A polémica levantada ao redor da gripe das aves tem suscitado vários tipos de reacções e desencadeado receios e ansiedade muito difíceis de controlar. As pessoas começam a entrar em pânico. Não obstante todas as explicações dadas pelos responsáveis, através da comunicação social, de forma reiterada, o que é certo é estarmos perante uma enorme dificuldade em interiorizar muitos dos conceitos científicos. É a senhora que nos pergunta se pode comer carne de frango, ou a avó que, preocupada, pergunta como é que agora vai fazer os doces que os seus familiares tanto apreciam. - São precisos ovos senhor doutor! Responde de imediato, face à minha expressão de incompreensão perante tão inusitada associação. – E os ovos vêm das galinhas! Ainda há os que perguntam se vão morrer tantas pessoas conforme dizem. – Vão ser muitos milhões senhores doutor? Às tantas também vou morrer! Tento aplacar os anseios e explicar da melhor maneira possível o que se está a passar tranquilizando quer a incorrigível doceira ou o ansioso jovem pai.
A dificuldade em compreender certos fenómenos de saúde parece ser uma constante nacional a que nem o próprio primeiro-ministro está imune, o qual confunde vacinas com fármacos anti-virais, ao tentar sossegar o povo de que está tudo sob controlo.
Os responsáveis pela saúde definem estratégias, planos de contingência, afirmando que tudo está ser feito de modo a evitar situações graves em Portugal. Anuncia-se a compra de fármacos específicos que vão tardar a chegar, devido à dificuldade em satisfazer todos os pedidos dos vários países. Definem-se prioridades para proceder a uma futura vacinação, a qual entretanto só poderá ser feita após o conhecimento da variante humana do H5N1 e a produção da respectiva vacina. Salientamos que para fazer face às necessidades a vacina específica para estes casos irá ser produzida durante a própria epidemia. Com todos os recursos existentes, e são muitos, a quantidade de vacina a produzir poderá não ser suficiente para imunizar a maioria da população mundial. Acresce que, de acordo com os especialistas, será necessário, neste caso, uma segunda dose vacinal. Se as projecções que estão a ser feitas se concretizarem podemos perguntar como é que vai ser processada a distribuição da dita vacina. Não podemos esquecer que 70% da capacidade mundial da produção de vacinas está nas mãos de cinco países ocidentais. Será que estes países irão permitir a exportação das vacinas sem que tenham imunizado as suas próprias populações? Quem é que vai regular a distribuição das mesmas? Será que a população de Burkina-Faso terá o mesmo direito a ser vacinado como a população do Reino Unido? O que acontecerá se a população de Lisboa não tiver acesso à vacina face aos parisienses imunizados e felizes por não sofrerem os efeitos de uma gripe devastadora? Quem é que controlará a eventual discriminação vacinal? Irá ser criada alguma estrutura supranacional para regular a distribuição? Terá força suficiente para disciplinar eventuais situações de favoritismo face aos países produtores ou aos que têm maior poder económico?
Não sei se o plano nacional de contingência abrange estas interrogações. Tenho algumas dúvidas. Uma eventual pandemia de gripe e a forma de a combater exige medidas políticas à escala planetária. É certo que haverá necessidade de estabelecer prioridades quanto aos que devem ser vacinados. No entanto, espero que os responsáveis arranjem algumas dosezitas para as simpáticas doceiras e os jovens pais ansiosos deste país.
3 comentários:
1.O Campeão da desinformação foi o Ministro Freitas do Amaral que em cada palavra dizia uma asneira
2. Ao que parece ainda não há a variante humana da gripe das aves nem sabemos se irá haver. Há um ano era o Sindrome da Peneumonia Atípica. Lembram-se? Não sei se então foi um alarmismo inútil da Saúde Pública ou uma excepcional intervenção que evitou a epidemia.
3. Julgo que a questão das vacinas apenas tem duas questões: Qual a sua eficácia e se prontas a tempo.
4. Mais prejuizo humano do que a gripe em si será sobretudo o resultante da desorganização da sociedade e da economia.Não tenhamos dúvidas. As pessoas pura e simplesmente deixarão de ir trabalhar, barricando-se em casa com medo dos contágios. E isto por um período de dois meses!
O medo da morte ainda é o principal estímulo humano.
Só os médicos não poderão fugir.
Como médico vou pensando: Se a pandemia vier a ocorrer devo cortar o contacto com a minha família uma vez que serei um potencial agente de transmissão?
5. Esperemos que a Pandemia não ocorra ou que as vacinas sejam eficazes e atempadas.
Dr. Massano Cardoso, permita-me que o felicite por esta magnífica entrada.
Se a questão de uma autoridade à escala planetária me parece muitíssimo pertinente, não julgo que o nosso mundo de tantos egoísmos esteja preparado para mais do que umas comissões mistas, umas equipas internacionais, algum alto comissariado criado à pressa, com resultados parcos e previsíveis - os que menos podem, e menos pesam no equilíbrio mundial, pagarão a factura mais pesada, em vidas humanas perdidas.
É ingénuo, e inútil dizê-lo, mas é perante situações limite como esta, que a Humanidade deveria repensar, não apenas as consequências da utilização que faz do planeta que habita, como o que deveria ser mudado nas relações entre os humanos e entre estes e as outras espécies com que partilha o planeta.Uma provação como a que se avizinha, teria que tornar os que a ela sobrevivam superiores ao que somos hoje. Ou não passará de mais um fenómeno "natural" de reequilíbrio da natureza.
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