Entrou no apartamento novo e deixou que a pesada porta de segurança se fechasse lentamente atrás de si, ficando sozinha na imensidão da sala elegante e fria, decorada com móveis que ainda não reconhecia nas memórias da sua vida.
Atirou ao acaso as sandálias de salto alto e pisou com volúpia a carpete sedosa, sentindo finalmente a lassidão invadi-la. A mesa, num recanto, estava posta com o detalhe cuidado de quem espera um convidado, dois pratos, um pequeno arranjo de flores, os candelabros de cristal que apenas se notavam na sua transparência límpida e discreta. E os copos, claro, altos e finos, bem alinhados, impacientes pelo néctar precioso a gargalhar na celebração, finalmente, finalmente, do sucesso da sua pequena empresa depois de tanta luta e tanta ambição.
Passou pelo espelho sem resistir a uma olhadela furtiva, de pura confirmação da sua beleza já madura. Apenas perceptíveis na maquilhagem as marcas do dia intenso, um pouco vincados os cantos da boca naquele traço triste que se instalara, aquele traço triste e teimoso, talvez nos olhos também, sim, nos olhos também, aonde o brilho da glória tão merecida?, era decerto o cansaço, só o cansaço, da espera infinita que agora se resolvera. Escolheu um disco da estante apenas iniciada e deixou a tocar uma música suave.
Tirou a garrafa do frigorífico e abriu-a com destreza, num gesto firme e súbito.
Regressou à sala fazendo dançar a roda do vestido contra as pernas, imaginando que sentia os olhos dele a percorrer-lhe o corpo, como dantes, e sentou-se à mesa. Escolheu o lugar virado para a janela ampla e para a paisagem da noite limpa de estrelas e recostou-se um pouco, forçando um sorriso enquanto servia o vinho nos dois copos, na mesma medida generosa. Ergueu o seu, em brinde, tocando levemente no outro copo quieto, e sorveu um gole devagar, saboreando, à procura da alegria que sentira nessa tarde, quando festejava com o seu grupo na empresa.
Num tom neutro, falou então para o lugar vazio.
- Tu nunca acreditaste que eu era capaz, diz lá, tu nunca acreditaste. Mas vê, aqui estou, celebra comigo, vá lá, ao menos celebra comigo, a minha vitória podia também ser a tua, desejei tanto que me acompanhasses, que quisesses estar comigo, não pedi mais, não te pedi demais, apenas que ficasses. Mas continuei, assim mesmo, talvez depois voltasses, talvez quando o reconhecimento chegasse, a casa nova, uma vida desafogada, talvez então sentisse o teu orgulho em mim, queria tanto que tivesses vaidade em mim. Tchim, tchim, ao meu êxito!
Pousou o copo e tirou do dedo o anel que nesse dia oferecera a si própria, deixando-o abandonado na mesa.
Enroscou-se a um canto do sofá largo e confortável e a música embalou-lhe o fio manso de lágrimas livres até adormecer profundamente, amarrotada no seu vestido de festa.
Atirou ao acaso as sandálias de salto alto e pisou com volúpia a carpete sedosa, sentindo finalmente a lassidão invadi-la. A mesa, num recanto, estava posta com o detalhe cuidado de quem espera um convidado, dois pratos, um pequeno arranjo de flores, os candelabros de cristal que apenas se notavam na sua transparência límpida e discreta. E os copos, claro, altos e finos, bem alinhados, impacientes pelo néctar precioso a gargalhar na celebração, finalmente, finalmente, do sucesso da sua pequena empresa depois de tanta luta e tanta ambição.
Passou pelo espelho sem resistir a uma olhadela furtiva, de pura confirmação da sua beleza já madura. Apenas perceptíveis na maquilhagem as marcas do dia intenso, um pouco vincados os cantos da boca naquele traço triste que se instalara, aquele traço triste e teimoso, talvez nos olhos também, sim, nos olhos também, aonde o brilho da glória tão merecida?, era decerto o cansaço, só o cansaço, da espera infinita que agora se resolvera. Escolheu um disco da estante apenas iniciada e deixou a tocar uma música suave.
Tirou a garrafa do frigorífico e abriu-a com destreza, num gesto firme e súbito.
Regressou à sala fazendo dançar a roda do vestido contra as pernas, imaginando que sentia os olhos dele a percorrer-lhe o corpo, como dantes, e sentou-se à mesa. Escolheu o lugar virado para a janela ampla e para a paisagem da noite limpa de estrelas e recostou-se um pouco, forçando um sorriso enquanto servia o vinho nos dois copos, na mesma medida generosa. Ergueu o seu, em brinde, tocando levemente no outro copo quieto, e sorveu um gole devagar, saboreando, à procura da alegria que sentira nessa tarde, quando festejava com o seu grupo na empresa.
Num tom neutro, falou então para o lugar vazio.
- Tu nunca acreditaste que eu era capaz, diz lá, tu nunca acreditaste. Mas vê, aqui estou, celebra comigo, vá lá, ao menos celebra comigo, a minha vitória podia também ser a tua, desejei tanto que me acompanhasses, que quisesses estar comigo, não pedi mais, não te pedi demais, apenas que ficasses. Mas continuei, assim mesmo, talvez depois voltasses, talvez quando o reconhecimento chegasse, a casa nova, uma vida desafogada, talvez então sentisse o teu orgulho em mim, queria tanto que tivesses vaidade em mim. Tchim, tchim, ao meu êxito!
Pousou o copo e tirou do dedo o anel que nesse dia oferecera a si própria, deixando-o abandonado na mesa.
Enroscou-se a um canto do sofá largo e confortável e a música embalou-lhe o fio manso de lágrimas livres até adormecer profundamente, amarrotada no seu vestido de festa.
10 comentários:
Eis um texto que não se lê: sente-se e faz-nos embrenhar em todas as sensações exteriores e interiores da personagem. O drama, a solidão, no paradoxo do "sucesso" esvaziado de afectos e vínculos, esses são hoje recorrentes.
Ressonâncias de Sophia e a História da Gata Borralheira, que a Suzana bem deve conhecer. Parabéns pelo post.
PALAVROSSAVRVS REX
Uma obra-prima, cara Suzana!...
Cara Draª. Suzana Toscano:
Permita-me dizer: -muito bonito e sem dúvida no melhor estilo que já lhe conheço...
Suzana
Uma concentração extraordinariamente bonita de emoções e sentimentos! Para ler e sentir várias vezes...
Permita-me a valorosa heroína do texto, que a presenteie com uma música.
http://www.youtube.com/watch?v=fF91oTBt92M&feature=related
(sorrateiramente não vou permitir que o restante néctar, seja desperdiçado...)
Tchim... tchim... ao sucesso de todas as mulheres que não se intimidam nem desistem perante os desafios!
Um texto a saborear; uma imagem que perdura no nosso pensamento...
Nem respirei! Fiquei sem fala. Um beijo.
Obrigada a todos, ainda bem que gostaram :)
Caro Bartolomeu, Nat King Cole e a música Mona Lisa dariam uma bela música de fundo para este post, sem dúvida nenhuma, obrigada por contribuir para criar o ambiente que o néctar merecia...e o sucesso também!
A vitória própria vista pelos nossos olhos dispensa público exterior.
Muitos parabéns pelo texto!
caro freespirit, mas quando é acompanhada por outros olhos sabe muito melhor, é completa!
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