Pelos vistos, uma parte muito significativa da população portuguesa não ligou nenhuma à magna “polémica” sobre as declarações da Presidente do Banco Alimentar que, há dias, feriram a sensibilidade de tantos opinionistas esclarecidos que, prontamente, mal habituados como estão, deram como perdido o êxito da campanha que se aproximava. Não sei se já estariam escritos os artigos a carpir os fracos resultados da recolha de alimentos, se já estariam prontas as câmaras para ir filmar as casas com os armários vazios, tudo hipocritamente embrulhado em muito pesar pelo “falhanço” do Banco Alimentar e as consequências devastadoras do crime de lesa-ouvidos dos atentos comentadores de sofá. Mas, afinal, as pessoas não ligaram nenhuma ao “frisson” mediático e acorreram, como é hábito, a encher os sacos destinados a acudir à pobreza de milhares de famílias que confiam no socorro do Banco Alimentar e dos muitos que nele trabalham como voluntários.
Falhou, por uma vez, a pontaria assestada à mínima falha dos que conseguem fazer alguma coisa de válido e duradouro, mas investe-se com a ligeireza e prontidão de sempre. É precisamente este ponto que me desanima. O facto de, apesar de toda a educação académica, de toda a cultura de viagens, de toda a modernidade que entrou pelos poros da nossa terra, continuarmos com a ancestral mesquinhez de desdenhar e tentar derrubar todos os que se atrevem a ter sucesso no que fazem. Ai de quem ouse! Não olhamos o brilho, antes perguntamos, ferozes, “porque luzes?” Fosse Isabel Jonet uma televisiva exímia, cuidada na sua imagem, que falasse com o tom e as palavras típicas da “comunicação correcta”, mas não tivesse obra que se lhe reconhecesse, e tudo lhe seria perdoado, por muito banais que fossem as suas palavras. O problema, ainda e sempre, é que não se perdoa a capacidade de fazer, não há contemplações para quem tenha anos de serviço com mérito digno de ser reconhecido. Se fosse uma medíocre, uma faz de conta, os moralistas de serviço não se indignariam com coisa nenhuma, os humoristas não perderiam um segundo a glosar o seu estilo, não, o que incomoda, e muito, é que esteja à vista de todos uma obra positiva que mobilizou para uma nobre causa milhares de pessoas, sem outro marketing que não o do apelo à generosidade e ao espírito solidário de todos. Isabel Jonet não dá prémios, não rifa automóveis e as instalações em que trabalha com os que com ela querem trabalhar são de uma modéstia total. Ela não tem o “glamour” de uma mulher de sucesso mas é-o, sem qualquer dúvida, a todos os títulos. Por isso não se lhe perdoa qualquer falha, ainda que leve ou imaginária, por isso se tornou uma alvo, para a desclassificar, uma oportunidade destas não se perde, numa táctica tão habitual entre nós que é a de dar cabo dos que se salientam para que a mediocridade impere. É sempre esse o chamariz, o de amesquinhar, a menos que o sucesso entre pelos olhos dentro, e apenas enquanto resiste, aí o coro cala-se e aguarda, mas fica alerta. Depois admiram-se que os que emigram tenham “êxito”, qual é a comunidade que floresce quando impera a pobreza de espírito e emerge esta raiva destrutiva, por que razão nos custa tanto dar valor a quem o merece? É que a luta de Isabel Jonet começou como a luta contra o desperdício, e não é só dos bens materiais, o desperdício de pessoas, de tempo, de impulsos generosos, esse imenso valor que temos e que deitamos fora, num segundo de televisão, ou num artigo de jornal, para a seguir nos comovermos ou indignarmos perante a miséria ou a indiferença, ou a falta de “gente capaz”. Somos assim, gostamos de desperdiçar, não trocamos um minuto de crítica por um minuto de reflexão. Há-de haver muita gente contrariada no dia em que o Banco Alimentar passou indiferente à unha aguçada apontada a quem não desiste. Parabéns a Isabel Jonet e a todos os que, uma vez mais, ousaram prosseguir.
10 comentários:
BRAVÔ! Bravo, cara Suzana, por este seu post que, acima de tudo, encaro como contra a pobreza de espírito e a mesquinhez da cultura Portuguesa. BRAVÔ!
os criticos são sobretudo comunas, os maiores assassinos do séc.XX
fuzilados e mortos à fome na Ucrânis
Os portugueses não são os que falam alto. Com a democratização da internet que se percebeu já que não há qualquer coincidência entre aquilo que os media transmitem e aquilo que se passa de facto. Os comentadores televisivos, pelo menos os poucos que ainda caiem no meu zapping, parecem cada vez mais aqueles soldados japoneses que eram descobertos em ilhas desertas anos depois da guerra ter acabado: o quartel que defendem já foi tomado há anos, só que ainda não lhes chegou a notícia...
De resto, não houve, não há, nenhuma polémica relativamente ao BA e sei que a esmagadora maioria das pessoas que pensam se sentiram ofendidas com a presunção de que haveria.
Mas perdoar, o quê, se Isabel Jonet apenas teve a coragem de dizer algumas verdades?
Ainda a propósito deste assunto, tenho uma dúvida: as compras efectuadas para o Banco Alimentar traduzem-se numa margem normal para os supermercados onde funcionam recolhas. Que nesses dias cresce proporcionalmente às dádivas feitas.
Há contribuições desses supermercados para o Banco Alimentar em função das vendas efectuadas para aquele fim?
Presumo que haja. Mas não sabemos nada (ou ando distraído?)sobre o assunto.
Grandes verdades, Suzana.
Peço desculpa por quebrar a unanimidade, mas gostava de apresentar uma visão algo alternativa.
Não creio que as duas atitudes de que fala sejam mutuamente exclusivas: é possível discordar-se de parte do "discurso" de Isabel Jonet, e ainda assim fazer o esforço (que é isso mesmo, para algumas pessoas, pelo menos por mim falo) de contribuir para o Banco Alimentar.
Repare, eu nunca vivi acima das minhas possibilidades, nem um bocadinho. Sempre olhei de lado para tudo que fosse crédito, especialmente o fácil. Sempre acreditei, mesmo quando tudo à minha volta me dizia que a minha atitude era de um tótó, que era preferível amealhar lentamente e, no fim, comprar, se pudesse. Etc, etc, para não tornar isto longo.
E por isso, dá-me um bocado de volta ao estômago quando ouço alguém generalizar e, por arrasto, incluir-me no grupo dos gastadores.
Não é por eu ter gasto acima das minhas possibilidades que agora tenho que apertar o cinto, garanto-lhe. Alguém "viveu" de facto acima das possibilidades, esbanjou dinheiro, entregou valor que era de todos a interesses no mínimo suspeitos, entre outras coisas.
Mas esta pessoalização da coisa, estas referências a comer menos bife, a racionar a água de lavar dentes ... isto soa-me, se calhar erradamente, admito, a querer distribuir as causas igualmente por todos. Todos pecadores, por isso agora todos temos que penar. Os descalabros gigantes tipo BPN a sorver milhões, os responsáveis basicamente incólumes, e eu é que sou culpado porque como muito bife e gasto muita água. Desculpem-me, mas isto comigo não passa.
Mas continuo, dentro das minhas parcas possibilidades, a contribuir para o Banco Alimentar.
Assim se prova que uma coisa é o que passa nas TV, nas rádios, nos jornais. Outra, felizmente bem diferente, é a que passa pela cabeça e pelo coração das pessoas.
Caro Zuricher, é isso mesmo, tratou-se de aproveitar um caso muito ilustrativo.
Caro Tonibler, aqui como em muitos outros casos, as torrentes mediáticas que explodem de um momento para o outro são muito mais ditadas pela sanha de destruir quem teve algum lustro e fez obra do que em corrigir erros ou ajudar a que se melhore.Acontece que, no caso concreto do BA, as pessoas já têm um juízo sólido sobre ele e conseguem activar o "filtro". Em muitos outros casos isso não acontece, e o dano não é menor.
Caro Rui Fonseca, não sei, mas, fora destas campanhas abertas "ao público" durante o resto do tempo são as empresas que alimentam a ideia, enviando os produtos que se distribuem regularmente e que são muito mais do que os que nos pedem nestes fins de semana, como legumes, frescos, carne, peixe,etc.
Caro AF, não está em causa concordar ou não com o que foi dito, ou rever-se ou não no que foi dito, o que dá que pensar é que, apenas por causa disso,se tenham agregado tantas energias para criticar e até pôr em causa a continuidade da acção de IJ. Mesmo não concordando de todo, seria assim tão importante, comparado com o gigantismo do que está feito e comprovado? Não seria mais razoável ter minimizado,ter antes salientado o valor e o mérito, em vez de nos fixarmos no pretexto para criticar? Entre nós o que se exige a quem já provou é que não falhe, nem pouco nem muito, que seja irrepreensível,no pensamento, na palavra e na acção, na imagem e no terreno,ao contrário da imensa tolerância que temos para com os idiotas, os presunçosos e os que nunca se comprometem com uma obra em concreto.
Felizmente, caro Zé Mário, neste caso foi possível fazer essa distinção.
Parabéns também à articulista. Subscrevo na íntegra.
Cara Suzana,
Associo-me, calorosamente, à expressão de apreço do seu Post para com o BA e sua Mentora! Mais um caso - e este bem eloquente - da distinção entre o País que (só)fala e o País que faz!
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