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terça-feira, 17 de março de 2009

Bento XVI, África e preservativos...

Acabo de ouvir o Papa Bento XVI, a bordo do avião que o levou a África, a dizer que a Sida é “uma tragédia que não poderá ser superada apenas com dinheiro e não poderá ser superada pela distribuição de preservativos”.
O Papa sabe que 25 milhões de africanos sofrem desta doença. O Papa sabe que milhões de pessoas vão ouvi-lo. O Papa sabe o que vai dizer, denunciando muitas situações de abandono e de falta de cooperação para com os africanos. O Papa vai apelar aos africanos para terem fé. O Papa vai em missão doutrinal. O Papa vai dizer aos africanos que a solução para a sida é a abstinência. Os africanos, quando ouvirem a sua mensagem, vão concordar com o Papa, vão dizer que sim com a cabeça. Os africanos, nesse dia, ou no dia seguinte, quando as pulsões biológicas começarem a impor as suas regras, não vão conseguir lembrar-se da "abstinência papal”. Vão continuar nas suas práticas, vão adoecer e vão morrer. Se o Papa, ao apelar à abstinência, dissesse que, caso não consigam, ao menos usem o preservativo, os africanos, hoje, ou amanhã, quando forem atacados pelo desejo sexual, e não se lembrassem mais das palavras do Papa quanto à abstinência, lembrar-se-iam, tenho a certeza absoluta, das palavras do Papa ao dizer: “usem pelo menos o preservativo”, defendam a vossa saúde, protejam a saúde das vossas companheiras e dos vossos filhos, e os africanos agradeceriam as pias palavras, e começavam a adoecer menos e a não morrer, graças ao conselho do Papa.
Afinal onde está o amor do Papa pelos africanos? No apelo à abstinência? Por amor de Deus. Desça à terra, veja a realidade, contribua com o seu esforço, posição e ascendente para salvar vidas.
Lamentável. A atitude de hoje fez-me lembrar a de Leão XII quando se opôs à vacinação contra a varíola ou a de Paulo VI quando iniciou a cruzada contra a pílula.
Lamentável. É o mínimo que posso expressar neste momento.

38 comentários:

Anónimo disse...

Professor, este é um dos campos em que a Igreja Católica tem estado realmente muito mal. E não é de agora, aliás. A voz do Santo Padre é ouvida e escutada. Ao dizer o que disse deitou por terra meses de trabalho e esforço das organizações que se dedicam a prevenir a infecção pelo HIV através, precisamente, do uso do preservativo.

Às vezes a igreja católica fica demasiado presa a certos dogmas e, no seu voluntarismo ortodoxo, acaba a ser prejudicial.

Bartolomeu disse...

Desabafa o caríssimo Professor:
«Por amor de Deus. Desça à terra, veja a realidade, contribua com o seu esforço, posição e ascendente para salvar vidas.»
Pois... tambem acho! As declarações do papa Bento XVI, foram prestadas aos jornalistas, a bordo do avião da Alitália. A altitude provoca por vezes reações estranhas nas pessoas, e depois... o facto de ter estado mais próximo do "patrão", pode ter ajudado a um momento de superior irreflexão, de idealismo desajustado.
"despertar espiritual e humano" e pela "amizade pelos que sofrem", estimou o Senhor Papa que passe por aqui a solução, se é que aquilo que disse, quer efectivamente dizer alguma coisa.
Estará o Senhor Papa a pensar que tambem é possível que os leões deixem de caçar, que as hienas deixem de rir e que as serpentes deixem de rastejar?

Bartolomeu disse...

Ainda a propósito da solução para combater o flagêlo da sida de que o senhor Papa parece ignorar a origem do déficit de eficácia, penso que seria de grande importância ler e reflectir sobre as obras de Wole Soyinka.
Talvez conclua a pontifical inteligência que para além da abstinência, muito para além, está a castração política a social dos povos, está a ditadura de lideres que retiram ao povo qualquer resquício de dignidade e de condições de vida, reduzindo-os à miséria, á doença e à fome, contrastando com a opolência que exibem e que o mundo "evoluído" lhes sustenta.

Bartolomeu disse...

PS:
Soyinka diz, referindo-se aos povos africanos «Nós nascemos sem mãe»

Quer ele dizer que a África sempre foi colonizada, vilipendiada pelos pelos colonizadores que sempre consideraram os africanos selvagens. Estará neste pensamento, neste estígma a origem de todo o problema?

PA disse...

Caro Professor Salvador tento procurar sempre uma saída positiva para tudo, embora nem sempre me seja fácil, pôr em prática, este princípio.

Não terá chegado a altura de a Medicina promover um debate ao nível mundial, COM o Vaticano, sobre posturas ultimamente assumidas como esta, que trata no seu post, e por exemplo, o caso da menina grávida de 9 anos, do Brasil ???


A mudança tem de ser pelo diálogo, não acha ?

Pedro disse...
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Massano Cardoso disse...

Os médicos dedicam-se não só ao corpo, mas à mente, ao espírito ou se quiser à alma de todos, procurando ajudar todos os seres humanos em todas as suas dimensões. Todas! Coisa que en não vejo na postura de Bento XVI, de Leão XII, de Paulo VI, de Trujillo e de muitos outros que poderiam e deveriam contribuir para o bem-estar e felicidade da Humanidade.
A atitude do atual papa é CONDENÁVEL e revoltante. Era altura dos padres dedicarem-se também ao corpo.

Félix Esménio disse...

A doutrina social da Igreja tem “dogmas” que a fé de muitos cristãos desconhece, ou melhor, não reconhece. A oposição ecuménica e dogmática ao uso do preservativo é, neste contexto, um exemplo impressivo da falta de caridade. Porém, muitos dos cristãos, religiosos e leigos, que estão no terreno têm o bom senso de adaptar esta orientação doutrinal às circunstâncias do concreto, admitindo, pacificamente, o uso do preservativo. Este facto não se opõe, antes pelo contrário, à defesa do amor e da fecundidade como valores essenciais nas relações humanas.
O problema maior dos povos africanos, convém não descentrar a atenção, não é, no entanto, o uso do preservativo, mas sim a falta de acesso a bens de primeira necessidade, como alimentos, educação/formação, saúde, justiça, infra-estruturas básicas, etc.
O problema maior dos povos africanos não é o Papa, mas sim a forma como as nomenclaturas instaladas no poder, há décadas, gerem e distribuem os recursos públicos, proporcionando uma opulência obscena para uns poucos e a indigência absoluta para quase todos.
As democracias têm, inquestionavelmente, defeitos tremendos, mas as ditaduras impedem, de forma absoluta, uma dízima de respeito pelo ser humano.

Bartolomeu disse...

O que acaba de referir, caro Professor Massano Cardoso, pode ser lido na «encíclica», ou "Supplica Humilde", feita a todos os Senhores Confessores, e Directores, sobre o modo de proceder com seus Penitentes na emenda dos peccados, principalmente da Lascivia, Colera, e Bebedice. da autoria de Francisco de Mello Franco, com o título Medicina Theologica.
;)))

Blondewithaphd disse...

A Igreja dos Homens é tão falível, valha-me Deus! Por acaso, interrogo-me sobre o que diria um Papa africano sobre esta questão se fosse um Papa africano a fazer um périplo pela África (sua).

Lusibero disse...

Professor:e não há nada, em comum, nesses três "homens santos" da Igreja de Roma?Vejamos bem as diferenças e veremos ,também, como são iguais!
Ao ler ,hoje, essa notícia, fiquei chocada, embora vindo desse papa, já nada espante!E venham -me dizer que foi o Espírito Santo que iluminou a escolha deste homem para papa!...
O que eu acho é que, para Ratzinger,(perdoem-me a brutalidade da Imagem!)a solução ,pura e simples,deve ser a amputação do sexo,de quem dele faz uso!Ah!mas aí, comecemos lá pelo pequeno Estado, encravado na Itália...Acabará o flagelo da SIDA?

Pedro disse...
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Bartolomeu disse...

Caro Paulo,
aquilo que aqui se discute não tem a ver com A religião, tão pouco com A pessoa do Papa.
Tem im a ver com as declarações de um homem que tem uma responsabilidade de dimensão humana, que do alto do seu pontificado olha para um punhado de pobres, vitimas de um sem número de vicissitudes que lhes foram impostas e lhes diz: Olhem lá oh bakanos, vocês andam para aí a morrer às centenas porque querem, se abulirem as relações sexuais do vosso "cardápio", ficam com o problema resolvido... tcharammm!!!!

Pedro disse...
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Massano Cardoso disse...

É pena que Cristo não apareça por aí para dar a sua opinião. Não é preciso ser-se teólogo para adivinhar o que poderia dizer à Humanidade. Os seus princípios, que estão na génese da civilização ocidental, são entendidos pelos “simples”, pelos comuns dos mortais, médicos e não médicos, e, consequentemente, extensíveis a certos fenómenos que atingem a humanidade. Bom senso mais uma boa dose de amor e muita generosidade e compreensão face ao sofrimento que atinge os humanos, quase que me permitiria falar em seu nome. Não o faço, não vá ser acusado de apropriação indevida do Seu pensamento, mas, interiormente, proclamo para mim próprio aquilo que eu sinto qual seria a sua resposta e, também, qual seria a Sua reação face à hierarquia da Igreja que fala em Seu nome. Hipocrisia? Cinismo? Tanta, meu Deus. Tanta! É o que não falta por aí e vinda de onde menos se esperaria!

Bartolomeu disse...

Meu amigo Paulo,
Pregação de Sua Santidade nesta matéria, não pode de forma alguma divergir da(s) mensagem(ns) emitida(s) pela Organização Mundial de Saúde, basicamente por tres motivos fundamentais.
1º O propósito da OMS visa salvaguardar a vida humana
2º O propósito da OMS visa preservar a vida humana
3º O objectivo fundamental da OMS é a preservação da vida humana.
É com esse propósito e em defesa desse objectivo, que médicos voluntários de todo o mundo, dedicam as suas vidas e colocam a sua disponibilidade física e intelectual de uma forma gratuíta, com risco permanente da própria vida, ao serviço dessas populações e da causa humana.
E asseguro-lhe meu caro Paulo, que não se fazem deslocar em aviões nem em carros de luxo, nem envergam vestes de tecidos finos, ou se adornam de joias, pelo contrário, as condições em que desenvolvem a sua actividade são em pouco diferentes daquelas em que vivem os que tentam salvar.

Suzana Toscano disse...

Li e reli este post e a interessante e acalorada troca de comentários que desencadeou. Não sendo eu católica praticante, reconheço que não é justo pedir à Igreja Católica que faça o papel do Estado ou das instituições civis no combate aos flagelos que atormentam a humanidade. A Igreja tem um papel a desempenhar, os Estados têm outro e é muito mau que se confundam os poderes temporal e espiritual, embora isso não signifique que se antagonizem ou ignorem mutuamente. Gostei por isso particularmente das intervenções do Paulo, muito serenas e esclarecedoras e ilustradas com o texto que terá dado origem à polémica. O Papa defende que a Igreja tem que tratar a raiz dos problemas, propondo novas condutas morais, mais exigência pessoal e mais solidariedade no apoio para que as pessoas encontrem forças e coragem para mudar os seus comportamentos, porque só assim deixarão de se sentir os efeitos que tanto afligem as populações. Isso não é nenhuma condenação do preservativo ou de métodos de prevenção que os médicos e as sociedades propõem e facultam, e muito bem. Só que uns tratam o mal, como lhes compete, a outra exige comportamentos individuais dentro da liberdade de cada, sendo certo que o que ensina é que não é evitando ou tratando as consequências que o mundo se aperfeiçoa e erradica o sofrimento, mas sim através da escolha livre e persistência de um comportamento equilibrado. Como se lê no texto “ renovar o ser humano por dentro, dar-lhe força humana espiritual para um comportamento adequado quer em relação ao seu corpo quer às outras pessoas, e a capacidade de sofrer com o sofrimento…” Não creio que as políticas dos Estados na prevenção e no combate à SIDA colidam com o que a Igreja e o Papa propõem, do mesmo modo que teria dificuldade em entender que o Papa, Chefe dessa Igreja, pudesse conformar-se perante a dimensão dos problemas e desistir do elevado padrão de exigência que as condutas morais dos fiéis devem seguir. Nem os Estados devem isentar-se de resolver as doenças só porque elas resultam de atitudes condenadas pela Igreja, nem a Igreja deve renunciar ao que defende só porque as condutas persistem apesar dos dramas que provocam. Ser católico, ou professar qualquer religião, implica um compromisso com aquilo em que se acredita, por muito difícil que seja, mas isso é da liberdade de cada, seguir ou não uma religião. A César o que é de César...

Massano Cardoso disse...

Cara Susana.

Lamento dizer, mas está a fazer alguma confusão, ou então não estou a compreende-la. “Nem os Estados devem isentar-se de resolver as doenças só porque elas resultam de atitudes condenadas pela Igreja, nem a Igreja deve renunciar ao que defende só porque as condutas persistem apesar dos dramas que provocam. Ser católico, ou professar qualquer religião, implica um compromisso com aquilo em que se acredita, por muito difícil que seja, mas isso é da liberdade de cada, seguir ou não uma religião. A César o que é de César...”
Cada um segue o que entender, religião católica, não católica, muçulmana, animista, budista, entre muitas que andam por aí, ou então mesmo nenhuma. Ninguém quer cercear a liberdade religiosa. O problema é que o Papa falou e já não é o primeiro que fala contra os preservativos. E não vale a pena acrescentar mais argumentos, porque, infelizmente, são tantos que dariam para encher páginas sobre os disparates nestas matérias. “A César o que é de César”, muito bem e que tal “A Deus o que é de Deus”? As atitudes da Igreja face ao uso dos preservativos não ajudam, minimamente, o grave problema que assola a Humanidade. Quanto ao facto de afirmar que a Igreja não tem que renunciar aos seus princípios é problema dela, mas não tem o direito de perturbar e de ignorar os esforços feitos para salvar a vida das pessoas. Lamento dizer, mas a atitude da Igreja é CONDENÁVEL, pelo menos para mim. Repudio a postura com que aborda estes assuntos. A alma é importante? Pode ser que sim, pode ser que não! Mas o corpo e a felicidade das pessoas essas são, inequivocamente.

Anónimo disse...

Cara Suzana, não é a vida humana o valor primeiro ao qual todos os demais se subordinam?

Suzana Toscano disse...

Caro Massano Cardoso, o que eu entendo da mensagem da Igreja é que a solução para erradicar (literalmente arrancar a raíz)a SIDA não está no uso do preservativo mas na adopção de comportamentos diferentes, que considera moralmente mais exigentes. É uma mensagem que os que são católicos devem ouvir, é essa a regra que lhes é proposta, mas que não tem que se impor a ninguém e só é valorizada como condenação por quem pertence à Igreja e se desvia dessa atitude, os outros não têm que se sentir condenados tal como eu não me sinto pecadora se comer carne de porco ou não jejuar à sexta feira. Dir-me-à que essa subtileza é mal compreendida pelos povos e que pode dar origem à recusa do uso de preservativo mas não à mudança dos comportamentos, que só se vai anular a solução e agravar o mal e por isso é condenável, mas o facto é que o Papa não separa uma coisa da outra e, se estamos a comentar o que ele disse, também não podemos ignorar uma parte essencial da mensagem.Concordo consigo quando alerta para os perigos desta mensagem, uma vez que ela é mal entendida e reduzida ao sim-ou-não-ao-uso-do-preservativo e, por consequência, aceita o risco/punição do alastrar da praga da SIDA. Mas a Igreja tem vindo a radicalizar a sua pregação contra o que considera a quebra de valores, a da persistência na exigência moral. Gostaríamos que a Igreja Católica fosse mais compreensiva com aquilo que ela considera pecadores e fosse mais humana no sentido de admitir e contemporizar com os efeitos da fraqueza da espécie? Admito que sim, tanto admito que vivo afastada da Igreja, exactamente porque não consigo conciliar no meu espírito essa intransigência e a realidade do que vejo. Mas não me atrevo a condená-la,uma vez que ela não desiste de pregar a sua convicção (FÉ?) de que, se fosse ouvida, muitos dos males que hoje combatemos com todas as armas que a ciência nos faculta talvez não chegassem a ter existido. E, também é justo dizê-lo, a Igreja trabalha arduamente também a aliviar o sofrimento, não se limita à arrogância da exigência moral, embora não desista de a recomendar.Mas assim como seria impensável que virasse a cara à miséria dos que sofrem, também seria impensável que se concentrasse em tratar, desistindo de pregar a essência dos valores que defende. E eu creio que é muito importante que esses valores sejam pregados, sob pena de termos cada vez mais pessoas para cuidar e salvar e poucos dispostos a olhar por elas, sejam orientadas pelos princípios de obediência a uma religião, católica ou outra,ou por outros, de igual nobreza e exigência, ditados por um espírito suficientemente forte que prossegue a sua caminhada pelo Bem guiado só pela sua consciência, seja de médico, seja de político, seja de cidadão solidário de qualquer género. O que acontece é que, a meu ver, uma religião tem sempre que ser mais que a soma de indivíduos que escolhem um caminho e que só respondem perante a sua consciência.Desculpe a prosa confusa, o mais certo é não ter conseguido exprimir o que penso.

Suzana Toscano disse...

Caro Zuricher, só agora vi a sua pergunta e não tenho qualquer dúvida em responder-lhe que sim. E, apesar de não querer estar aqui a assumir a defesa da Igreja católica mas apenas a comentar a intervenção que foi mote desta conversa,lembro que a Igreja é precisamente muito criticada por arvorar esse valor à frente dos outros todos, como se viu na questão do aborto. O problema é que, em matéria de prevenção, a Igreja advoga que o mal se evita com comportamentos diferentes e não se conforma que o assunto se esgote com a solução prática do preservativo que, e muito bem, se divulga e fornece.Pelo menos é o que eu entendo da mensagem do Papa, concorde ou não com a substância, mas é como a interpreto.

Bartolomeu disse...

"A Viagem do Elefante" romance de Saramago, termina com a chegada do elefante oferecido pelo rei D. João III "o piedoso" ao arquiduque da Áustria seu primo. Quando às portas de Viena a multidão assistia à chegada de tão fenomenal animal, uma menina, entusiasmada pela magnificência do animal, solta-se da mão da mãe e corre para a frente de Solimão (o elefante) perante o orror geral da assistência que previa o esmagamento da pequena sob as patas do imenso animal, o elefante docemente, pega a menina com a tromba, eleva-a no ar e deposita-a carinhosamente nos braços da mãe. O Arquiduque sai acompanhado pela Arquiduqueza da carroagem onde viajavam e dirigindo-se ao cornaca, agradece-lhe o feito. Fritz (o cornaca) remete todo o mérito para o elefante, ele, simples cornaca tinha feito muito pouco. Então Arquiduque numa atitude reflexiva conclui: Se cada um de nós fizesse o muito pouco que lhe compete, o mundo estaria muito melhor.
Não sei se a cena descrita por Saramago é ficcionada ou se tem um fundo real. Seja como for o contudo da reflexão não perde a verosimilhança. Faça cada um de nós o pouco que lhe compete e sem dúvida que o mundo ficará bem melhor. Foi esta atitude que Jesus Cristo pregou pelo mundo, foi esta a sua mensagem. Ceda o Senhor Papa, no pouco que lhe compete, sem deixar de manter a sua cruzada pela defesa dos valores da fé e concerteza o mundo irá ficar bem melhor.

Anónimo disse...

Não resisto a meter o bedelho na polémica que o post do Professor Massano gerou, e agora a Suzana reavivou. Só para dizer que a interpretação da mensagem do Papa feita pela Suzana, ainda que irrepreensível no plano dos princípios, é mesmo uma subtileza, como aliás a nossa prezada Amiga reconhece.
O Papa não pode ignorar o impacto da sua palavra num continente assolado pelo flagelo da SIDA; como não pode ignorar que o que da mensagem se apreenderá (não só em África) não é a subliminar separação entre o que por um lado é temporal e da responsabilidade dos Estados, e por outro o que é espiritual e da responsabilidade da religião. A mensagem foi muito simples: o flagelo não se combate com o preservativo (creio que acrescentou até que o agravava). O apelo foi, pois, à abstinência, o que não deixa de ser chocante para a minha sensibilidade e, pelos vistos, para a de muitos e muitos católicos.
Independentemente do esforço que vejo feito para encarar as palavras do Papa com tolerância, não se pode fugir à triste constatação de que a mensagem, mais do que infeliz, pode ter a consequência terrivel de destruir os efeitos das campanhas contra a propagação da doença tão a custo levadas ao terreno, como dão notícia credível as ONG.
E, acrescente-se, que condenar um Papa que insiste num dogma que não só não contribui para a felicidade humana como me parece que vai ao arrepio dos bons princípios que baseiam o catolicismo, não é uma heresia. Má, mesmo má, será a abstenção dos católicos na condenação quando ela é devida, ainda que dirigida ao primeiro responsável pela Igreja ou sobretudo porque é o primeiro responsável pela Igreja.

Não é a primeira vez que a hierarquia da Igreja Católica assume os seus erros históricos. Ultimamente tem não só reconhecido, como pedido desculpa pelos danos aos povos que as suas posições doutrinárias (mas também políticas, no que têm de mais temporal) em alguns momentos da História, provocaram. Ainda bem que o faz. Mas melhor seria que evitasse esses erros quando, como no caso vertente, podem contribuir para aprofundar o que já é uma tragédia para a humanidade.

Suzana Toscano disse...

Caro Ferreira de Almeida, contaram-me que em S. Tomé a campanha contra a SIDA tem um cartaz em que aparece um casal com um filho pequeno onde se lê “Para protegermos a nossa saúde e a do nosso filho somos fiéis um ao outro”. Esta é a tradução muito simples do que o Papa pretende dizer ainda que, admito perfeitamente, o faça de uma forma desastrada quando se dirige às multidões, podendo gerar os equívocos perigosos a que estamos a assistir.

Pedro disse...
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Massano Cardoso disse...

"Pedrada no charco"! Os salpicos das lamas contaminadas não deixarão de se fazer sentir no futuro. Mais um motivo, utilizando as palavras de Ferreira de Almeida, para que no futuro, o "Papa Bento XXVI" tenha mais um pretexto para pedir desculpa pela visão "deontológica e não utilitarista" dos seus antecessores dos séculos XX e XXI.

Maria Ribeiro disse...

Suzana Toscano:acho que você devia ir dormir,porque descansar é dever de quem tanto pensa ...e tão mal que cheira a farisaísmo!Por que não passa os olhos pela obra de Sophia M.B.Andresen?Aconselho-lhe a leitura de "Os fariseus" e "As pessoas sensíveis"

Suzana Toscano disse...

Cara Maria Ribeiro, obrigada pelo seu conselho, vou segui-lo e aprender o que puder nessas leituras. Mas retribuo-lhe com outro conselho, experimente ler no evangelho a parábola do fariseu, talvez também ache interessante tirar as sua conclusões sem o filtro de outros autores...

Unknown disse...

Deixo um argumento de índole prática em favor da posição do Santo Padre: A total falência do modelo de ajuda humanitária do Ocidente a África. No total, estima-se que apesar de todo o dinheiro que tem sido dedicado ao problema da prevenção da SIDA, esta doença mate 3 milhões de pessoas por ano e está actualmente em evolução.
cf www.unaids.org/en/resources/epidemiology.asp

A ajuda humanitária do Ocidente a África, em particular no que respeita à ajuda médica, apesar da retórica elegante dos "planners", têm-se revelado um desastre total, quer pela ineficiência dos canais de distribuição, quer pela qualidade dos medicamentos que chegam aos "irmãos africanos" (normalmente produtos de baixa qualidade, fora de prazo e de gerações anteriores).

Só com muita ingenuidade, ou por uma grande dose de hipocrisia, é que ainda alguém acredita e defende a possibilidade de desenvolver em África programas eficazes de prevenção da Sida baseados na distribuição de preservativos. Escusado será de dizer que aqueles dispositivos que efectivamente chegam às populações muito provavelmente rompem-se durante o curso da sua utilização.

Face a esta realidade, poderá ser sensato procurar outras vias de combate à SIDA, pois aquelas que os "planeadores" das Organizações multilaterais têm preconizado com o dinheiro dos contribuintes mostram ter pouco sucesso. Os problemas são tão graves que valeria a pena encará-los despidos de preconceitos anti-católicos. Tragédias como a Sida em África são uma realidade incontornável, e não são certamente causadas pela Igreja.

PS: Para aqueles poucos familiarizados para a tragédia da ineficácia da ajuda humanitária em África recomendo a obra de W Easterly, The white man's burden.

Suzana Toscano disse...

Excelente achega, caro Anastácio, se esta questão ficasse apenas pelos "prós e contra" o que o Papa disse, nunca levaria a nada. É fundamental que se faça esse balanço que aqui refere e do qual talvez resulte claro que nem só a doutrina nem só a ciência conseguem resolver o problema. Que tal unirem-se?

Pedro disse...
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Massano Cardoso disse...

Recomendar a obra de Pierre Louys a uma senhora,neste caso Maria Ribeiro, que eu não conheço, entristeceu-me. Não esperaria que alguém recomendasse "humildemente" uma obra deste género (Há quem lhe chame arte! para mim é nojo perfeito) a quem quer que fosse. Haja decoro. Fico-me por aqui e não vou alimentar mais qualquer polémica a este propósito. Desencadear um pequeno debate até é saudável, mas quando se arruma com um livro deste género, então não há mais nada a dizer...

Pinho Cardão disse...

Devido a outras tarefas, só agora cheguei a este interessante debate, que honra o Quarta República e toda a sua família de comentadores, pró ou contra. Por certo o tema voltará, mais dia menos dia, dado o voluntarismo, que só lhe fica bem, do Prof. Massano Cardoso. Não lhe assistirá toda a razão, já que o Papa falou como Chefe da Igreja Católica e não pode investir contra a sua doutrina, tal como elefante em loja de porcelana. Quando muito, poderia ter-se coibido de explicitar o tema. Em matéria tão sensível, não se poderão esperar revoluções, que seriam vistas como muito pouco católicas, embora com fundamento muito cristão. Por outro lado, não compete a Deus substituir César. Assim sendo, considero muito pertinentes algumas das observações feitas pelos "opositores" e a sua contribuição para o debate, sem deixar de considerar como um justificado grito de alma a indignação do Prof. Massano. Só que eu não seria tão pronto a condenar a atitude do Papa, quando é a corrupção da classe política africana e a sua irresponsabilidade que permitem o alatramento do flagelo, deste e da cólera e de uma série de doenças que vitimam a população africana.
Esses são os responsáveis.
Por último, gostaria de recomendar ou sugerir a leitura do Cântico dos Cânticos de Salomão, que faz parte da Bíblia, que exalta o amor e o sexo e é um conjunto de extraordinários poemas. Por vezes, pergunto-me como pode a Igreja ser tão puritana em matéria sexual, quando escolhe e adopta como livro doutrinário a exaltação do amor livre e expontâneo presente naqueles poemas.
Gostei do debate!...

Maria Ribeiro disse...

Senhor PROFESSOR:deixe-me responder aos comentários ,um pouco mal-educados dos caros PAULO e SUZANA TOSCANO.
Quanto a si,Paulo, que não tenho o prazer de conhecer destas viagens internáuticas,devo dizer que sou capaz de ler em Francês, Inglês, Alemão, Italiano e castelhano. Mas, nem em Português,eu seria capaz de recomendar esse livro à sua Mãe,esposa ou filhas, eu que já o li e que também, como é lógico, não o recomendaria às minhas netas, que, apesar de tudo ,o poderão ler, quando quiserem, como aconteceu comigo.
Pode encontrar-me na FNAC, em Coimbra, todos os domingos,de preferência no espaço dedicado aos livros mais esotéricos.O que me dói é que certas pessoas, a coberto do anonimato relativo que a Net permite, não sejam capazes de contribuir para a sã convivência, que pessoas como o PROF.Massano, põe à sua disposição.
Quanto à Suzana, não me parece,minha cara,(por aquilo que tenho lido de seu ,nestes espaços, uma pessoa HUMANA capaz de interpretar A BIBLIA, OS Evangelhos, OS MANUSCRITOS DO MAR MORTO, O CÂNTICO DOS CÂNTICOS...
Recomendo-vos, meus caros, moderação!Mas ,e acima detudo, educação, pois nenhum de nós sabe com quem está a falar...
UM abraço da Ma Ribeiro ,também conhecida como "lusibero".
Ao Prof. Massano...aquele abraço.

Bartolomeu disse...

Cara Maria Ribeiro, contra aquilo que pessoalmente entendo deva ser a postura de qualquer comentador em qualquer blog, vou neste caso intervir relativamente ao seu último comentário.
Peço desde já desculpa ao Sr. Professor Massano Cardoso por usar este espaço para o fazer.
Posso garantir-lhe que não está a fazer um juízo correcto sobre a pessoa da Drª Suzana e apesar do "deslise" do nosso amigo Paulo, que também não tenho o gosto de conhecer pessoalmente, soucapaz de lhe identificar no que escreve um espírito etico e um caracter de boa formação.
Em minha opinião cara Maria, uns mais que outros, deixámos que a paixão pela discussão, invadisse um pouco o espaço da razão. Contudo, penso que isso não faz de nós monstros, tanto os que nestes comentários se manifestaram pro, como aqueles que se manifestaram contra.
Se tiver tempo para rever os post's publicados pela Drª. Suzana, encontrará neles, estou certo, matéria que a farão mudar a sua opinião acerca da autora.
;)

Lusibero disse...

Obrigada, meu caro Bartolomeu, por me ajudar a pensar.As suas lúcidas palavras chamaram-me à razão.
Um abraço da DRa maria(lusibero)

Pinho Cardão disse...

Caro Bartolomeu:
Obrigado pelas suas palavras.
A Drª Suzana é uma pessoa bem formada, com elevado sentido ético, íntegra, merecedora de todo o respeito.
E pelo que tenho lido do Paulo, não sou capaz de imaginar que tenha tido o propósito de ofender alguém.

Pedro disse...
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