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terça-feira, 31 de março de 2009

A felicidade segue dentro de momentos


Dizia não sei que pensador que o pior, na infelicidade, é já ter sido feliz. É talvez isso que explica esta dramatização global da crise, o facto é que não vivemos apenas grandes dificuldades, com muitos a perderem o que tinham, o mais grave é que todos tivemos que inverter subitamente as expectativas de um progresso contínuo que nos iluminava o horizonte de curto prazo.
Isto nota-se muito nos jovens, porque eram felizes e não acreditavam que algum dia pudessem deixar de o ser. Eram felizes porque os seus pais já tinham mais desafogo económico que os seus avós. Eram felizes porque tinham o direito de estudar, de ir tão longe quanto quisessem, e todos os estimulavam para isso, com direito a reclamar se as condições não eram ainda as suficientes. Eram felizes porque tinham direito à saúde, a ser bem alimentados, a usar aparelho nos dentes, a ir a actividades desportivas, a serem adolescentes problemáticos com pais atentos e pacientes, a sair com amigos e a dizer até logo, não esperes que eu chegue à hora que queres. Eram felizes porque tinham direito a ditar as suas regras de vida em grande liberdade, a viver a sexualidade, a vida afectiva, a escolher o estilo de roupas, o penteado, a tirar a carta e comprar um carro ou uma mota em segunda mão. Eram felizes porque a paz e a liberdade e a prosperidade e o êxito e o reconhecimento eram condições de vida adquiridos. Eram felizes porque os pais e a sociedade investiam na sua qualificação, na sua qualidade de vida e orgulhavam-se por antecipação dos êxitos que os seus meninos iam ter, precisamente porque tinham cursos, tinham saúde, podiam viajar, ler, ter acesso a toda a informação, discutir, escolher no mundo a seus pés. Eram felizes porque a ciência e a investigação progrediam na cura das doenças que assombravam as gerações anteriores, porque a pobreza e a morte era combatida com todos os meios e se sonhava com um mundo global sem fronteiras, sem injustiças e sem fracassos, sem que ninguém ousasse já chamar-lhe utopia.
Os nossos filhos foram criados com a obrigação de ser felizes e, em contrapartida, contaram que lhes tivéssemos assegurado essa estrada larga que trilhariam com segurança.
O facto é que não os preparámos para a desgraça, não lhes contámos as nossas incertezas e, com o embalo, também nós acabámos por acreditar que tudo isso estaria assegurado.
Hoje, os jornais enchem-se de notícias sobre os jovens qualificados que, aos milhares e milhares, olham atónitos o seu diploma inútil, assistem desnorteados às portas que se fecham, à independência adiada, à juventude prolongada com uma conivência envergonhada que não tem coragem de admitir que se calhar a realidade é mais dura do que se previa. Não são só os filhos que vivem a angústia da sua desilusão, são os pais que se perguntam se afinal não lhes mentiram, se não deviam ter refreado a sua confiança para os proteger do embate. Os nossos jovens, qualificados, ambiciosos, competitivos, abertos para o mundo sem fronteiras, sentem-se sós e perdidos, tanto mais sós e perdidos quanto já puderam ser felizes. Temos que acreditar que é só um intervalo...

8 comentários:

zamot disse...

E é!

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Suzana
Esperemos que depois do intervalo, os erros comportamentais, de educação, de expectativas, de viver acima das possibilidades sem cuidar do futuro, do tudo querer a qualquer custo sejam corrigidos. Se acreditarmos que esses erros são a causa de muita da felicidade perdida, talvez a felicidade seja mais duradoura, mais construída com os pés na terra.
Muitos jovens estão a sofrer. Não tenho pena daqueles que não podem ter o carro novinho a estrear, mal fazem 18 anos. Tenho pena dos jovens que estão a deixar as universidades porque os pais não podem pagar as propinas e outras despesas associadas. E tenho pena que o Estado não estenda a mão, como seria sua obrigação, a esses pais angustiados por não poderem investir no futuro dos seus filhos e não ajude os jovens, que não têm, a bem dizer, culpa da crise.
Cortar no supérfluo não faz mal ninguém, mas cortar no essencial faz doer o coração.

Sandrinha disse...

Eu queria dar os parabéns à autora da entrada...por ter conseguido transmitir a realidade com que nos deparamos de maneira tão directa e verdadeira. Obrigada.

jotaC disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
jotaC disse...

Subscrevo o comentário da sandrinha.
Convirá acreditar que é só um intervalo, mas na realidade parece-me mais uma fatalidade...

Suzana Toscano disse...

Caro zamotanaiv, é assim mesmo, espírito positivo!
Margarida, aprende-se sempre com as situações, quanto mais não seja a dar valor às coisas que antes se consideravam adquiridas, modera-se a insatisfação porque tudo passa a ter outro sentido. Quanto às ajudas, não sei sei o Estado conseguirá acudir a tudo, creio que também aqui as associações académicas e a imensa criatividade dos jovens poderia dar a sua contribuição, se dentro da Universidade não se encontram recursos imaginativos, o que acontecerá aos mais desamparados?
Obrigada Sandrinha e caro jotac, embora haja certamente situações muito mais aflitivas, esta justificada angústia dos jovens também mina as forças da sociedade...

Bartolomeu disse...

Os pais de hoje não mentem aos seus filhos, assim como os seus pais não lhes mentiram, do mesmo modo que os pais dos seus pais também não mentiram aos filhos.
Cada dia é diferente, creio bem cara Dr. Suzana, que tanto hoje como ontem, é impossível tomar algo como absolutamente verdadeiro e imutável. Por isso os filhos necessitam de pais que com a sua experiência de vida, os orientem, aconselhem, e lhes garantam apoio.
Os tempos mudam, e com eles as realidades de vida. O facto de desejarmos a felicidade plena para os nossos filhos e de, para isso, direccionarmos a sua formação académica, não pode a meu ver, constituir a sua única alternativa, ou ainda a alternativa mais desejável. Outras realizações pessoais e profissionais ditarão a sua felicidade de vida, e é importante que eles possuam essa visão clara e o sentido apurado de todas as alternativas que o mundo lhes coloca à disposição.
É lamentável que as espectativas de qualidade de vida que deveriam existir, se tenham deteriorado. É lamentável que a sociedade esteja a viver uma época de completa desorientação, em que todos os sinais capazes de nos proporcionar uma antevisão do futuro sejam desanimadores. Contudo mantem-se a capacidade de lutar pelo futuro, de criar, de gerar. E cá estaremos nós, os pais, sempre firmes na retaguarda, prontos para apoiar esse espírito empreendedor que tão bem caracteriza os jovens e que é inquestionávelmente o futuro do mundo.

Suzana Toscano disse...

Excelente comentário, caro bartolomeu, é verdade que os pais fazem em cada momento aquilo que consideram ser o melhor para os seus filhos, do mesmo modo que não podem controlar todos os riscos nem impedir que mudem os tempos e as realidades da vida, como diz. O mais importante é que os nossos filhos possam contar sempre connosco para os apoiar e estimular a prosseguir com coragem e ambição.