para cima de futuras gerações...".
Quero dizer-lhe, como social-democrata de há muitos anos,que não tenho dificuldade em subscrever esta declaração.
Caro Tavares Moreira,
àcerca do bilião ou trilião o FT diz e bem, bilião. Ver
"January 30, 2012 10:11 pm
Banks set to double crisis loans from ECB
By Patrick Jenkins and David Oakley in London and Ralph Atkins in Frankfurt
(Financial Times)"
Quanto à citação da ministra dinamarquesa não tenha qualquer razão para não a subscrever igualmente.
Caro Carlos Sério,
Nesta engraçada charla numérica, aproveito para lhe dizer que o F.T. diz, exactamente, 1 trillion...se quiser fazer o favor de ler a edição de ontem, logo na primeira página, sob título "Banks set to double crisis loans from ECB", esta lá dito, cito, "They could do another € 1 trillion in February".
Quanto ao resto, folgo em saber que subscreve tb a declaração da PM dinamarquesa...
"Les bons esprits se rencontre", já ouvi dizer...
Mais tri...ões menos bi..ões, uma observação de conjunto:
O tema/título e o teor do ponto 10 sobre 'papagaios'; o risco desta caracterização poder cair sobre o personagem autor da critica a Gaspar.
Não tivesse surgido a maléfica troika, bem poderíamos ter chegado a ver "O triunfo dos papagaios"
haja Deus.
Por falar em dinheiro...
Parece que as testemunhas de defesa de J. Berardo não compareceram ao julgamento.
O governo pretendia fazer regressar o país aos mercados financeiros internacionais em 2013 e, com isso, estabelecer as condições de crescimento, com base em juros mais baixos quer para o estado quer para os particulares. Ora a recente subida dos juros dos títulos da dívida portuguesa está a revelar o erro dos pressupostos. Quando o pressuposto está errado, tudo o resto errado está. As soluções mais plausíveis passariam por uma maior intervenção do BCE, que se substituiria aos mercados financiando os estados, indirectamente; ou pela redução dos custos do trabalho, quer pela redução da TSU, quer pela redução dos salários nominais, numa medida suficientemente grande. Na ausência de qualquer uma destas não se vê luz no fundo do túnel.
Dear Wegie
Tudo bem?
Abraço
Caro BMonteiro,
Pode especificar um pouco melhor quanto ao personagem/identidade do autor da crítica a Gaspar?
A menos que se trate de um dos famosos cavaquistas anônimos que desses, por mais investigação tentada, não se descortina qq identidade...
Muito didáctica..esta cena de caça (aos gambozinos).
O autor da critica a Gaspar, isto é, ao Governo, é neste caso, o teorizador da "Caixa de Pandora".
Portanto, mais um 'Papagaio'.
Do Regime.
Esclarecido, caro BMonteiro!
Efectivamente um "parrot" (some kinds of which can be trained to imitate human speech), mas de alta condição!
Caro Jose Braz Baptista,
Muito bem!
Só uma palavra sobre o "trillion" ou bilião, ou seja, um milhão de milhões.
Como diz Tavares Moreira, a linha de crédito serve para os bancos europeus poderem sobreviver sem terem que ir a um mercado seco rolar os seus passivos aos preços exorbitantes que esse "mercado" agora lhes exige. Isto é especialmente crítico para os bancos em Portugal, Espanha, Itália, Irlanda e mesmo França.
Para terem acesso a este dinheiro, os bancos têm que depositar colateral no BCE. E é através destas regras sobre qual colateral aceita, que o BCE de certo modo "obriga" o sistema financeiro a voltar a financiar alguns Estados, empresas e sobretudo pequenas e médias empresas (o colateral são esses empréstimos).
Está assim a cumprir o seu papel de "lender of last resort", mantendo o sistema financeiro em funcionamento.
Obviamente nada disto tem que ver com haver países que têm dívidas a mais e que por causa disso são mais arriscados e portanto pagam mais pela dívida do que outros. Não é papel do BCE emprestar dinheiro aos países, nem os problemas deles se resolvem com ainda mais empréstimos, para isso há outros mecanismos. E estão em funcionamento - empresta-se dinheiro durante uns anos em troca de ajustamentos da economia. Pois nenhuma economia que gasta mais do que aquilo que os seus cidadãos conseguem pagar de impostos tem saída no longo prazo. O senhor presidente do Supremo é apenas mais um com problemas de encarar de frente o "detalhe" do país ter entrado em bancarrota em Maio do ano passado. E a procurar minimizar os sacrifícios para a sua corporação.
Quanto ao regresso aos mercados, tem que haver mercado primeiro. Não serão obviamente os yields da dívida de alguns países actualmente o melhor indicador do preço que cad aum deve pagar, pois esses mercados negoceiam pouco ou quase nada e estão altamente sujeitos à maior especulação. Portanto haverá com certeza uma fase em que esse regresso acontecerá por intermédio dos mecanismos europeus como o MEE que irá entrar nos leilões à medida que os países forem cumprindo os objectivos de ajustamento.
É um bom plano na minha opinião. E ainda não encontrei ninguém com uma alternativa que faça mais sentido. Só muitos catastrofistas que raramente escondem bem as motivações político-partidárias de ocasião.
Cumps,
Buiça
Excelente achega, caro Buíça...nem parece proveniente de uma pessoa (excelente, por certo) portadora de um nome com notação de rating tão baixa...
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