Manhã bela e tranquila. O sol, atrevidamente, entrava no gabinete, não sei se por curiosidade ou por bondade. Os seus raios iluminaram um belo par de olhos negros, muito brilhantes. Por momentos fiquei sem saber se era o reflexo do sol ou raios emitidos por um sol invisível. Jovem. O cabelo chamou-me a atenção, cortado à escovinha, encaracolado, e salpicado de brancas, dava conta de que estaria a ver pela primeira vez o sol, recém libertado de uma prisão artificial. Antes de lhe falar entrega-me o papel, onde estava descrito a sua má fortuna de uma forma fria, exata e dolorosa. Li e registei. Os olhos negros continuavam a brilhar emitindo raios de um sol invisível receoso do seu congénere que continuava a invadir todo o espaço e todos os seres visíveis e invisíveis. Desabotoou os botões da sua blusa, deixando entrever na frescura da carne a mutilação anunciada. Não falámos muito, usámos mais os silêncios e os olhares entremeados de curtas e esclarecedoras frases. No final, despediu-se com os seus olhos negros, brilhantes, mas mais tranquilos, como se o sol interior tivesse, subitamente, perdido o receio. Agora eram dois sóis que, em simultâneo, iluminavam o mesmo espaço, com calor, com luz apaziguadora e cheios de esperança.
Não fiz qualquer distinção entre os dois...
2 comentários:
Belo texto.
Tantos sóis num só momento, uma beleza.
Enviar um comentário