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quinta-feira, 5 de março de 2009

Ainda a simplificação tecnológica

O Ferreira d’Almeida trouxe aqui, e muito bem, o caso chocante do automatismo fiscal que pune uma pretensa dívida de pouco menos de 2 euros com o bloqueio de um beneficio, erguendo uma parede intransponível de tecnologia que obrigou a que tudo fosse remetido para os tribunais. Assim não admira que haja milhões de processos pendentes!.
A substituição do homem pela tecnologia irracional e insensível é muito prática quando corre tudo bem mas, como é óbvio e ainda bem, não consegue ser mais do que uma imitação do trabalho humano, precisamente da parte em que o homem se assemelha a uma máquina quando dispensa o raciocínio e as emoções. A massificação é isso mesmo, o tratamento sistemático de tudo o que é igual e, para rentabilizar, é preciso levar essa identificação tão longe quanto possível, ignorando as excepções, as margens de dúvida e, já agora, os detalhes. Digamos que estamos todos incluídos num “centrão” de comportamentos estabelecidos e de pressupostos e depois é um trabalhão quando se sai dessas margens porque o nosso interlocutor não está programado para nos ouvir.
A administração pública limita-se a copiar a evolução que, neste campo, há muito se faz sentir em todos os sectores.
Há tempos recebi chamadas telefónicas insistentes de uma menina muito simpática que me queria vender uma promoção turística de uma cadeia de hotéis. Tantas vezes ligou que às tantas aceitei a proposta sem perder muito tempo a pensar nos detalhes. Minutos depois recebi no meu mail o contrato de adesão, que me demorou imenso tempo a ler porque as letras miudinhas tinham tantas condições para acesso às cláusulas escritas em letras grandes que logo conclui que nunca iria conseguir usufruir das vantagens enunciadas. Liguei para o número que vinha indicado no contrato, mas não estava activo. Mandei um mail para a morada do mail que tinha recebido, no dia seguinte mandei outro, depois outro e outro…Nenhuma resposta. Liguei para vários números que vinham na lista telefónica e sempre me remetiam para outro, ninguém podia tratar do assunto. Passaram dois meses de tentativas vãs até que me ocorreu agir como se quisesse marcar reserva no hotel sem indicar que era “sócia” do tal programa, e atenderam logo. A infeliz que me atendeu ouviu a minha fúria e ameacei publicar nos jornais a história toda e o nome dos hotéis se não me devolvessem imediatamente o que tinha pago, é claro que não era ela que tratava disso, era outro departamento, mas o facto é que devo ter sido veemente porque recebi um mail pouco depois a perguntar…quais os motivos porque queria desistir! A morada era a mesma para onde tinham seguido todos os meus protestos anteriores que tinham ficado sem resposta. Quando finalmente me reembolsaram, quatro meses depois, enganaram-se e processaram duas vezes o mesmo montante e foi para me pedirem que acertasse as contas que voltaram a recorrer à voz de uma simpática menina ao telefone…logo no dia seguinte.
Moral da história: para cativarem clientes sabem muito bem que o contacto pessoal é importante, por isso telefonam. Depois, passamos a ser um número de cartão, e não há que estar com cerimónias. A eficiência, a rapidez e a economia de meios, reduzidas a regras únicas e universais, têm estes amargos de boca, só tratam com máquinas, as pessoas não têm lugar.

6 comentários:

Carlos Monteiro disse...

Ah... SERÁ QUE SE TRATA DO CARTÃO DOS HOTEIS PESTANA???

No caso de alguém que estava no mesmo barbeiro que eu, demoraram mais de um ano a devolverem um dinheiro que debitaram de um cartão de crédito que ele forneceu, e sobre o qual lhe garantiram que nenhuma importância iria ser cobrada.

Parece que só quando ameaçou com a justiça é que alguém do lado de lá se lembrou dele.

Tal qual os seus emails...

Suzana Toscano disse...

Bem, caro cmonteiro, eu ameacei divulgar mas como resolvi o problema ao fim de 4 meses fica apenas o aviso com carácter geral para os incautos que façam contratos pelo telefone...O que posso garantir é que o nome e boa imagem da cadeia de hotéis em causa era de molde a não imaginar que tal pudesse suceder!Mas também custa a acreditar que os impostos levem tão a peito uma dívida de 1 euro...

jotaC disse...

Não vem muito a propósito mas esta coisa de darmos os nossos dados é complicado. Eu até me arrepio quando alguém telefona para “dar” alguma coisa… Há dois meses comprei um casaco no Cartaxo e juntamente com a factura recibo, ofereceram-me um voucher promoção para uns hotéis à escolha. Bom, comecei logo por desconfiar da qualidade do “bicho peludo” que tinha pago com uma mão cheia de “cartão de crédito”. Afinal o bicho era de qualidade e a coisa era muito simples: tratava-se apenas de uma técnica de marketing dos hotéis dirigida a um público alvo específico (com alguma capacidade financeira, julgam eles claro).
O pior foi quando a call center começou a ligar-me assim : oi sô jotaC tá bonzinho...não quer escolher agora uns dias bacanos para ocê? Detesto este tipo de pressão...

just-in-time disse...

Paga-se muito pouco e à comissão em call centers e noutros locais de sacrifício para trabalhadores pouco qualificados. Os pobres têm de se esfolar para sobreviver. Muitos sobreendividam-se para conseguir o essencial e lá vem o subprime.
Paga-se honestamente aos altos quadros em empresas de renome mas muitos, que querem atingir notoriedade social, têm de cavalgar a onda das metas de mirabolantes e dos prémios milionários. Surgem produtos estruturados com taxas fantásticas, que multiplicam e dispersam todos os subprime deste mundo.
Espalha-se pelo resto da população o sentimento de ganho fácil e de crescimento perene, porque só os incapazes não progridem.
O risco de desrespeito das conveniências pelos mais necessitados e de defenestração dos valores morais pelos mais gananciosos fica à vista.
E depois, um dia, explode uma crise, por todos dita impossível, cujos limites nenhum de nós consegue identificar e cuja saída ninguém consegue vislumbrar...

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Suzana
O esquema de venda da promoção turística que se passou consigo tem contornos de má fé. Vamos estando habituados às maravilhas do atendimento na venda, com facilidades de toda a ordem, descontos por todos os lados, sorrisos rasgados e disponibilidade total, e à falta de ética e de profissionalismo no serviço pós venda, quando não muitas vezes a verdadeiras vigarices. O que nos contou é também um retrato do País.

Suzana Toscano disse...

Não sei se é má fé, Margarida,eu creio que o objectivo nem é enganar mas sim vender a todo o custo e sem qualquer consideração pelo cliente uma vez "comprado". A "missão" acaba com a colocação do produto, o cliente é invisível e foi apenas necessário, depois esfuma-se no número do cartão de crédito e só se lembram dele para mandarem os panfletos, em forma de mensagem electrónica, com as promoções e novas maravilhas.Agora que se fala tamto de avaliação e de objectivos, começa a tornar-se evidente que o serviço ao cliente - há não muito tempo considerado factor de competitividade - foi dando lugar aos objectivos materiais, vender em quantidade, aumentar as carteiras de clientes e ignorar pura e simplesmente se eles ficam ou não cativados com o negócio. É esta miséria de valores comerciais que se reflecte em tudo, mesmo nos meios que mais puxam pelos galões empresariais do sucesso. Depois queixem-se, nem tudo se resume a polícias e fiscais, a parte nobre fica no que não é passível de ser transformado em leis e em punições, é o respeito e a decência. E escondem-se atrás das informáticas, da desmaterialização e, claro, do anonimato de quem serve de intermediário.