Como qualquer miúdo, cedo soube identificar o Coliseu de Roma. Local onde os romanos iam assistir a jogos medonhos, cruéis, onde se praticavam sacrifícios dos pobres cristãos, perseguidos e humilhados pelas suas crenças. Não conseguia compreender como é que algo tão horroroso conseguia despertar interesse e provocar gáudio aos cidadãos romanos, que faziam parte de uma civilização notável. Demorou muito tempo a compreender a expressão latina "Panem et circenses", pão e circo. Ao cidadão de Roma era dado diariamente a sua dose de pão e entrada gratuita na sala de espetáculos. Estavam entretidos e com os estômagos cheios. Deste modo, agradeciam aos seus "dirigentes" tamanha generosidade, numa altura em que o "desemprego", ou o seu equivalente, atingia uns trezentos mil cidadãos.
Olhando agora com outros olhos para esta situação, desenhada na altura pelo império romano, podemos concluir que era já um sinal de decadência civilizacional, como se comprovou posteriormente.
Nos tempos que correm o Coliseu de Roma foi substituído pela televisão. Alguns tipos de espetáculos são medonhos, cruéis, permitindo assistir em direto, ou em diferido, a sacrifícios humanos, que, apesar de não envolverem a morte e o sangue, destroem e desvalorizam a alma e a dignidade das pessoas. Quanto a espetadores é coisa que não falta. Cada um dos canais luta com fervor e imaginação para aumentar as audiências, usando todos os truques, mesmo que ponham em causa os mais básicos princípios subjacentes à dignidade humana. E não têm pejo em usá-los. Dentro das estratégias televisivas contam-se os comentadores políticos, uma praga em crescendo. Em vez de ajudarem a esclarecer o pobre do cidadão, acabam por alimentar a desconfiança, através da construção de factos com objetivos pouco confessáveis; desejam manipular os eleitores, não se coíbem de branquear comportamentos e condutas pouco edificantes, ou seja, comportam-se como alcoviteiros e calhandreiros de péssima qualidade. São ouvidos? São, e de que maneira, a ponto de fazerem inveja aos patetas alegres dos seus colegas dos programas desportivos. Esta epidemia é muito perigosa e pode causar mais mal do que bem. Afinal, será que o cidadão comum precisa deste pessoal? Será que não consegue interpretar e analisar os factos e acontecimentos que se vão desenrolando no nosso dia-a-dia, com todas as diferenças que nos caracterizam? Então, porquê este massacre televisivo? Para obter audiências, para que possam vender mais e mais caro a publicidade? Para ganharem mais dinheiro? Só pode. Tem de haver motivos na base desta conduta e não me digam que o fazem por interesse público! Oferecem-nos um circo, que não é tão à borla como isso, e ganham o seu "pão", eles, a maior parte dos comentadores e as estações que os contratam, à custa de um verdadeiro espetáculo de política e politiquice através de politiqueiros que se comportam como verdadeiros "sacerdotes", despertando e mantendo a fé dos seus discípulos de acordo com as suas "religiões".
Karl Popper escreveu em tempos, conjuntamente com John Condry, um pequeno ensaio muito interessante intitulado, "Televisão: um perigo para a democracia". De acordo com o filósofo "a televisão é uma ladra do tempo", mas não rouba só o tempo, também pode matar a liberdade de pensar. Assim, quando sou "apanhado" por mesas-redondas de "gladiadores políticos" ou "imperadores de opinião", emudeço a televisão ou mudo para um canal temático, cultural, histórico, documental, musical, ou, em última análise, para um infantil. Muito mais saudável. Sempre posso preservar a minha liberdade.
1 comentário:
"(...)Afinal, será que o cidadão comum precisa deste pessoal? Será que não consegue interpretar e analisar os factos e acontecimentos que se vão desenrolando no nosso dia-a-dia, com todas as diferenças que nos caracterizam? Então, porquê este massacre televisivo? (...)"
Também acho que a maioria dos comentadores, principalmente aqueles cataventos que se vão arregimentado conforme as circunstâncias, não fazem falta nenhuma. Mas o problema são as audiências que geram dinheiro, e por isso estes senhores tendem a alienar-nos, de modo que o melhor é seguir o seu exemplo, mudar de sítio.
Enviar um comentário