As nossas preferências estendem-se aos poetas, aos heróis, aos pintores, aos cientistas, aos acontecimentos, aos marcos históricos, às fantasias, revestindo-se de pormenores e razões próprias que fazem a marca individual de cada um. Por que razão preferimos um a outro? Não interessa saber a razão, porque no fundo o que sentimos não precisa de explicações. Dentro das preferências destaco alguns espaços. Procuro-os de acordo com o momento e com o que tenho a fazer. Um deles é a mata do Buçaco. Quando posso, meto-me no carro, galgando a distância sem a contar nem em tempo nem em espaço. Falar da sua beleza é uma redundância. É um dos meus “jardins”. Foi o que fiz no Domingo. Um dia cheio de sol e quentinho. Precisava de preparar as aulas para o dia seguinte. Não é que tivesse de ir para aquelas bandas fazer o trabalho de casa, o pretexto era outro, aproveitava para ler no acolhedor terraço do hotel. Levei alguns livros, não sabendo qual é que eu iria escolher. Um dos livros, publicado em 1936, tinha as folhas ainda por abrir, “O Homem, Centro do Mundo”, de Cruz Malpique. Agarrei numa navalha, que um amigo me deu recentemente, e entretive-me num estranho ritual, a que já não estava habituado, o de abrir aquelas folhas, fechadas há 73 anos, pensando o que é que iria encontrar lá dentro e os acontecimentos que ocorreram entretanto. Comecei a ler os vários ensaios, sendo o primeiro precisamente o que deu o título ao livro. Fiquei deliciado com o pensamento e o discurso do autor. Rapidamente aprendi novos conceitos e novas formas de abordagem a problemas que são intemporais. Claro que o tempo ia passando e a análise que o autor fazia da “literatura de mera paisagem” que “não passa, pois, de simples jogo de palavras, mais ou menos bem combinadas” obrigou-me a olhar a paisagem que estava à minha frente. As paisagens só têm significado quando o “homem é a medida de todas as coisas”. Na literatura ou num parque frondoso a presença do homem é que dá sentido e significado à beleza. O tempo ia passando e eu saltitava do livro para o computador e deste para o livro, o qual me fascinava mais do que os assuntos das aulas que iam preencher, a sério, a manhã de segunda-feira, um verdadeiro dia de pica bois.
Eis que de repente aparece na varanda um grupo de pessoas, quatro ou cinco, que se sentaram numa mesa próxima da minha. Estava, atentamente, a visualizar os diapositivos de uma das aulas, quando ouvi: - Desculpe. Posso oferecer-lhe um livro? À primeira não entendi muito bem, até que, a senhora voltou a repetir a pergunta, ao mesmo tempo que me mostrava o livro. Fiquei perplexo e, claro, disse-lhe que sim sem saber o que é que o livro tratava. Li de imediato o título da obra, “Apoplexia da ideia”, tendo, inicialmente ficado apenas pela “apoplexia”. Apoplexia?! Tratar-se-á de algo relacionado com a medicina? Mas na parte inferior estava a palavra “ideia”. Agradeci e comecei a folhear verificando que se tratava de um livro de poesia com interessantes ilustrações. Uma das raparigas, muito bem-disposta, disse-me que a senhora era a autora e que o rapaz que as acompanhava o ilustrador. Comecei a ler alguns dos poemas e, quando verifiquei que se preparavam para ir embora, usando de uma intimidade poética, chamei a senhora, tratando-a pelo nome próprio: - Maria, pode autografar o livro? - Claro. Respondeu. Foi então que escreveu: “Para o Massano Cardoso um fim de tarde verde. Um abraço. Maria Quintans”. - Espero que goste!
Cruz Malpique afirma que “O homem é o centro do mundo”, a medida de todas as coisas. Contraponho a poesia. Sim, a poesia é a verdadeira medida de todas as coisas e, no “Enigma da poesia”, o primeiro capítulo da obra de Jorge Luís Borges, “Este ofício de poeta”, o pensador escreve: “A poesia não nos é alheia – a poesia espreita, como veremos a cada esquina. Pode saltar-nos em cima a qualquer momento”. Foi o que me aconteceu. Caiu-me em cima no final de uma tarde de Domingo. “Os poetas não acabam, adormecem”, diz um dos poemas de Maria Quintans e acordam-nos para tanta beleza deste mundo...
Eis que de repente aparece na varanda um grupo de pessoas, quatro ou cinco, que se sentaram numa mesa próxima da minha. Estava, atentamente, a visualizar os diapositivos de uma das aulas, quando ouvi: - Desculpe. Posso oferecer-lhe um livro? À primeira não entendi muito bem, até que, a senhora voltou a repetir a pergunta, ao mesmo tempo que me mostrava o livro. Fiquei perplexo e, claro, disse-lhe que sim sem saber o que é que o livro tratava. Li de imediato o título da obra, “Apoplexia da ideia”, tendo, inicialmente ficado apenas pela “apoplexia”. Apoplexia?! Tratar-se-á de algo relacionado com a medicina? Mas na parte inferior estava a palavra “ideia”. Agradeci e comecei a folhear verificando que se tratava de um livro de poesia com interessantes ilustrações. Uma das raparigas, muito bem-disposta, disse-me que a senhora era a autora e que o rapaz que as acompanhava o ilustrador. Comecei a ler alguns dos poemas e, quando verifiquei que se preparavam para ir embora, usando de uma intimidade poética, chamei a senhora, tratando-a pelo nome próprio: - Maria, pode autografar o livro? - Claro. Respondeu. Foi então que escreveu: “Para o Massano Cardoso um fim de tarde verde. Um abraço. Maria Quintans”. - Espero que goste!
Cruz Malpique afirma que “O homem é o centro do mundo”, a medida de todas as coisas. Contraponho a poesia. Sim, a poesia é a verdadeira medida de todas as coisas e, no “Enigma da poesia”, o primeiro capítulo da obra de Jorge Luís Borges, “Este ofício de poeta”, o pensador escreve: “A poesia não nos é alheia – a poesia espreita, como veremos a cada esquina. Pode saltar-nos em cima a qualquer momento”. Foi o que me aconteceu. Caiu-me em cima no final de uma tarde de Domingo. “Os poetas não acabam, adormecem”, diz um dos poemas de Maria Quintans e acordam-nos para tanta beleza deste mundo...
3 comentários:
o seu texto está magnífico. muito obrigada.
maria quintans
“Os poetas não acabam, adormecem”, diz um dos poemas de Maria Quintans.
Ou seja, tal como o homem, o poema é eterno, talvez porque o poema seja a expressão sublime da alma humana...talvez.
Agostinho da Silva, referindo-se à eternidade, dava como exemplo o "milagre dos pães", no qual, como todos conhecemos, os pães sucediam-se aparecidos do nada. Agostinho contrapõe. Os pães sempre existiram, simplesmente, o homem não os via. Tal como a vida, que o mesmo Agostinho da silva compara a uma tela que se vai desenrolado de um lado e voltando a enrolar do lado oposto, mantendo-se o homem, estáticamente defronte a ela, observando-a.
Do mesmo modo sucederá com a poesia, talvez. Dizem os poetas que o poema nasce e "desenrola-se de um lado, enrolando-se do outro", fruto de uma inspiração que o seu criador se revela incapaz de explicar. Como se tudo existisse préviamente e simplesmente se manifesta no momento que entende, servindo-se unicamente do poeta como veículo para essa manifestação.
A ver vamos, um dia, talvez...
Afinal, PROF.Massano, foi boa, ou pelo menos , frutuosa , a "discussão", amigável, é claro! com a Suzana, pois motivou a minha curiosidade para com a sua pessoa, a sua ,PROF.
Sinto a sua alma de poeta!Que bom!Eu descobri a minha humilde "poesia",em Agosto de 2007...
Bartolomeu:obrigada por me visitar; quanto à poesia... plenamente de acordo!
Abraço!
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