As recentes declarações de Paulo Morais à revista Visão (não há link, mas como alternativa consulte-se uma síntese aqui) são pretexto para mais este post sobre política autárquica. Esclareça-se, antes de mais, que tenho uma profunda admiração e uma já antiga relação de amizade com Paulo Morais, ainda que não fale com ele vai para três anos.
Paulo Morais ao afirmar que “existe uma preocupante promiscuidade entre diversas forças políticas, dirigentes partidários, famosos escritórios de advogados e certos grupos empresariais” não está a revelar-nos nada de novo. Todos sabemos que, infelizmente, assim acontece. O problema está em saber em que se traduz essa promiscuidade: benefícios ilícitos? Ilegalidades? Delapidação do património público? Corrupção? Financiamento e branqueamento de capitais?
Paulo Morais não pode acusar na generalidade e remeter para as suas memórias a identidade dos referidos casos. São perfeitamente compreensíveis as reacções de Fernando Ruas (se conhece essas situações que as denuncie a quem de direito) ou mesmo de João Teixeira Lopes solicitando intervenção do PGR.
Mas o que se deduz das declarações de Paulo Morais é bem mais importante: na Câmara do Porto, com em tantas outras por esse país fora, a decisão política tem um elevado poder discricionário de aprovar ou não projectos imobiliários. Eu não creio que possa competir a um vereador com o pelouro do urbanismo a capacidade de aprovar ou não um projecto só porque é um “mamarracho”, porque se acha agradável a arquitectura, ou porque entende que deveria ter mais um piso ou menos dois. Das duas uma: ou o vereador está a exorbitar a sua competência ou o sistema de planeamento e gestão urbanística não funciona (ou funciona mal), deixando à decisão política a margem de intervenção discricionária que não deveria existir.
Quem tem conhecimento e experiência autárquica sabe que a qualidade desse sistema de planeamento e gestão urbanística está na relação inversa do risco de discricionariedade e este na relação directa com o poder de conceder favores.
Dos oito anos que passei numa autarquia retenho uma frase de um grande urbanizador que reagiu assim às críticas que eu dirigia sobre alguns projectos imobiliários: “Senhor Professor, nós só fazemos o que a lei e os senhores nos deixam fazer”. Se a “lei” é fraca e os “senhores” também, é natural que surjam denúncias como a de Paulo Morais.
15 comentários:
Caro djustino:
V. foi ministro da Educação. Não! Não é para o atazanar com isso que venho ao assunto.
É para colocar aqui um comentário que já vem de outro sítio:
"Já lá diziam no tempo da monarquia de há quinhentos anos:
"Um fraco Rei faz fraca a forte gente. "
Quem o disse?!
Camões, nos Lusíadas.
Actualmente, em Portugal, os Lusíadas foram substituídos pelos programas do douto Moniz da TVI... "
E, já agora, lembrar o Canto III dos Lusíadas que compendia a nossa História.
Lusíadas????...O que é isso?...Uma cerveja?... :)
Como sabe, temível virus, o Cavaco Silva que agora mesmo acabei de ver e ouvir na TV, até sabia de cor o número de cantos.
E sabia distinguir com a precisão e rigor de uma equação de segundo grau, o autor Thomas Mann do outro Thomas, o Morus!
É por causa destas( no caso destes) e doutras( também as há) que estamos como estamos: num atoleiro cultural.
E agora mesmo ouço um tal Branquinho e um tal F. Ruas que me fazem desligar a tv e ir jantar.
Espero não me lembrar, para não ter acesso de azia com tanto cinismo.
E há mais um ponto que me faz confusão: A possibilidade dos autarcas aprovarem ou não os projectos em troca de contrapartidas (uma rua, uma escola, un centro de sáude, etc...)
Os Grandes autarcas são os que conseguem negociar melhor...
Ora se quem quer construir paga os impostos e taxas devidas e definidas na lei não faz qualquer sentido que tenha que ser extorquido.
Desta negociação facilmente se passa a outras e a aprovação ou não deixa de depender da legalidade e da apreciação técnica para passar a depender apenas das contrapartidas (das várias contrapartidas)
Tenho uma pergunta pertinente, porque é que se adquiriu o estranho hábito de traduzir, para Português, o nome das pessoas? Ainda por cima, traduz-se pela metade.
Quer dizer... ficarmo-nos pelo "Thomas More" ainda vai que não vai, agora "Thomas Morus"?!? Ao menos que se traduza e lhe chamem "Tomás Morus" ou assim. Já imaginaram se de repente desatasse tudo a traduzir o nome do "George Bush"? Chamávamos-lhe o quê? "Jorge Arbusto"? Seria terrível.
Caro Anthrax( safa!):
Thomas Morus é a forma latina do nome. Só isso. Não é tradução.
E no final do séc.XV era assim que se escrevia, mesmo na velha Albion...ou não?!
Seja como for, a questão não é essa.
E a essa V. fugiu como se tivesse...anthrax. Cumprimentos.
Caro djustino:
Não é preciso nenhum técnico, por muito competente que seja, para dar conta do que aqui é essencial: a HONESTIDADE!
Será um valor possível, no actual estado da sociedade que temos e com os salários que temos e os filhos que temos e as casas que temos para pagar e os carritos que apetecem?!
Este problema parece-me muito, muito simples que equacionar.
Será que alguém ainda acredita a cem por cento neste valor tão simples e fundamental ou estará o mesmoo já relativizado?
Não sei bem se subscreverei o dito de Cícero, porque não tenho qualquer responsabilidade no epigrafado.
A minha inteira responsabilidade, encontra-se antes, por AQUI
E lá escrevi: "albergue de desabafos e diletâncias, da responsabilidade de jmvc@sapo.pt"
Aí, sim. Está desactualizado, mas em breve receberá o alento de uma comparaçáo de um texto de 1971 e outro de 2005 sobre o mesmo assunto: Teilhard de Chardin.
Não é por pedantice. Nada disso. É para tentar demonstrar a certos indivíduos que antes de 25 de Abril de 1974 se escrevia melhor nos jornais populares do que hoje nos de referência.
Alguma coisa aconteceu entretanto, e sei que o caro djustino sabe o que foi- porque já o disse uma altura em Viana do Castelo no Governo Civil-e eu ouvi e gostei. É por isso, aliás, que venho aqui comentar. Ainda haverá pessoas que sabem. Outras nem imaginam, acho eu e esse será o drama maior.
Caro José,
Eu NUNCA fujo...
... às vezes faço retiradas estratégicas.
Tirando isso, forma latina ou não, acho mal por uma razão muito simples; porque num só discurso quando se utiliza as duas versões do nome do senhor, a maior parte das pessoas fica a pensar que se tratam de 2 autores diferentes (de qualquer forma, este não foi o seu caso por isso não é grave).
Mau mesmo, é que graças a uma péssima intrepretação fonética por parte dos Professores, quando nos apercebemos está tudo a falar de um autor irlandês do século XVIII (Thomas Moore), em vez de estarem a falar de um autor inglês do século XV (Sir Thomas More - Note-se que o homem até é nobre).
Caro José, o atoleiro cultural é bem pior do que se possa pensar e começa por aqueles cujo dever é ensinar e educar (que vai desde a familia, passando pelo sistema de ensino que começa no pré-escolar e acaba no superior superior). Por isso, quando fica tudo escandalizado e surpreendido porque alguém anúnciou, publicamente, que havia negociatas ilícitas nas Câmara Municipais, eu acho hilariante.
Esta foi a sociedade que construíram no pós-25 do A. Estavam à espera do quê?
Depois desta caro Anthrax só me resta acrescentar:
Então não dizem mais nada?...
Regresso de umas curtas férias e deparo com interessantes pontos de discussão, ainda que a pretexto de lamentáveis sucessos.
Porque o David Justino acima me desafiou para um tema que me é particularmente caro (embora muito dificil de tratar no espaço de um comentário, ainda para mais sem entrar em pormenores de natureza tecnico-juridica que aqui sempre seriam maçadores), atrevo-me a meter a colher.
Antes, uma nota de concordância com a ideia expressa de que a qualidade do nosso sistema político-administrativo, aos mais variados níveis - central, descentralizado e desconcentrado - colhe hoje da educação que tivémos. Não estou tão certo que o estado cultural do País se deva à educação do pós-25 de Abril. Erros no processo de ensino-aprendizagem houve-os desde sempre. E há que não esquecer que com o 25 de Abril ao menos se acabou com o vergonhoso atraso educativo que nos manteve durante muito tempo no topo dos países com mais pessoas que não sabiam ler nem escrever.
Quanto à questão pertinente colocada pelo Reformista e já comentada pelo David Justino, queria somente acrescentar o seguinte (sem embargo de voltar ao tema um dia destes). As "contrapartidas" de direitos urbanisticos reconhecidos a particulares não são um poder discricionário, e muito menos arbitrário das autarquias e dos autarcas. São uma imposição legal. É a lei que exige - e muito bem - que quem obtem uma mais-valia por via do licenciamento ou autorização de lotear ou construir, deva contribuir para o investimento em equipamentos tornados necessários pelo incremento da população residente. É um princípio que existe no nosso ordenamento como existe nos ordenamentos jurídicos dos paises com tradição jurídico-urbanística próxima da nossa.
Mas onde o Caro Reformista pretende chegar corresponde a outra face da questão, que é a tendência da concessão de direitos de construção "em excesso" como compensação pelas tais contrapartidas financeiras ou em espécie correspondentes à entrega ao município do centro de dia, da estrada, do viaduto, da creche...
Três observações, duas a sublinhar o que já foi atrás dito.
A primeira regra que deve imperar nos processos que visam estabelecer as tais contrapartidas (que, repete-se, a lei não proibe, até incentiva e a meu ver muito bem) é a da honestidade. Se existir honestidade por parte de quem reclama por direitos que a lei concede e se a houver da parte de quem na Administração tem o poder/dever de os reconhecer, não existirão abusos naquilo que de discricionário tem o processo de licenciamento ou de autorização. Se não houver honestidade e rectidão, neste como noutros domínios, só é de esperar que o sistema funcione no plano da vigilância e punição desses comportamentos.
Segundo sublinhado a algo que o David Justino, com o concurso da sua experiência de autarca, acima referiu: a importância do planeamento urbanístico. Melhor, do BOM planeamento urbanístico. Se os PDM definirem com realismo estratégias de uso e ocupação do solo municipal, fixando com clareza técnica (e justificando) onde se podem e onde se não podem assentar as diferentes actividades (não somente urbanas); se os Planos de Urbanização estabelecrem com rigor limites (físicos) à urbanização, os zonamentos, os corredores de infra-estruturas, as localização de equipamentos; se os Planos de Pormenor concretizarem tudo isto à escala do desenho urbano, e depois estes instrumentos servirem de efectivo enquadramento, as negociações de contrapartidas limitar-se-ão áquilo que tem a prévia marca do interesse público. Resultarão de um processo objectivo de distribuição da mais valia também pela comunidade, segundo o princípio da equidade entre os diferentes proprietários.
Última nota, que obrigaria a muito maior desenvolvimento. Por mim, prefiro uma administração pública baseada no princípio da negociação controlada e balizada em princípios e regras bem definidas, e sindicada eficazmente designadamente pelos tribunais, do que Estado e Autarquias dotadas de poder pretoriano, impondo o que é a concepção tantas vezes pessoal e subjectiva do interesse público. Este tipo de negociações, ao contrário do que muitas vezes já ouvi dizer, são transparentes, o seu resultado é público e obrigam à intervenção co-constitutiva de muitas dezenas de pessoas com responsabiidades decisórias, desde logo os membros do executivo camarário e quase sempre das assembleias municipais. É de esperar que este controlo democrático funcione, e para lá da demagogia barata de uns tantos que se ilustram a tudo criticar - as mais das vezes funciona.
Por isso, meu Caro Reformista, as questões que foram levantadas na entrevista do vereador da CMPorto que não tive oportunidade de ler, não passam, julgo eu, por aqui.
Uma das grandes revoluções do nosso ordenamento jurídico, por poucos notada, aconteceu no dia em que a lei obrigou a fazer preceder o processo autoritário de expropriação de uma fase obrigatória de negociação com o expropriado. Muitos dos verdadeiros esbulhos do passado acabaram.
Continuo a pensar como Michel Rocard, um dos mais ilustres socialistas franceses dos anos setenta e oitenta do século passado, que sobre estas matérias já então vaticinava, num artigo intitulado "Um futuro negociado" (in Droit Social, 1, 1988, p. 131), que "a arte de governar pela qual doravante se reconhecerá um governo de progresso, caracterizar-se-á por três princípios: concertação, negociação, contrato".
Voltarei ao tema.
Caro JM,
Pois eu sou bastante Aristotélico nestas coisas e acredito mesmo que um dos pilares de sustentação de um Estado, é a Educação. Mais, tem razão no que diz a propósito de termos conseguido acabar com os números negros da população iletrada, mas como também deve saber a Educação não se resume a pôr as pessoas a ler e a escrever, caso contrário não haveriam os analfabetos funcionais.
Bom, agora não posso escrever mais porque vou sair, mas bem podem acreditar que vou voltar à carga.
Caro Anthrax, estou longe de discordar do que escreveu. Bem pelo contrário. Apenas observei que não me parece que os problemas da educação tenham surgido com o 25 de Abril.
Se existe nexo de causalidade entre a educação e a liderança política, então há-de convir que muitos dos dirigentes políticos que "conformaram" o sistema político-administrativo do pós-25 de Abril, são afinal produtos educativos do ensino anterior à revolução...
Sei bem que o analfabetismo não se reconduz aos domínios da leitura e da escrita. Repare, contudo, que tive o cuidado de, no comentário supra, evitar a palavra. Limitei-me à evidência, lembrando que ao menos a revolução de 1974 terminou com uma vergonhosa situação, sem naturalmente ignorar outros níveis de iletracia.
Bom... okay... essa é uma boa perspectiva.
No entanto, se procurarmos mais nexos de causalidade, vamos encontrar muitos 'meninos' & 'meninas' incompetentes que são produtos do pós-25 do A. e é isso que me aflige, porque os outros mais cedo ou mais tarde vão desaparecer. E isto, quando aplicado à governação (Nacional/Regional/Local) é,na minha perspectiva, dramático. Foi isto, que inquinou tanto to PSD como o PP (que de momento quase que nem entra nas estatísticas), nestes últimos anos de governação. Equipas jovens e dinâmicas, é uma coisa. Equipas irresponsáveis e incompetentes, é outra.
Eu não estou minimamente preocupado com o "antes de...", isso é passado, já foi. Eu estou preocupado é com o futuro. Porque remendos provisórios e gestão a curto prazo, é um trabalho medíocre que não deixa ninguém na história.
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