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quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Dois séculos após o nascimento de Darwin

O frio intenso de um final de tarde de Inverno, que gelava os ossos ao ponto de sentir dores, não me impediu de pensar que a minha “forma de pensar” era o fruto do “pensar de outros”, que revolucionaram o mundo ao deslocarem as nossas mundividências cá para baixo, para um plano mais terrestre. Aguardava o momento de assistir a uma conferência sobre Darwin.
Entrei numa pequena sala. Após breve conversa com a conferencista, historiadora e filósofa, uma amiga de longa data que já não via há algum tempo, sentei-me ao lado dos restantes seis ouvintes.
- Bom, vou falar de Darwin, ou melhor de Sir Darwin. Sir?! Penso que não era Sir, os sobrinhos e neto é que chegaram a ser, mas ele não! Exclamou, perscrutando o meu olhar, o que me obrigou, dada a informalidade em que nos encontrávamos a afirmar – Pois não! Nem podia ter sido. – Não? Porquê? - Então! As suas descobertas e escritos foram de tal modo revolucionários que abalaram a sociedade. E queria que ainda lhe atribuíssem o título de Sir!
Após esta informalidade, a estudiosa fez a sua intervenção, finda a qual houve um debate.
Concluiu-se que “há vários Darwins”, dependendo da esfera em que nos movimentamos e da forma como utilizamos o seu pensar e escritos. O mundo do Fixismo foi abalado com a sua teoria que designou de “Descendência com modificações por selecção natural”. É curioso o facto de nunca ter utilizado a palavra evolução. Não quis ofender os seguidores do Fixismo e das teorias catastrofistas.
O seu percurso académico - frequentou medicina e teve formação teológica -, aliado a leituras, dentro das quais se destaca Malthus, que muito provavelmente terá desencadeado o clique do “struggle for life,” utilizado nas suas análises, à viagem no Beagle e a longuíssima reflexão antes da publicação da obra, revelam que estamos perante um homem que é um verdadeiro “modelo de espírito científico”. Para Darwin o que contava eram factos, factos, factos, argumentos, argumentos, argumentos e nada de especulação.
As suas preocupações, que já tinham sido alvo de atenção por parte de mais de uma larga centena de investigadores que o precederam, materializaram-se numa forma nova de ver e de estar no mundo. A sua visão, estudo e interpretação dos factos, possibilitou o nascimento de uma nova lógica da vida, permitindo pensar que “o mundo actual é apenas um dentre muitos outros possíveis ou mesmo a sua não existência”.
Darwin, ou melhor, a sua teoria, continua a ser objecto de contestação, tal como há duzentos anos, agora nas vertentes modernas, apesar da evolução da ciência - nascimento e desenvolvimento da genética e da biologia molecular -, não a por em causa, antes pelo contrário. O seu pensamento e filosofia transformaram-se em Zeitgeist, espírito do tempo ou espírito de época, que continua nos nossos dias. Nasceu no século XIX, passou pelo século XX, entrou no século XXI e irá continuar nos séculos seguintes. Nada do que veio depois pôs em causa a essência do pensamento darwiniano.
É lamentável que os detractores de um homem pacífico, burguês, inimigo da escravatura, chegassem a conotá-lo com os genocídios verificados durante a II Grande Guerra. Darwin não ficaria nada satisfeito que invocassem a “evolução” para justificar os crimes. Estamos perante aquilo a que se pode chamar de “crime hermenêutico” ao colocarem “na boca de Darwin palavras que nunca disse”.
Quando saí da conferência, o ar estava ainda mais gelado do que quando entrei, mas o facto de pensar em Darwin e no que ele representa para a Humanidade fez com que não sentisse dores nos ossos…

1 comentário:

Bartolomeu disse...

Encontrei este vídeo no Youtube, que ilustra aquilo que o caro Professor Massano Cardoso relata no seu post.
http://www.youtube.com/watch?v=UcXCJkwH8kE&feature=related