Esta história não é curta, mas parece-me interessante.
Ouvi ontem, mais uma vez, o António Tremoço, representante da Comissão de Trabalhadores da Bombardier, ex-Sorefame, a falar num telejornal sobre a luta dos trabalhadores da empresa.
Conheci-o em 1983, quando fui eleito para os órgãos Sociais da empresa.
Já, nessa altura, o Tremoço era, full-time, sindicalista e o porta-voz dos trabalhadores da empresa afectos à Intersindical.
A Sorefame passava nesse tempo por muitas dificuldades: era uma empresa majestática que mantinha, numa conjuntura muito diferente, os mesmos 4.200 de trabalhadores que tinha à data do 25 de Abril.
A empresa não se adaptara desde os tempos em que tinha construído os equipamentos para 4 das maiores barragens do mundo, fazendo por esquecer que o endividamento de África e da América Latina tinham feito cessar os financiamentos para as grandes infraestruturas hidroeléctricas.
Tinham também acabado os investimentos em Angola e Moçambique e o tempo em Portugal era de restrições: não havia novas encomendas da EDP, nem da CP, nem do Metro e os pagamentos pelos trabalhos em curso eram efectuados com enorme atraso!...
A empresa começou a reestruturar-se e aí aprendi que havia pelo menos 17 maneiras de fazer sair trabalhadores por métodos pacíficos, isto é, sem despedimentos, e da sua aplicação resultou terem saído da empresa cerca de 1000 trabalhadores.
Durante algum tempo não se conseguiu pagar os salários na totalidade, no fim de cada mês, recuperando-se o atraso no mês seguinte.
Estas coisas eram acertadas com a Comissão de Trabalhadores, onde pontificava o nosso amigo Tremoço.
Num belo dia, um grupo de três “velhos” trabalhadores dirigiu-se ao meu Gabinete, pedindo para serem recebidos, com o fim de falarem sobre a possibilidade de, nesse mês, receberem a totalidade do vencimento, devido a razões inadiáveis da sua vida privada.
Na dúvida sobre se falariam verdade e sobre se se justificaria uma perigosa excepção, falei com um Administrador, o Eng. Justo, que sempre foi quadro da empresa, era muito competente e respeitado e conhecia todos os trabalhadores.
Tendo-me referido, quando viu as pessoas, que eram “boa gente” e que não viriam à Administração se não estivessem em estado de necessidade, autorizei o adiantamento, pedindo-lhes que se dirigissem, de imediato e directamente, de forma discreta, à Direcção de Pessoal.
Porventura por não terem compreendido bem, dirigiram-se ao guichet normal de recebimento dos salários, que dava directamente para a parada, ao longo do qual se alinhavam as fábricas de material circulante e dos equipamentos hidroeléctricos.
Passado algum tempo, olhei pela janela para o exterior e vi uma pequena fila formada junto aos guichets, onde estavam os trabalhadores que tinham saído do meu gabinete.
Estranhei um pouco, mas continuei a trabalhar.
Passado algum tempo, olhei de novo, e a fila estava já enorme!
Pressenti, então, o pior.
É que os trabalhadores terão pensado que fora antecipado o dia de pagamento e o pior seria a reacção dos mesmos, quando vissem que só os primeiros três receberiam, e logo o ordenado por inteiro!
Como o dinheiro, obviamente, não chegava, seria sequestro garantido!...
Falei com o Eng.Justo e resolvi, em desespero de causa, falar ao Tremoço.
-Então, Tremoço, não combinámos já como é que os salários iriam ser pagos este mês e a data, daqui a dois dias?
-Combinámos, sim, e não me diga que vai haver alterações. Convoco já um plenário e os trabalhadores irão reagir!…
-Não, tenha calma!...Nada se vai alterar!... Mas você anda-me sempre a dizer que representa os trabalhadores, e afinal não controla minimamente nada!...
-Ora essa!...Não pode dizer isso!...
-Não posso? Então não combinámos que os pagamentos seriam daqui a dois dias e os trabalhadores já estão a formar uma bicha enorme junto ao guichet? Vão dormir lá?
-Não me diga, que nós até fizemos um comunicado!...
-Pois, vá verificar!...
Esperei a ver o que isto dava!...
Passados uns minutos, vejo, pela janela, dois ou três elementos da Comissão de Trabalhadores a fazerem o ponto da situação.
Avaliada a mesma, regressaram à “sede”…
Passados mais uns cinco minutos, avança o Tremoço, de megafone em punho, e passa um correctivo imenso aos trabalhadores na bicha: não tinham confiança na Comissão, desagregavam o colectivo, desprestigiavam a Comissão junto da Administração, punham-no em cheque…etc. etc.
Um após outro, lentamente, algo contrafeitos, mas sob o olhar atento e vigilante do António Tremoço, os trabalhadores foram abandonando a fila…só tendo permanecido os três primeiros!...
Estava há pouco tempo na empresa, mas o episodio deu-me para ver a real influência, e até controle, da Intersindical sobre os seus trabalhadores e pôs-me a pensar no modo como lidar com esse desafio na gestão da empresa.
Ironicamente, tendo ficado sequestrado várias vezes, por acção da Comissão onde pontificava o António Tremoço, dessa vez ele livrou-me de mais um!...
Apesar de tudo, mantivemos sempre um diálogo difícil, mas profícuo, dadas as circunstâncias.
Quando, em 1985, me despedi da Sorefame, ele disse-me: Creia que nunca tivemos nada com o Dr.Pinho Cardão, que até apreciávamos bastante. As nossas disputas eram apenas com o Administrador!...
Ouvi ontem, mais uma vez, o António Tremoço, representante da Comissão de Trabalhadores da Bombardier, ex-Sorefame, a falar num telejornal sobre a luta dos trabalhadores da empresa.
Conheci-o em 1983, quando fui eleito para os órgãos Sociais da empresa.
Já, nessa altura, o Tremoço era, full-time, sindicalista e o porta-voz dos trabalhadores da empresa afectos à Intersindical.
A Sorefame passava nesse tempo por muitas dificuldades: era uma empresa majestática que mantinha, numa conjuntura muito diferente, os mesmos 4.200 de trabalhadores que tinha à data do 25 de Abril.
A empresa não se adaptara desde os tempos em que tinha construído os equipamentos para 4 das maiores barragens do mundo, fazendo por esquecer que o endividamento de África e da América Latina tinham feito cessar os financiamentos para as grandes infraestruturas hidroeléctricas.
Tinham também acabado os investimentos em Angola e Moçambique e o tempo em Portugal era de restrições: não havia novas encomendas da EDP, nem da CP, nem do Metro e os pagamentos pelos trabalhos em curso eram efectuados com enorme atraso!...
A empresa começou a reestruturar-se e aí aprendi que havia pelo menos 17 maneiras de fazer sair trabalhadores por métodos pacíficos, isto é, sem despedimentos, e da sua aplicação resultou terem saído da empresa cerca de 1000 trabalhadores.
Durante algum tempo não se conseguiu pagar os salários na totalidade, no fim de cada mês, recuperando-se o atraso no mês seguinte.
Estas coisas eram acertadas com a Comissão de Trabalhadores, onde pontificava o nosso amigo Tremoço.
Num belo dia, um grupo de três “velhos” trabalhadores dirigiu-se ao meu Gabinete, pedindo para serem recebidos, com o fim de falarem sobre a possibilidade de, nesse mês, receberem a totalidade do vencimento, devido a razões inadiáveis da sua vida privada.
Na dúvida sobre se falariam verdade e sobre se se justificaria uma perigosa excepção, falei com um Administrador, o Eng. Justo, que sempre foi quadro da empresa, era muito competente e respeitado e conhecia todos os trabalhadores.
Tendo-me referido, quando viu as pessoas, que eram “boa gente” e que não viriam à Administração se não estivessem em estado de necessidade, autorizei o adiantamento, pedindo-lhes que se dirigissem, de imediato e directamente, de forma discreta, à Direcção de Pessoal.
Porventura por não terem compreendido bem, dirigiram-se ao guichet normal de recebimento dos salários, que dava directamente para a parada, ao longo do qual se alinhavam as fábricas de material circulante e dos equipamentos hidroeléctricos.
Passado algum tempo, olhei pela janela para o exterior e vi uma pequena fila formada junto aos guichets, onde estavam os trabalhadores que tinham saído do meu gabinete.
Estranhei um pouco, mas continuei a trabalhar.
Passado algum tempo, olhei de novo, e a fila estava já enorme!
Pressenti, então, o pior.
É que os trabalhadores terão pensado que fora antecipado o dia de pagamento e o pior seria a reacção dos mesmos, quando vissem que só os primeiros três receberiam, e logo o ordenado por inteiro!
Como o dinheiro, obviamente, não chegava, seria sequestro garantido!...
Falei com o Eng.Justo e resolvi, em desespero de causa, falar ao Tremoço.
-Então, Tremoço, não combinámos já como é que os salários iriam ser pagos este mês e a data, daqui a dois dias?
-Combinámos, sim, e não me diga que vai haver alterações. Convoco já um plenário e os trabalhadores irão reagir!…
-Não, tenha calma!...Nada se vai alterar!... Mas você anda-me sempre a dizer que representa os trabalhadores, e afinal não controla minimamente nada!...
-Ora essa!...Não pode dizer isso!...
-Não posso? Então não combinámos que os pagamentos seriam daqui a dois dias e os trabalhadores já estão a formar uma bicha enorme junto ao guichet? Vão dormir lá?
-Não me diga, que nós até fizemos um comunicado!...
-Pois, vá verificar!...
Esperei a ver o que isto dava!...
Passados uns minutos, vejo, pela janela, dois ou três elementos da Comissão de Trabalhadores a fazerem o ponto da situação.
Avaliada a mesma, regressaram à “sede”…
Passados mais uns cinco minutos, avança o Tremoço, de megafone em punho, e passa um correctivo imenso aos trabalhadores na bicha: não tinham confiança na Comissão, desagregavam o colectivo, desprestigiavam a Comissão junto da Administração, punham-no em cheque…etc. etc.
Um após outro, lentamente, algo contrafeitos, mas sob o olhar atento e vigilante do António Tremoço, os trabalhadores foram abandonando a fila…só tendo permanecido os três primeiros!...
Estava há pouco tempo na empresa, mas o episodio deu-me para ver a real influência, e até controle, da Intersindical sobre os seus trabalhadores e pôs-me a pensar no modo como lidar com esse desafio na gestão da empresa.
Ironicamente, tendo ficado sequestrado várias vezes, por acção da Comissão onde pontificava o António Tremoço, dessa vez ele livrou-me de mais um!...
Apesar de tudo, mantivemos sempre um diálogo difícil, mas profícuo, dadas as circunstâncias.
Quando, em 1985, me despedi da Sorefame, ele disse-me: Creia que nunca tivemos nada com o Dr.Pinho Cardão, que até apreciávamos bastante. As nossas disputas eram apenas com o Administrador!...
Sem a fibra e capacidade de luta do António Tremoço, provavelmente já a ex-Bombardier teria acabado!...
Encontrámo-nos, casualmente, há dias e, com um abraço, rememorámos esta e muitas cenas passadas!...
Encontrámo-nos, casualmente, há dias e, com um abraço, rememorámos esta e muitas cenas passadas!...
7 comentários:
São homens como este que fazem os trabalhadores acreditarem no dia de amanha melhor... Homens de fibra...
Tremoço. O homem tem o apelido de Tremoço... Deve ser alentejano.
Bela história, Pinho Cardão, as pessoas sérias reconhecem-se em todo o lado e não são as diferenças ideológicas ou os lugares que ocupam que os impede de se entenderem.
Estava literalmente a «afiar a faca», mas o desfecho da história foi surpreendente. Boa.
Conclui-se que o sindicalismo pode ser exercido de forma séria, e onde se prova também que existem 17 formas de consenso nestas situações. Mas infelizmente a 18ª é a regra nos dias de hoje.
O António Tremoço nunca se «vendeu» às administrações que passaram pela ex-SOREFAME e quando hoje se fala tanto de "FLEXIBILIDADE" dos trabalhadores para com as empresas para que estas disponham a seu belo prazer regular o horário de trabalho e assim promoverem cada vez mais a exploração dos trabalhadores. Ele, António Tremoço, tomou na devida altura uma posição inflexível porque a sua razão falou mais alto. São assim os Homens de Grande Caráter!. António, um abraço.
O António Tremoço nunca se «vendeu» às administrações que passaram pela ex-Sorefame e Sempre se bateu contra o seu encerramento ao lado dos trabalhadores que lutaram contra as malfeitorias dos des-Governos deste País. António Carvalho - Amadora
Permitam-me que divulgue o Blog "O CASTENDO" de António Vilarigues. O se pai Sérgio Vilarigues e sua mãe Maria Alda Nogueira passaram pelas prisões fascistas da ditadura de Salazar e Caetano lutando por um Portugal livre da tirania.
Saudações democráticas
António Carvalho
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