1. Esta declaração tem sido repetida em tons variáveis por alguns “media”, nos últimos dias, a propósito de uma anunciada intenção tanto da Associação Portuguesa das Industrias Farmacêuticas (Apifarma) como da Associação Nacional das Farmácias (ANF) de passarem a cobrar juros sobre as dívidas do Estado (SNS, neste caso) a associados seus, que excedam determinado prazo.
2. No caso da indústria farmacêutica, a dívida do SNS estará já muito próxima de 1.000 milhões de Euros, sendo responsáveis pelo incumprimento os Hospitais EPE e outras entidades enquanto no caso das farmácias a dívida será da ordem de 100 milhões de Euros e a entidade em incumprimento será a ARS-Norte.
3. O tom utilizado por certos “media” a propósito desta iniciativa de cobrança de juros – provavelmente incentivados ou iluminados pela central propagandística - está muito próximo de sugerir que a cobrança de juros ao Estado representa um abominável abuso de direito, uma infame provocação ao bom Povo - uma intolerável ameaça, em suma.
4. Quer isto dizer, por outras palavras, que as entidades privadas a quem o Estado não pague, para além dos limites legalmente fixados, devem “comer e calar”, esquecer que têm o direito de cobrar juros e, consequentemente, estimular o Estado a continuar a incumprir e a agravar, a seu bel-prazer, as situações de incumprimento.
5. Devo confessar que me impressiona esta forma de divulgar notícias pois supõe, com poderosa intensidade, que os portugueses são pessoas destituídas de qualquer capacidade judicativa, incapazes de distinguir entre o que é razoável ou o que não é razoável.
6. Pior ainda: esta forma de noticiar estimula, porventura de forma propositada, uma avaliação distorcida das realidades, quase impondo aos cidadãos menos cautos uma visão manifestamente perversa das coisas.
7. Não sabemos todos nós que ao mínimo atraso nas obrigações fiscais ou para-fiscais os cidadãos são contemplados de forma impiedosa com juros de mora de 1% ao mês (salvo erro), cuja notificação aparece desde logo acompanhada com toda uma panóplia de ameaças de execução de bens para assegurar o pagamento da dívida?
8. E então quando uma empresa, seja ela qual for – farmácia, laboratório, construtora, fornecedor de papel, pouco interessa – não recebe o que o Estado lhe deve tem de se calar e ponto final, sendo certo que a lei lhe confere o direito de, decorrido certo prazo, cobrar juros moratórios?
9. Como pagam as empresas os salários e outras obrigações - com "YOY" emitidos pelas entidades públicas inadimplentes?
10. Em que espécie de “Povo” querem transformar-nos? Em servos do Estado, tal como os da gleba, de outrora?
8 comentários:
Caro Tavares Moreira,
Infelizmente ainda há muita gente a defender uma sociedade dócil e servil ao serviço do Estado.
Falando em jornalismo serôdio, leu a Visão? Reparou como se apoia a ideia romântica da Ministra da "Educação" em acabar com os chumbos? Defende o jornalista que os chumbos são caros e como tal, todos os alunos devem prosseguir porque fica mais barato. O curioso é que não encontrei nenhuma referência aos custos com doentes com doenças terminais no Serviço Nacional de Saúde, será que a Visão defende que se ponham fora dos hospitais estas pessoas? Deve ficar mais barato...
"... supõe, com poderosa intensidade, que os portugueses são pessoas destituídas de qualquer capacidade judicativa, incapazes de distinguir entre o que é razoável ou o que não é razoável."
Eu diria que é bem suposto.Eu não queria gastar de início, mas gastaram por mim em qualquer coisa que não foi aquilo que me disseram que iam gastar e, por isso, ficaram a dever onde me disseram que iam gastar. Por isso, vão pedir-me mais dinheiro para pagar os juros daquilo que não pagaram e me disseram que iam pagar sem, no entanto, eu perceber para onde foi o dinheiro que dei no início para pagarem aquilo que continuam sem pagar.
É bem suposto!
Dr. Tavares Moreira
Será que, por momentos, têm alguma coisa contra as farmacêuticas e as farmácias? Será que querem dar uma ajudinha ao Estado?
Quando está em causa a saúde é fácil assustar a opinião pública porque está em causa um bem de valor incalculável e uma imagem de que as actividades da saúde - médicos, farmacêuticas, etc. - ganham muito dinheiro.
É pena que não contribuam para explicar às pessoas que o Estado deveria dar o exemplo, pagando a tempo e horas e assumindo os encargos pelas dívidas que contrai. E seria bem mais pedagógico explicar às pessoas que quando o Estado não paga às empresas, mas nem por isso prescinde da cobrança dos impostos, lhes está a criar dificuldades financeiras que podem determinar a impossibilidade de se manterem a laborar, fechando as portas, gerando desemprego e contribuindo para retrair a actividade económica.
Que mostremos a nossa indignação, porque...
Isso de comer e calar
tem os dias bem contados,
pois não se pode esfolar
sempre os mesmos coitados.
Esse estado decadente,
que alguns teimam não existir,
é uma coisa concedente
que será difícil compartir.
O respeito inexistente
pelo dinheiro do mexilhão
é uma marca persistente
deste regime tão farfalhão.
Dr. Tavares Moreira, caro conterrâneo,
Desde a tomada de posse de José Sócrates como Primeiro-Ministro que os intervenientes no circuito do medicamento têm sido diabolizados e encarados como lóbi a abater. Atacar as farmácias, por exemplo, é manchete certa (veja-se o destaque desproporcional para o caso da abertura de 24h das farmácias, como se fosse uma medida vital para o país). Desta forma o Estado tem garantido o apoio popular necessário para actuar conforme as suas exclusivas conveniências, mesmo que ilícitas.
Ora isto é perigoso e a médio prazo surgirão as inevitáveis consequências: retirada de medicamentos de menor rentabilidade e exportação paralela, prática de farmácia pautada exclusivamente por factores económicos e não por critérios técnicos e deontológicos, abandono de profissionais do sector substituídos por "investidores".
Caro Dr. Tavares Moreira,
Assistimos, em Portugal, há mais de 150 anos, a uma sempre crescente tentacularização do estado. A este movimento vem correspondendo, inevitavelmente, a míngua do espaço de autonomia e de liberdade do cidadão. Por sua vez, essa redução de liberdade é o resultado directo da torrente legislativa a que assistimos.
Chegados aqui, diga-se que Portugal não se diferencia muito da generalidade dos países ocidentais. O que nos distingue particularmente é a identidade que a "situação" estabeleceu e pratica: que o espaço da lei coincide com o espaço da ética. Nisto reside o pântano socratista.
Sem a compreensão do que precede, dificilmente se evitará que a servitude não se abata sobre nós, como Hayek explicou no seu livro mais famoso (há umas semanas atrás, #1 na lista dos bestsellers da Amazon).
O problema dos credores é que se calhar nem com juros nem sem eles...e nosso também, claro.
Caro Fartinho,
Essa notícia do custo económico dos chumbos - € 420 milhões segundo os media de ressonância - merece bem ser proposta para o Guiness da imbecilidade!
Com elevadíssimas probabiliddes de não ter concorrência à altura!
Admirável o seu trocadilho, caro Tonibler!
Verifico, pelas suas palavras, que o meu Amigo tem em elevada conta a capacidade de entendimento dos seus concidadãos!
Lá saberá porquê! Mas poupe, pelo menos, estes poucos que por aqui militam, esforçadamente, nesta 4ª República...
Cara Margarida,
Toca num ponto importante, sem dúvida - o do exemplo que o Estado deve ou devia dar...
Concordará, creio, que o Estado está dando um exemplo com este comportamento - um péssimo exemplo, mas não deixa de ser um exemplo!
"O resepito inexistente pelo dinheiro do mexilhão..." poderosa expressão poética, caro M. Brás!
Caro Peliteiro e conterrâneo,
Recordo-me ainda do discurso de posse do 1º governo desta fase de sonolência, em que as farmácias foram apontadas como O PROBLEMA estrutural do País...
Caro Eduardo F,
Curiosamente, neste caso que apreciamos, há uma separação (ou mesmo antinomia) entre o Legal e o Ético...
Pretendendo-se vender a ideia de que determinado comportamento perfeitamente legal de credores do Estado - a cobrança de juros de mora, por incumprimento reiterado por parte do devedor - constitui uma ofensa à ética (republicana, será?)...
Tenho de admotir que ainda não tenhamos sido devidamente esclarecidos quanto aos princípios fundamentais da ética republicana - e que um desses princípios seja, precisamente, o de não pagar o que se deve, nunca, ou só pagar quando nos "apetece"!
Cara Suzana,
Observação de caracter eminentemente pragmático, a sua, admito que tenha razão...
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