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quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

O dedo mindinho

Cortar um dedo em frente de uma juíza como forma de protesto por se sentir injustiçado é de arrepiar. Foi o que me aconteceu quando soube do ocorrido. Não concordo com estas práticas, nem tão pouco posso aceitar o argumento do senhor ao afirmar que o dedo não lhe faz falta nenhuma. Foi o indicador. Quero dizer que todos os dedos das nossas mãos são preciosos, mesmo o dedo mindinho, que alguns julgam não servir para grande coisa. É certo que em determinadas circunstâncias é usado de forma mais ou menos excêntrica; as senhoras esticam–no ostensivamente ao pegarem nas chávenas de chá nas suas tertúlias, o mesmo se passa com a rapaziada da pesada, que, nas tabernas, ao beberem os copos de meio quartilho, não deixam de o entesar ao máximo, como forma de aviso: - desculpem, não me interrompem, porque estou a beber a minha zurrapa favorita! Outros, ataviam-no de típicos anéis sinetes, símbolos da nobreza, ou de espampanantes gemas “religiosas”. É pequeno, está sem protecção lateral, não possui a robustez do polegar ou a capacidade deste para se esconder na palma da mão, é o cepo das marradas - não há dedo que se parta mais -, mas, mesmo assim, conjuntamente com o anelar, são os principais responsáveis pela força da mão. Que o digam os que o perderam. Não é um dedo acessório, é muito importante e as suas funções não se limitam à “socialite” ou à “força”, mas também chega a ter outras aplicações. Por exemplo: a minha avó usava-o para ver se as galinhas tinham ovo. Com uma das mãos agarrava nas asas dos animais e com o dedo mindinho da outra enfiava-o na cloaca. As galinhas cacarejavam que nem umas doidas. Imagino o que aconteceria se utilizasse um outro dedo daquelas mãos fortes e grossas! O meu avô também tinha uma utilidade para ele, diferente de tudo quanto já disse, mas, mesmo assim, não menos importante.
Recordo-me com alguma nostalgia algumas das suas frases, entre as quais destaco a seguinte: - Anda cá, seu safardana, preciso de falar contigo! - Oh! Oh! O que é que eu terei feito desta vez? Era o que pensava sempre que o meu avô falava daquela maneira, pondo um ar sério, quase que diria intimidatório. - Eu?! Eu não fiz nada. - Ai não? Então quem é que andou a mexer nos envelopes e a cortar os selos? - ???!!! Não sei! - Não sabes? Pois olha para este dedo. E, ao mesmo tempo, mostrava-me todo empertigado o dedo mindinho da mão direita. - Este dedo diz-me que foste tu e olha que nunca se engana! Quando dizia isto ficava deslumbrado com o facto de o meu avô ter um dedo que adivinhava. Olhava para o meu e sentia alguma tristeza, porque não era capaz de adivinhar nada.
As asneiras eram mais do que muitas e as vezes que me interpelava não lhe ficavam atrás: - Anda cá, seu safardana, preciso de falar contigo!
Um dia, ao ultrapassar o constrangimento de mais uma mentira - começava a ficar malhadiço -, perguntei-lhe: - Oh avô, por que é que tens um dedo, o mindinho da mão direita, que é capaz de adivinhar as coisas e o meu não? - Olha meu sacaninha de uma figa, o teu dedo só começa a adivinhar as coisas quando deixares de ser um mentiroso e portares-te como deve ser e não andares a fazer disparates pela casa toda. - Ah! Em seguida tentei fazer todos os possíveis para comportar-me bem durante alguns dias, quatro ou cinco, findo os quais fui ter com ele, reclamando que ainda não conseguia adivinhar. E não tinha feito disparates. - Olhou-me de alto a baixo, ou melhor, de baixo para baixinho e, coçando o seu estimado bigode, provavelmente para esconder um sorriso de surpresa, disse que era ainda muito cedo. - Estas coisas demoram muito. - Muito? Quanto? - Olha é como uma semente que se lança à terra e que lentamente vai originando uma árvore. São precisos muitos anos para ser uma árvore adulta. - Tu gostas de pinhões, não gostas? - Gosto muito. E os pinhões dão? - Pinheiros. - Pois é! O teu dedo mindinho da mão direita para aprender a adivinhar é como um pinhãozito, só quando for um pinheiro capaz de dar muitas pinhas carregadas de pinhões é que consegue adivinhar. - Ih! Então vai demorar muito tempo! - Não vai, não! O meu dedo mindinho diz-me que não. O tempo passa depressa, vais ver, e depois já poderás fazer uso dele como eu faço. Ao mesmo tempo que dizia isto fechou os restantes dedos, empertigando o mindinho. Eu fiz o mesmo gesto, olhando-o e pensando: - Ainda é pequenino. Não passa de um pinhão. Quando o tempo passar, vai ser capaz de adivinhar as coisas. - E não é que adivinha mesmo!

1 comentário:

Bartolomeu disse...

Adivinho que o seu mindinho, caro Professor, adivinha muito mais do que na verdade lhe interessaria adivinhar... será que se descuidou na dose de fertilizante com que adubou o pinheiro, ou o solo do pinhal é muiiiiiito produtivo!?
;))))