Confesso que sempre me irritou a maneira como as pessoas comparam as vidas umas das outras geralmente para concluírem que os outros são melhores, têm mais sorte, mais sucesso, mais saúde, como se as coisas se conjugassem naturalmente para que aos outros saísse tudo bem mas a elas, ou aos filhos, coitados… Parece que estão sempre em competição, seja por eles, pelos filhos, pelos amigos, pelos colegas do trabalho, enfim, em vez de olhar para o que conseguiram ter estão sempre de olho nas vantagens e pretensas facilidades dos outros.
Uma vez fartei-me de ouvir os comentários de uma pessoa amiga, que considerava as maravilhas do meu emprego da altura, ai se ela tivesse um trabalho assim outro galo cantaria, há pessoas com sorte, dizia ela. Eu comecei por ficar surpreendida, a minha mãe dizia-me exactamente o contrário, que eu era uma tola, para que é que me matava a trabalhar, as crianças tão pequenas e eu a chegar tão tarde a casa… Enfim, um dia em que essa tal amiga me disse que já não aguentava mais a infelicidade profissional convidei-a a vir trabalhar comigo, era preciso mais uma pessoa e ela vinha mesmo a calhar, não era fácil encontrar quem estivesse disponível. Pois bem, a atitude mudou logo, que era o que faltava não ter horas para sair, que para isso tinham que lhe pagar mais, e então se não se desse bem, voltava para o mesmo sítio?, e que garantias tinha de promoção, etc, etc. O certo é que não aceitou, mas também nunca mais me fez comentários irritantes.
Sobre esse modo de olhar a vida o El Pais semanal do dia 11 de Janeiro tinha um artigo muito interessante intitulado “Formas perigosas de ver a vida”, mostrando como a nossa atitude perante as coisas as pode tornar boas ou más, simples ou difíceis, e que o balanço que cada um faz da sua vida depende muito mais dessa forma de encarar os factos do que propriamente da sucessão de acontecimentos em si mesmos.
Uma vez fartei-me de ouvir os comentários de uma pessoa amiga, que considerava as maravilhas do meu emprego da altura, ai se ela tivesse um trabalho assim outro galo cantaria, há pessoas com sorte, dizia ela. Eu comecei por ficar surpreendida, a minha mãe dizia-me exactamente o contrário, que eu era uma tola, para que é que me matava a trabalhar, as crianças tão pequenas e eu a chegar tão tarde a casa… Enfim, um dia em que essa tal amiga me disse que já não aguentava mais a infelicidade profissional convidei-a a vir trabalhar comigo, era preciso mais uma pessoa e ela vinha mesmo a calhar, não era fácil encontrar quem estivesse disponível. Pois bem, a atitude mudou logo, que era o que faltava não ter horas para sair, que para isso tinham que lhe pagar mais, e então se não se desse bem, voltava para o mesmo sítio?, e que garantias tinha de promoção, etc, etc. O certo é que não aceitou, mas também nunca mais me fez comentários irritantes.
Sobre esse modo de olhar a vida o El Pais semanal do dia 11 de Janeiro tinha um artigo muito interessante intitulado “Formas perigosas de ver a vida”, mostrando como a nossa atitude perante as coisas as pode tornar boas ou más, simples ou difíceis, e que o balanço que cada um faz da sua vida depende muito mais dessa forma de encarar os factos do que propriamente da sucessão de acontecimentos em si mesmos.
É verdade que é muito curioso ver como há pessoas que passam a vida a queixar-se e que parece que têm medo de tentar ser felizes, apressam-se a pôr reticências quando as coisas lhes correm bem e ao mínimo dissabor logo retomam a ladainha das desgraças. Há outras que podíamos olhar com compaixão porque têm muito menos do que mereciam e que, no entanto, procuram viver com alegria, tirando proveito de cada momento.
Nesse tal artigo chamam a atenção para a nossa capacidade de distorcer as coisas através da análise de alguma metáforas que usamos com frequência, como “vivo encerrada entre o trabalho e a casa”, “trabalho como uma máquina” ou “deixei-me arrastar…”, tudo expressões decorrentes de uma visão de quem suporta, de quem sofre, e não de quem controla e vive plenamente. Outro exemplo é a expressão “carreguei as pilhas” como forma de descrever umas belas férias, ou seja, a pessoa assume que se vai desgastando a maior parte do tempo e que o descanso é só “recuperação” e não suplemento. Talvez então as férias sejam um “remédio” para a doença que consome, o dia a dia, e por isso muitas vezes se descrevem como “soube a pouco”, lá vem a negativa, o apagar num segundo de uns dias livres de obrigações porque o que domina o espírito é a sombra do regresso.
Outra forma de distorcermos a realidade é estarmos sempre a querer “despachar” o que temos que fazer, acabar o relatório, preparar o jantar, o filme demora três horas, que maçada, tanto tempo!, como se quiséssemos galgar o presente seja lá por que motivo for, o que interessa é passar à frente, partir para a tarefa seguinte para não “gastar tempo”. Perder tempo é uma espécie de pecado, “corremos contra” o tempo, mas nunca paramos um pouco para avaliar se gastámos o tempo ou se afinal usufruímos dele, e assim passam os anos sem a percepção dos bons momentos que se viveram. “A vida é uma luta” é outro modo de pôr os óculos para olhar a vida, um combate, uma ameaça constante contra qualquer coisa, uma adversidade permanente que tem que ser afastada para não nos submergir, é preciso uma vitória “esmagadora”, ou “atacar o assunto” ou ainda “debater” em vez de conversar.
Assim, a linguagem de cada um consegue denunciar o modo como vê a vida e condiciona-lhe não só a sua atitude mas também o que deixa ver aos outros sobre si próprio, “não descrevemos o mundo que vemos, antes vemos o mundo como o descrevemos”.
E como bem nos bastam as contrariedades reais, mais vale não piorarmos as coisas deformando tudo o que não é assim tão mau, seguindo o conselho de Marcel Proust, citado no mesmo artigo “A verdadeira viagem de descoberta não consiste em procurar novas paisagens mas em olhar com outros olhos”.
Nesse tal artigo chamam a atenção para a nossa capacidade de distorcer as coisas através da análise de alguma metáforas que usamos com frequência, como “vivo encerrada entre o trabalho e a casa”, “trabalho como uma máquina” ou “deixei-me arrastar…”, tudo expressões decorrentes de uma visão de quem suporta, de quem sofre, e não de quem controla e vive plenamente. Outro exemplo é a expressão “carreguei as pilhas” como forma de descrever umas belas férias, ou seja, a pessoa assume que se vai desgastando a maior parte do tempo e que o descanso é só “recuperação” e não suplemento. Talvez então as férias sejam um “remédio” para a doença que consome, o dia a dia, e por isso muitas vezes se descrevem como “soube a pouco”, lá vem a negativa, o apagar num segundo de uns dias livres de obrigações porque o que domina o espírito é a sombra do regresso.
Outra forma de distorcermos a realidade é estarmos sempre a querer “despachar” o que temos que fazer, acabar o relatório, preparar o jantar, o filme demora três horas, que maçada, tanto tempo!, como se quiséssemos galgar o presente seja lá por que motivo for, o que interessa é passar à frente, partir para a tarefa seguinte para não “gastar tempo”. Perder tempo é uma espécie de pecado, “corremos contra” o tempo, mas nunca paramos um pouco para avaliar se gastámos o tempo ou se afinal usufruímos dele, e assim passam os anos sem a percepção dos bons momentos que se viveram. “A vida é uma luta” é outro modo de pôr os óculos para olhar a vida, um combate, uma ameaça constante contra qualquer coisa, uma adversidade permanente que tem que ser afastada para não nos submergir, é preciso uma vitória “esmagadora”, ou “atacar o assunto” ou ainda “debater” em vez de conversar.
Assim, a linguagem de cada um consegue denunciar o modo como vê a vida e condiciona-lhe não só a sua atitude mas também o que deixa ver aos outros sobre si próprio, “não descrevemos o mundo que vemos, antes vemos o mundo como o descrevemos”.
E como bem nos bastam as contrariedades reais, mais vale não piorarmos as coisas deformando tudo o que não é assim tão mau, seguindo o conselho de Marcel Proust, citado no mesmo artigo “A verdadeira viagem de descoberta não consiste em procurar novas paisagens mas em olhar com outros olhos”.
5 comentários:
“corremos contra o tempo"
Primeiramente, quero deixar aqui um desabafo blogosférico... se existisse justiça "neste" mundo virtual em que nos encontramos, eu pedia ao juiz a condenação dos autores deste blog, com a aplicação de termo de residência bloguística e apresentação diária à alta autoridade com obrigatoriedade de postar. Por forma a evitar que períodos de grande ausência ocorressem, para prejuízo dos comentadores.
:) (pela minha parte, considerai-vos elibada, mas não dispensada do cumprimento da pena)
Voltando ao post. Muitas são as reflexões que nos apresenta cara Drª. Suzana, muitos e diferentes olhares sobre esta prisão esférica onde nos penitenciamos e estes presos em seus próprios conceitos e preconceitos.
“corremos contra o tempo" acrescentaria a esta sua frase, "e pelo tempo"
Assisti sábado passado ao filme de David Fincher «O Estranho Caso de Benjamin Button».
Não me vou perder em considerações acerca dos imensos conceitos que o realizador nos apresenta. Vou simplesmente aludir ao conceito central que incómodamente nos é proposto,e ou questionado. Se o tempo, ou os ponteiros do relógio girassem ao contrário, seria essencialmente diferente a nossa existência?
Naquele filme desmistifica-se o silogismo temporal, sendo a morte a conclusão menor das 3 proposições, na medida em que é a conclusiva.
Na (realidade) este mundo é a prisão mais perfeita e inviolável que poderia alguma vez ser concebida, composta por diferentes e eficazes sistemas de segurança, anti-evasão, sendo um deles e talvez o mais redutor, a consciência.
Sendo ainda novo para a reforma e velho para o trabalho, arrastado pela voracidade de um país invertido, entusiasmo-me hoje mais que nunca pela maior riqueza que o mundo me devolveu: o desfrutar do tempo! Quanta tristeza tenho de ver o meu país correndo celere, abotoando-se de rugas materiais, do sempre mais e mais, escondendo-se desta suprema felicidade de tudo fazer nada fazendo! É com certeza um luxo, mas não será este o verdadeiro luxo de corpos que se afundarão eternamente despojados de tudo, menos do sorriso eterno de termos vivido ou sonhado completamente? Celebremos novamente o valor da vida, a leitura, o pensamento, o tempo para recordar e sorrir, a contemplação de uma flor no jardim, o prazer do lento arrastar do nosso olhar. Afinal estes cadáveres adiados que procriam, também podem aspirar à real felicidade despojada e desmascarada do quase-tudo-nada! Afastemos um pouco a cortina do sucesso e descortinemos através dela um tempo de menor ansiedade e maior felicidade! Afinal para quê apressar o nosso tempo presente?
Cara Dra. Suzana Toscano:
Um texto muito interessante que, embora não seja consolo para os injustiçados, é assim como um género de antídoto natural para evitar os efeitos nocivos das depressões modernas...
Cara Suzana:
Excelente retrato da sociedade contemporânea. E que poderá servir de lição para a vida a quem o ler.
Os gregos tinham uma máxima: conhece-te a a ti mesmo. Custa!...É bem mais fácil analisar os outros, invejar os outros, desanimar perante algum insucesso, mesmo que ligeiro ou passageiro.
No entanto, a mim também me irritam algumas coisas, como, por exemplo, aqueles que aparecem sempre cansados, queixando-se do muito trabalho,sempre com volumosa pasta de documentos para analisar em casa, sem tempo, segundo eles, para a família e para descansar. Aliás, nunca podem ter férias!...
Nunca analisam a sua própria indisciplina. Nem sequer vêem que a atitude é meio caminho para o insucesso.
Caro Bartolomeu:
Acho que as suas primeiras palavras se aplicam como uma luva à Drª Suzana. Ela anda a produzir pouquito, embora de excelente e superlativa qualidade, mas pouquito...Acho que temos direito a mais. E aqui uma razão válida de queixa.
Caro Maioria Silenciosa:
De facto, mais do que a globalização, a impreparação dos gestores, a tecnocracia e o facilitismo com que encaram a gestão têm levado a abusos inqualificáveis nas reestruturações empresariais.
Em vez de procurarem novos rumos, a expansão do negócio, diversificação, meios tecnológicos mais modernos que aumentem a produtividade, formação do pessoal e sua motivação, optam por mandar para a reforma gente qualificada que podia ajudar muito à empresa.
Mas, nestes tempos de mediatismo, um gestor que não faça isso não tem existência nos media, pura e simplesmente não existe ou não presta.
caros amigos,boa penitência essa, que cumprirei com gosto e espero que seja pena longa no tempo, se me expulsassem desta tertúlia por intermitência nos escritos é que seria penosa a sina!O meu tempo vai ser empregue com mais critério de ora em diante. :)
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