Respeito e admiro imenso as pessoas que ajudam as demais em atos de solidariedade e de amor. Faz parte da essência de algumas almas e sempre minimizam algum sofrimento.
Há pouco tempo a responsável máxima do Banco Alimentar despertou reações intensas de oposição porque esbarrou, sem qualquer espécie de dúvida, contra alguns interesses ideológicos. Não é que não tenha o direito a exprimir as suas opiniões, mas o simples facto de estar constantemente "visível" pode despertar alguma animosidade. Há quem veja interesses mais ou menos obscuros, há quem interprete a iniciativa como sinónimo de defesa de doutrinas específicas, há quem veja, inclusive, um obstáculo contra as próprias causas que estão na base da pobreza gerada pela sociedade. Enfim, há interpretações para todos os gostos, como não poderia deixar de ser.
São muitas as organizações que neste país se dedicam a auxiliar o próximo, muitas delas praticamente desconhecidas e que mesmo assim conseguem atingir os seus objetivos só que não têm tanta visibilidade e os seus "rostos" são desconhecidos, logo não geram discussões nem provocam anticorpos, nomeadamente ideológicos ou doutrinários. No caso em apreço, talvez pela dimensão que conseguiu alcançar, qualquer frase ou atitude da senhora presidente pode desencadear as mais inesperadas reações. Da minha parte não tenho muito a dizer sobre o alcance desta organização, que continue a ajudar quem necessite, mas já tenho quanto à senhora pela forma como analisa alguns problemas.
Acabo de ler que Isabel Jonet "defende que os portugueses precisam de educar os seus hábitos de consumo para evitar os desperdícios alimentares". Concordo com a sua afirmação, mas não é por aí que vamos lá. Os portugueses precisam de muitas coisas, de pessoas honestas que transmitam mensagens saudáveis e decentes. Como é que quer que eduquem os seus hábitos se são confrontados a toda a hora e instante para que consumam? Como é possível educar os hábitos se o comportamento hedonista do ser humano leva-o a adquirir tudo o que lhe dê prazer? Não há educação capaz de modificar os seus hábitos se não houver outras e prioritárias medidas contra o apelo ao consumo. Não é na fase final da cadeia que está a solução do problema, mas a montante, muito a montante. Chama-se a isto uma abordagem simplista, simplista de mais. Porquê? Porque hoje sofremos uma das maiores epidemias ou pragas que provocam sofrimento a centenas de milhões de seres humanos, a "affluenza", uma doença de origem humana que, através de mecanismos perversos, transformam um cidadão e uma criança em consumidor compulsivo. Para atingir este desiderato, utilizam estratégias que aliam o marketing agressivo, a falta de escrúpulos e uma "legislação" apropriada, a um desejo natural, o bem-estar material tão propalado aos quatro ventos, dia e noite, por esse mundo fora. Em termos práticos, os responsáveis por estas dinâmicas sabem que é possível provocar sensações de prazer e de "felicidade" a nível cerebral, provocando dependência, tal qual como qualquer droga. É aqui, neste mundo complexo, cheio de interesses, em que o dinheiro fala mais alto, e os valores são mudos, que está o problema. Não é na fase final da cadeia que estão as causas e se resolvem os problemas, mas sim a montante, muito a montante e não é muito difícil saber onde e nem como ultrapassar certas situações. Se a senhora entende que os portugueses têm de mudar os seus hábitos através desta abordagem, então, está bem, tem a minha compreensão e até colaboração, mas se quiser dar enfoque ao cidadão comum, como sendo o responsável pelo desperdício ou pelo excesso de consumo, então, neste caso, não conte, porque a "affluenza" combate-se a outros níveis e não vejo grande interesse em combatê-la, antes pelo contrário. Sempre é mais fácil combater a influenza com uma vacina, mas para a “affluenza” não há, nem sei se haverá alguma vez...
14 comentários:
Sem consumo não há emprego e investimento.
O capitalismo inventou-se para produzir os bens e serviços que os consumidores desejam comprar.
A pobreza não vem do excesso de consumo mas da falta de consumo.
Caro professor, quem anuncia e tenta vender os seus produtos faz o seu papel. Quem os compra sem ter possibilidades para o fazer é que se calhar não está a fazer o seu.
Eu não falei em não consumir! Falei de uma situação muito complexa e grave chamada "affluenza" e que provoca problemas gravíssimos em termos individuais, sociais e ambientais.
http://www.bullfrogfilms.com/catalog/affl.html
Zuricher
Muitos dos que "vendem" "não fazem" o seu papel, a não ser que considere a venda de certos produtos e serviços como sendo corretos, e deve saber, tão bem como eu, que nem sempre é assim. Não são só os políticos que enganam as pessoas, ou será que também estes "fazem o seu papel"? Se o fazem, então, os resultados estão bem à vista.
Em janeiro de 2007 já tinha escrevinhado um pequeno texto sobre esta temática.
http://quartarepublica.blogspot.pt/2007/01/affluenza.html
Não está no âmbito do «post», mas aí vai mais um conjunto de casos que exemplificam a merda de políticos que nos dirigem:
1.º) O Brasil vai suspender o Acordo Ortográfico até 2016 para o repensar e alterar. Os tugas, os criadores da língua, já o tornaram obrigatório.
2.º) Numa câmara social-democrata, criou-se uma empresa destinada a atrair empresas para o concelho. Vem-se a saber que a mesma é utilizada pelo jurista da autarquia para dar formação atrás de formação.
3.º) Na mesma câmara, a namorada de um dos da «comandita» (não sei exatamente qual o cargo que ocupa) viu ser criada, em 2011, uma balela qualquer para ela, recém-saída da universidade, ter um emprego. Agora, para 2013, vai ser criada outra patacoada para a senhorita ficar a chefiar a coisa, com um vencimento de técnica superior. Estamos a falar de uma mete nojo com 23 ou 24 anos que não experiência nenhuma e que singra porque dá umas quecas com um dos maiorais da câmara.
P.S. Continuo à espera do Tavares, do da guerra do Iraque ou do Cardão.
Professor, obrigado pelos links para o filme em que é explicado o conceito de Affluenza e para o post que escreveu em tempos a esse respeito.
Embora reconhecendo o problema e até aludindo a ele várias vezes não fazia a mais pequena ideia que tem um nome. Mas também lhe digo, não o entendo. Para a minha forma de pensar esse consumismo desenfreado por causa do vizinho do lado é algo que não entra, não cabe na minha cabeça. Sei que existe mas não o entendo. E ao mesmo tempo parece-me que actuar contra ele é tratar as pessoas como atrasadas mentais, desresponsabiliza-las pelas consequencias das suas decisões, tema que para mim é muito, muito caro.
Agora as vendas. O que não é legítimo vender? Evidentemente que cocaína ou LSD não é legítimo vender. Mas será ilegítimo querer vender carros, viagens, telemoveis, serviços de baby-sitter e sei lá mais eu o quê? Agora, inversamente pergunto, e não terão as pessoas dois dedos de testa para saber pensar pelas suas cabeças se precisam dum carro, duma viagem, dum telemovel, seja lá do que for?
Zuricher
Só lhe posso dizer que não. Não basta ter dois dedos de testa. As decisões são tomadas com base em fenómenos muito complexos e há quem, científica ou empiricamente, saiba como utilizá-las. Não podemos nestes casos extrapolar as nossas sensibilidades ou experiências pessoais. Há casos patológicos muito graves, que são extremos, sem dúvida, mas que permite identificar as tais condutas que, num continuum, contribuem para esta problemática. Quanto aos fenómenos sociológicos estão bem definidos. Há aqui uma estranha mistura, em que a cultura, a economia, a publicidade, a aspiração individual e fenómenos fisiológicos, estes últimos desenvolvidos através da evolução, "explicam" a situação. Quanto à legitimidade de vender não é suficiente. Faz-me lembrar coisas que estão a acontecer neste país, dentro da "legalidade", mas que ética e moralmente são condenáveis e com prejuízos graves para muitos, para não dizer brutais.
Que confuso é para mim o que acaba de dizer, professor, que confuso. Não consigo conceber não ser dono da minha vontade, não consigo conceber a ideia de precisar de provar seja o que for seja a quem for mais que o que precisei provar no âmbito profissional e, inversamente, também não me imagino a sentir-me (aliás, não sinto) minimamente impressionado por alguém me aparecer à frente num carro XPTO ou contar as suas férias numa qualquer ilha perdida no meio do pacífico pelas quais pagou 30000€.
Aludiu à publicidade e fez-me aflorar ao espirito algo que se passou há bem uma duzia de anos ou mais, teria eu os meus 20s e picos anos. Um publicitário que conhecia nesses tempos, numa conversa lembro-me de ter-lhe dito que sou imune à publicidade e por via de regra nem me apercebo dela, não ligo, não dou importância. Que é a mais pura verdade, não ligo, é daquelas coisas para que posso até olhar mas não vejo o que lá está. Na altura respondeu-me que não era imune à publicidade, que ninguém o era. Simplesmente uma publicidade para me vender o que quer que seja teria que ter caracteristicas que me apelassem e seria muito mais cara do que o que me quisessem vender, logo, não é questão de ser imune à publicade mas sim de não ser o alvo da publicidade comum. Na altura achei piada, lembro-me que achei a coisa descabida. Por cortesia deixei ficar por ali e não adiantei o assunto. Mas ainda hoje só a ideia de alguém imaginar que me pode fazer comprar algo que eu não preciso ou para a qual não tenho serventia faz-me rir. Mas talvez ele tivesse razão...
Para as cabeças duras dos liberais radicais isto faz muita confusão, não é?
Pois, numa sociedade que se quer livre, a manipulação e o logro cientificamente preparados devem ser impedidos e reprovados eticamente. O estado e os políticos cujo objectivo da sua existência é a defesa do bem comum e da verdade deveriam ser mais pedagogos quanto ao consumismo.
A affluenza é uma doença consequência de uma sociedade que entroniza o ter e depreza o ser, é a sociedade do mercado.
Por que é que o professor entendeu as palavras da senhora dirigidas apenas ao consumidor final?
A afirmação que a senhora fez e o sr. citou é carapuça que serve em muitas cabeças...
Percebo o problema. Sempre existiu. Apesar de agora mais globalizado e mais eficaz.
Acontece que aquilo a que se chama bem comum, não deve sobrepôr-se nunca à liberdade individual.
Na penúltima frase do seu post, acabei por não entender se o professor acha que não há grande interesse em combater o fenómeno, ou se é a sociedade que não vê grande interesse nisso, ao contrário do que o professor pensa.
Em minha opinião, se algum combate se justifica deve ser efectuado pela sociedade civil, e nunca pelo Estado.
Não cabe ao Estado assumir-se como pedagogo. Mas que este ia adorar poder impôr a sua vontade aos tristes cidadãos, lá isso ia... E se pudesse pôr a mão em mais uns tostões através de mais uma taxa, para financiar esse trabalho...
A verdade é que em Portugal a sociedade prefere transferir para o Estado a responsabilidade de os proteger de todos os inimigos, cedendo sempre mais soberania individual... E ficamos satisfeitos porque vivemos em democracia. Pobres tolos que somos...
Não deve ser dada ao estado esta responsabilidade, mas sim à dita sociedade "civil" que deverá compreender e propor soluções, inclusive obrigar a produzir legislação.
Quanto ao meu entendimento de que a senhora foca a atenção no consumidor resulta da leitura do texto, mas mesmo assim salvaguardei a hipótese de que as suas ações pudessem realizar a outro nível. Quanto "à carapuça" não a enfiei, meu caro, porque há muitos anos que falo, debato e ensino sobre este assunto e muitos mais com impacto na saúde global.. Espero ter esclarecido a sua natural dúvida.
Professor, quando escrevi o que escrevi, não estava a pensar na cabeça do professor; quando escrevi todos, queria mesmo dizer todos, eu incluído.
Ok. Por vezes não é fácil interpretar certos cornentários. Debater através da escrita tem destas coisas. Agradeço o seu esclarecimento.
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