Vamos imaginar que há trinta anos um jovem padre confessor se tinha apaixonado por uma mulher que acompanhava na sua missão de padre. Vamos imaginar, simplificando a questão dos meandros amorosos e circunstâncias que levam à atracção entre duas pessoas, que ele a tinha tentado seduzir e que ela o tinha rejeitado. Trinta anos passados, sem que nunca mais se tivessem encontrado, essa mulher denunciava o episódio, que se tornaria público e podia causar dano à vida e carreira eclesiástica do antigo sedutor. Causaria supresa, por que motivo o faria? Despeito? Vingança? Um caso mal resolvido na cabeça dela, diriam muitos, não lhe perdoou, diriam outros, guardou rancor.
Imaginemos então o impacto noticioso dessa “denúncia”, daria escandaleira furiosa contra o pecador ou não passaria de uma inconfidência sobre um romance proibido e mal sucedido, como tantos que foram glosados em livros e filmes que emocionaram tanta gente? Exigiríamos a punição ou diríamos a propósito desse drama humano que os padres são como os outros humanos, que os impulsos sexuais existem e são difíceis de sublimar, daí a dimensão da exigência da castidade? Talvez até se tivesse reacendido a polémica do celibato na igreja católica.
Acontece que esta nossa comunicação social, tão pretensamente liberta das grilhetas convencionais dos sentimentos proibidos de há três décadas, divulgou uma história semelhante sobre um bispo português que, diz-se, há três décadas atrás, terá sido incapaz de conter os seus impulso amorosos em relação a outro jovem eclesiástico. Tudo é igual e, no entanto, tudo é apresentado como diferente. É a natureza homossexual do impulso que é servida de bandeja ao escândalo público, insidiosamente entrelaçada com invocações de casos de crime de pedofilia para justificar o alvoroço, a ânsia das “consequências” e as “investigações” sobre as penas que, de outro modo, seriam incompreensíveis e inaceitáveis.
Quando se trata de vender notícias, lá se vão os avanços civilizacionais num ápice e os preconceitos voltam em força, ainda que disfarçados pelas circunstâncias. Um escândalo, pelos vistos, vale muito mais que a coerência e a humanidade que devem inspirar as paixões humanas.
14 comentários:
A história não é essa nem é de há 30 anos. Supostamente a prática _repetida_ terá _começado_ há 30 anos. Mas eu não tenho qualquer informação adicional a não ser a que foi publicada.
Já agora, aqui fica um link: http://adevidacomedia.wordpress.com/2013/02/23/duas-ou-tres-coisas-sobre-uma-reportagem/
Foi o que li e ouvi, caro Tiago Fernandes, nada mais.
Devo esclarecer que não li a reportagem. A única informação relevante adicional que tenho é o facto de conhecer pessoalmente o queixoso e ter boa opinião dele. Estou seguro de que não faria uma queixa destas sem motivos muito fortes.
Compreendo, mas eu não pretendo pessoalizar nem tomar partido nenhum, acontece que a percepção que tenho do que tem sido noticiado foi a que escrevi aqui e o acumular de notícias e comentários não me defez esta percepção, bem pelo contrário. Se está certa ou errada, não faço ideia.
Cara Suzana Toscano, eu não tenho nenhuma opinião formada sobre o caso, nem tenho informação suficiente para a formar. Nem, aliás, me preocupo em vir a ter, pois acho que o assunto deve ser tratado nas instâncias competentes. Apenas quis sublinhar o facto de que o seu texto não usa todos os dados que já estão publicamente disponíveis: supostamente não se trata de um caso com 30 anos, mas que terá começado há 30 anos e que se repetiu, o que é algo bem diferente.
Tentar perceber e enquadrar numa figura jurídica, os "escândalos das igrejas" sejam eles de cariz sexual, religioso, financeiro, dogmático, especulativo, extursivo, etc. É como tentar enfiar a mão num ninho de vespas e esperar tira-la sem ser picado.
Contudo, não podemos demitir-nos desse desafio que é uma obrigação, caso vivamos em sociedade.
(o que não é o meu caso!)
Do que ouvi (nem sequer li!) não se tratava de um caso amoroso, tratava-se de assédio, coisa que era e é crime em qualquer circunstância. Seja o sujeito padre, maricas, etc....
Só de freiras é que não, caro Tonibler. Pelo simples facto de que não são conhecidos casos de assédio, de homosexualidade ou de abuso, entre as servas do senhor.
Não existem, ou então elas são muito mais observadoras dos votos de silêncio.
Apareceram agora umas vozes meio abafadas a sugerir casos de freiras que abusam física e psicológicamente de crianças.
Serão artimanhas dos padrecos, para não serem os únicos a ficar mal na fotografia de grupo?
Estou totalmente de acordo com o sentido do post. Não compreendo à luz dos "avanços” civilizacionais e constitucionais (como o casamento entre pessoas do mesmo sexo), que um pretenso jogo de assédio sexual entre dois homens adultos possa constituir notícia, a menos que se pretenda colar este ato a casos de pedofilia com o intuito de denegrir a instituição. Bem sei que o celibato imposto aos padres pode levar muito boa gente a pensar que estes são imunes a manifestações de cariz sexual, mas isso não é verdade. Quanto a mim, a Igreja, nesta e noutras matérias, tem vindo a mostrar sinais de tolerância, embora tarde a tomar a assunção da verdadeira natureza humana dos seus servidores; e assim sendo acho que o que se discute hoje como um "caso", amanhã não passará de uma palermice...
a condição humana engloba todos os seres.
o que acho estranho é a ocasião 'cirúrgica' para divulgar um possivel ou mais factos.
30 de assédio é 'desmasiado' mesmo com um deles a 3 mil km de distância.
não sou crente e estas merdas anti Vaticano são para mim humor negro
Pois é, caro Bartolomeu. Não serão as "originalidades" da igreja católica um caminho óbvio para comportamentos desviantes? Eu sempre evitei que os meus filhos tivessem contactos com membro do clero, sempre achei que fazer-se parte do clero não era, por si só, saudável. Podemos admirar a força de vontade, como fazemos com grevistas de fome ou ultra-maratonistas, mas a verdade é que não é bom para a pessoa, seja porque perspectiva for. E o meu ponto de vista não vai mudar, ser padre é mau, no mínimo para o próprio e tudo o que ultrapasse o mínimo vai dar em tragédia. E em nome de quê?
Pois Tonibler... na última interrogação é que reside o cerne da questão.
Em nome de quê, ou de quem.
A resposta mais obvia, dado os princípios do Cristianismo, seria: em nome da humanidade e da sua evolução, comunitáriamente saudável e respeitável.
E tudo isto, que é imenso, seria possível, se não entrassem no conjunto, dados que corrompem as boas intenções; o dinheiro, a influência, o poder.
Concordo consigo, Tonibler, devemos proteger os nossos filhos do contacto com a igreja, sem deixarmos que desconheçam os caminhos da fé, do humanismo, da solideriedade e do respeito pelo outro. Sem deixarmos que desconheçam o sentimento de dor, de sofrimento e de perda e sem deixarmos de os incentivar a combatê-lo com toda a força do seu querer, da sua crença e do poder da solideriedade.
Depois, é só deixa-los crescer.
Cara Suzana:
Como o jotaC, plenamente de acordo com o sentido do seu post.
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