Ouvi há tempos, num noticiário, um português que esteve a trabalhar em Espanha e que teve que regressar à sua vila no Norte na sequência da crise de construção no país vizinho. Estava desempregado, claro, mas dizia que ia tentar emigrar de novo, não porque cá não houvesse possibilidade de arranjar trabalho mas porque “aqui trabalha-se para aquecer, não compensa o que se ganha”. Era um homem novo e falava com franqueza, dizia que gostava de trabalhar mas que o objectivo era ganhar algum dinheiro, ao menos o suficiente para “não viver na miséria”, lembro-me perfeitamente das palavras dele e do modo como o dizia, como se fosse uma justificação que entrava pelos olhos dentro e que não valia mais esforço de explicações. Em Portugal, dizia ele, trabalhar “é um mau negócio”.
Tenho encontrado a tradução prática desta imagem em inúmeras situações de pequenos empresários e comerciantes que se queixam de que têm dificuldade em encontrar quem “queira trabalhar”, em muitas regiões onde os centros de emprego estão a abarrotar de desempregados há anúncios colados às vitrinas “procura-se empregado/a”, nos campos não há quem apanhe azeitona ou pode as videiras, nas fábricas os turnos reduzem-se e o trabalho ao fim de semana é demasiado caro, não há quem aceite por menos. Ao mesmo tempo, é já grande o coro dos que criticam um modelo de sociedade que permite que fiquem a receber subsídio de desemprego e alguns apoios complementares muitos dos que podiam preencher estes postos de trabalho onde falta gente. Mas o facto é que se calhar não compensa mesmo ir trabalhar, deixando um subsídio ao nível da subsistência para ir receber um salário ao mesmo nível, que implicará por sua vez despesas que quem está em casa não tem, sobretudo se houver filhos pequenos, ou se se perderem apoios especiais à situação de desemprego porque se passa à nobre condição de empregado, hoje em dia considerado um privilégio.
Não digo isto para concluir que os subsídios são errados ou que as pessoas são preguiçosas ou abusadoras, acredito realmente que a maioria dessas pessoas gostaria mais de ter uma profissão, de se sentir produtivas e de receber o seu salário ao fim do mês em vez de sentir o lento passar das horas ociosas, se calhar ainda mais duras nas grandes cidades mas certamente mais humilhantes onde todos se conhecem.
O que é triste é que os níveis de subsistência coincidam em tantos casos com uma remuneração de trabalho, ao ponto de ser desumano pagar ainda menos a quem tem que subsistir no desemprego. Ou, como ouvi a um empresário que leva o seu negócio direitinho, que seja mais fácil ser trapalhão e mau pagador do que ser cumpridor e ter êxito, pois neste caso não há exigência que não lhe façam, enquanto dos outros todos têm pena.
Diabo de contradições, que distorcem um País de gente lutadora num País de vítimas.
Tenho encontrado a tradução prática desta imagem em inúmeras situações de pequenos empresários e comerciantes que se queixam de que têm dificuldade em encontrar quem “queira trabalhar”, em muitas regiões onde os centros de emprego estão a abarrotar de desempregados há anúncios colados às vitrinas “procura-se empregado/a”, nos campos não há quem apanhe azeitona ou pode as videiras, nas fábricas os turnos reduzem-se e o trabalho ao fim de semana é demasiado caro, não há quem aceite por menos. Ao mesmo tempo, é já grande o coro dos que criticam um modelo de sociedade que permite que fiquem a receber subsídio de desemprego e alguns apoios complementares muitos dos que podiam preencher estes postos de trabalho onde falta gente. Mas o facto é que se calhar não compensa mesmo ir trabalhar, deixando um subsídio ao nível da subsistência para ir receber um salário ao mesmo nível, que implicará por sua vez despesas que quem está em casa não tem, sobretudo se houver filhos pequenos, ou se se perderem apoios especiais à situação de desemprego porque se passa à nobre condição de empregado, hoje em dia considerado um privilégio.
Não digo isto para concluir que os subsídios são errados ou que as pessoas são preguiçosas ou abusadoras, acredito realmente que a maioria dessas pessoas gostaria mais de ter uma profissão, de se sentir produtivas e de receber o seu salário ao fim do mês em vez de sentir o lento passar das horas ociosas, se calhar ainda mais duras nas grandes cidades mas certamente mais humilhantes onde todos se conhecem.
O que é triste é que os níveis de subsistência coincidam em tantos casos com uma remuneração de trabalho, ao ponto de ser desumano pagar ainda menos a quem tem que subsistir no desemprego. Ou, como ouvi a um empresário que leva o seu negócio direitinho, que seja mais fácil ser trapalhão e mau pagador do que ser cumpridor e ter êxito, pois neste caso não há exigência que não lhe façam, enquanto dos outros todos têm pena.
Diabo de contradições, que distorcem um País de gente lutadora num País de vítimas.
9 comentários:
Alguns são abusadores, sim! Para além dos nativos do país, muitos imigrantes, e à semelhança do que acontece noutros países que abriram as portas à imigração, usam e abusam do sistema.
Por outro lado, os emigrantes vão fazer, no estrangeiro, o trabalho que os nativos não querem fazer. Os imigrantes (em Portugal e aqueles que vieram para trabalhar), idem! E alguns sujeitam-se, ainda por cima, a serem explorados, a ganhar um salário inferior ao mínimo.
Os desempregados que recebem subsídio deverão mostrar provas que andam à procura de emprego. Também compreendo que “trabalhar só para aquecer” não valerá a pena para alguns. Mas o incentivo para o fazer por parte do patronato em termos de possibilidades futuras compensadoras não existe.
Mas penso que se não têm a possibilidade, a certa altura, de encontrar um emprego compatível com as suas habilitações, não se devem sentir humilhados por tentar desempenhar outras funções. Conheço jovens – poucos felizmente – que acabaram os seus estudos pós-secundários e não querem trabalhar “em qualquer coisa”. Como não têm bens pessoais... vivem à custa dos papás! E não se sentem humilhados! Não compreendo!
Nas poucas áreas turísticas que conheço vejo muitos “Consultores Especialistas em Logísticas Alimentares” brasileiros ou de países do leste, tal como vi jovens a venderem gelados no Parque das Nações de origem brasileira [desconheço a nova terminologia para estes :) ], “empregadas auxiliares de apoio doméstico”, etc etc.
E pensar ao que estão sujeitos os portugueses que têm que emigrar quer seja para os países vizinhos quer seja para os que ficam para lá do oceano! Não creio que os “imigrantes” que chegam a Portugal passem pelas mesmas vicissitudes.. Admito, todavia, a hipótese de estar errada!
Talvez o trabalho, hoje em dia, já não seja dignificante!
Claro que há muitos abusadores, catarina, basta ouvir os relatos de quem precisa de empregados, sobretudo no pequeno comércio, para conhecer imensas histórias.Mas acontece que o subsídio de desemprego se tornou "competitivo" com esses postos de trabalho que muitos imigrantes ocupam agora, até porque muitos deles partilham casas, estão cá sem família ou os níveis de vida nos países de origem se satisfazem com pequenas mesadas.Ao mesmo tempo esses trabalhos perderam "dignidade" aos olhos da nossa sociedade, enquanto na Europa os jovens que servem à mesa ao fim da tarde, nos bares e restaurantes, não têm vergonha nenhuma de o fazer nem são criticados, eles e os pais, como acontece cá.Mesmo os universitários, ou sobretudo esses, arranjam esses biscates para pagar as suas despesas e são muito mal vistos se o não fizerem, por cá tornámo-nos pretensiosos e não queremos os nossos meninos a fazer isso. Mas a verdade é que se for um trabalho voluntário eles dedicam-se com toda a energia, seja lá o que for, o que é muito interessante, isso significa que é mesmo a consideração social e não a preguiça ou o orgulho que está em causa. Se calhar o problema é nosso, dos adultos, e não dos nossos jovens.
É verdade cara Drª Suzana, Portugal é um país de contradições, porque contraditórias são as gentes que o habitam.
Resta-nos uma consolação; Que a "profecia" de José Rodrigues dos Santos, sussurrada no seu «Furia Divina» se realize e voltemos a ter ensejo de provar a nossa valentia e patriotismo, lutando pela nossa independência, quando aquela rapaziada muçulmana quiser retomar os territórios lusos, que Ala lhes disse pertencer-lhes.
Mas, voltando um pouco atrás e relembrando a nossa história, percebemos o que deu origem por exemplo ao assassinato de Catarina Eufemia em terras Baleizoeiras. Este "desentendimento" ancestral entre patrões e empregados, o eterno braço-de-ferro que leva ao confronto entre duas forças que se unidas num objectivo comum, resultaria sem a menor ponta de dúvida na verdadeira prosperança comum.
Cara Suzana
Conhecedor do mercado de trabalho e do IEFP posso dizer-lhe que o drama é termos um país onde se quer pagar o trabalho abaixo da subsistência.
O drama é termos um país de uma tal desigualdade que de facto não compensa trabalhar por 400 ou 500€. Ou não temos todos consciência que um trabalho por esta verba é um não trabalho, uma esmola?
Dá que pensar:
Anota-se positivamente o apoio de 0,5% do lucro anual da Jerónimo Martins à Madeira. Anota-se também por parte da Jerónimo Martins a criação da fundação Soares dos Santos.
O que se anota, também, e já negativamente, e entristece, é como um grupo de abastecimento de bens para consumo tem estes lucros escandalosos, independentemente da sua putativa boa gestão, pelo que das duas uma:
1) ou a concorrência no mercado deixa muito a desejar;
ou a Jerónimo Martins paga aos seus colaboradores muito abaixo daquilo que podia, devia pagar e era sua obrigação social.
É que cada vez mais as empresas só deviam ser detidas por quem lhes imprima uma verdadeira consciência social e uma utilidade para o tecido social geral. Tudo o resto é passado, tudo o resto fará com que a coesão social seja um regresso ao pior do homem e ao individualismo mais liberal.
Afinal para que servem lucros escandalosos, que fazem todos os consumidores pagar bens de consumo mais caros, o esmagamento dos preços aos produtores e que dão aos detentores da "marca" uma vida faustosa por muitas e variadas gerações?
É esta sociedade de regresso ao passado, arcaica, de desigualdade radical e promiscuidade que queremos para os nossos filhos?
Parece que é, mas depois não se queixem quando regressarem os colectivismos desregrados e as formas mais fundamentalistas!
Cara Suzana Toscano
Nem de propósito, aqui está um exemplo claro da incompetência dos nossos políticos, do baixo grau de exigência do nosso eleitorado, baixa solidariedade social e péssimo aparelho de estado.
A situação que descreve o desempregado ou no RSI recebe mais de subsídio do que se recebesse salário ou o rendimento marginal que aufere é superior ao que receberia líquido se recebesse um salário.
Qualquer estado moderno e educado calcularia a diferença entre o rendimento que o desempregado recebe de subsídio ou de RSI e o que aufere de salário e suportaria a diferença.
Principais efeitos directos: aumentava o emprego, diminuia a pobreza, apoiaria as empresas e dimimuiria o custo orçamental das medidas sociais.
Como não se faz nada disso, a solução que está em vigor onera o orçamento, sobrecarrega os serviços com inspecções e controles, cria um espaço para uma qualquer ONG a tempo inteiro ou parcial, poder actuar, alimenta a indignação educada e da outra e cria as condições para a manutenção da pobreza.
Os nossos políticos são incompetentes porque não encontram soluções alternativas, o nosso eleitorado perora contra mas não se insurge; à sociedade aqueçe mais o coração com a caridadezinha do RSI ou do subsídio e os serviços do estado não estão à altura para oferecer um serviço mais eficaz, eficiente, socialmente mais justo e mais barato.
Cumprimentos
joão
Cara Suzana
Gostava de ter sido eu a "postar" este texto, de tal forma traduz o que me vai na alma, sendo que no meu caso seria como observadora atenta da n/ realidade e simultaneamente agente (da passiva) dessa mesma realidade!
Congratulo-me entretanto por constatar que apesar da cara Suzana, não sentir isso na pele, porque a sua condição social e profissional nunca a projectará para essa margem social, tem o discernimento para o fazer com justiça. Pois só quem passa por essa situação de ser marginalizado pela idade, quando retorna ao mercado de trabalho, (depois de ter tido uma profissão com uma remuneração adequada, no passado) só essa pessoas podem ter uma visão clara e sem demagogias, entretanto a Suzana conseguiu-o e isso prova que é uma pessoa de bem...
Suzana
As suas lógicas e contradições têm muito que se lhe diga e suscitam muitas reflexões. Como não posso ir a todas, deixo aqui um apontamento a propósito da inconveniência de trabalhar e da conveniência de não trabalhar.
Que incentivo tem um desempregado para aceitar um trabalho, muitas vezes precário, que lhe poderá trazer problemas no acesso posterior ao subsídio de desemprego se de novo regressar à situação de desempregado, se a remuneração em causa é inferior ao subsídio de desemprego que aufere? Muitas vezes está também em causa um trabalho insuficientemente qualificado face às competências profissionais do desempregado. A taxa de aceitação desse trabalho tenderá, no entanto, a aumentar à medida que se vai aproximando a data de cessação do direito ao subsídio de desemprego.
Há uns meses uma arquitecta, filha de um casal amigo, perdeu o emprego. Agora está a receber o subsídio de desemprego pelo montante máximo que está fixado para esta prestação social (três vezes a remuneração mínima mensal). Numa das muitas deslocações ao Centro de Emprego foi-lhe apresentada uma proposta de trabalho numa câmara municipal do distrito de Lisboa, com contrato a prazo, para funções de desenhadora. A remuneração oferecida era metade do montante do subsídio de desemprego. A arquitecta fez contas à vida e chegou à conclusão que em termos de rendimento e organização familiar ficaria pior se fosse trabalhar para o gabinete de projecto da dita câmara municipal. Arranjou maneira de não aceitar a oferta de emprego. Estava dado o incentivo económico para, por agora, viver com o subsídio de desemprego esperando por melhores dias.
Numa fase de depressão económica, as condições remuneratórias de novos empregos, salvo raras excepções, tendem a ser menos atractivas porque as empresas querem proteger a sua viabilidade económica, actuando nos custos, e/ou querem aproveitar o excesso de oferta de trabalho para contratarem mais barato. E fazem-no, não raras vezes, numa lógica irresponsável que é merecidamente criticável. A situação é tão difícil para muitos desempregados, parte deles à beira de deixarem de ter acesso ao subsídio de desemprego, que acabam mesmo por aceitar qualquer coisa.
Caro Bartolomeu, há certamente muitos empregados e muitos patrões que agem assim, mas infelizmente não são esses os exemplos que estão na moda.
caro Maioria silenciosa, é muito interessante essa perspectiva da responsabilidade social, como se fosse um "caso à parte" dentro do comportamento natural de uma empresa e um "tema" que pode ser tratado independentemente do resto. ouvi há tempos um professor de uma Universidade espanhola, um homem católico praticante como fez questão de sublinhar, que fez uma intervenção arrasadora sobre essa autonomia de actividades. Mas acabamos por ter que reconhecer que mais vale assim que coisa nenhuma, não é?
Caro João, o meu primeiro impulso é concordar consigo, de resto acho que em teoria tem mesmo toda a razão. Mas a minha "costela política" levou-me a pensar na sugestão que dá. a de o Estado contribuir com a diferença de salário e que tenho ideia de já ter sido proposta há pouco tempo embora não me lembre dos detalhes. O que me pergunto é como é que isso se pode pôr em prática, como é que se há-de avaliar quais são as empresas a quem se pode dar esse apoio directo e quais é que não são, além da óbvia distorção da concorrência que tal significaria. Um problema semelhante foi recentemente apontado à redução das contribuições em função da natureza do trabalho e ao pagamento dos salários de jovens no primeiro emprego, o que faria com que as empresas optassem por esse tipo de contratos e os substituissem mal acabassem os benefícios. É muito mais fácil apoiar uma pessoa que uma empresa, o resto terá que ser inspecção, gigantesca e ineficiente, como diz, mas também falta cvensura social a esses comportamentos abusivos, somos muito complacentes e o xico espertismo é mesmo um jeito nacional.
Cara Fenix, nunca ninguém sabe o que o futuro nos reserva e além disso encontramos sempre quem esteja melhor ou pior, é por isso que nunca se deve desdenhar de quem está em dificuldades nem ser arrogante quando se pensa que se possui alguma coisa.Olhar à nossa volta e ver é uma forma de aprendizagem e crescimento, de apuramento do sentido de justiça também,quem se interessa pela participação política é permanentemente confrontado com os efeitos das decisões e deve aprender a avaliá-las com a objectividade possível. Trocar ideias com outras pessoas, como aqui fazemos, é uma fonte excelente para testarmos essas apreciações. Muito obrigada pelo seu comentário baseado na sua vivência pessoal.
Margarida, oiço histórias como essa imensas vezes e é uma dificuldade responder a um jovem que nos confronta com esses factos...
Caro Paulo, fala com a frontalidade de quem conhece e vive fora da nossa ladainha de lamúrias, concordo consigo quando diz que nos habituámos a esperar sem pensar no que temos que retribuir, por um lado o trabalho é um "direito", por outro a remuneração é uma "dádiva", dividimos a nossa sociedade sumariamente entre "privilegiados" e "coitadinhos" e alimentamo-nos desse antagonismo absurdo talvez porque conforma a maioria. No entanto, cada portugues que vai para fora percebe logo qual é o absurdo que aqui se instalou, deixam de se sentir "atrofiados", para usar uma expressão de uma jovem que também se foi embora. Mas como sair deste círculo deprimente, será que é mesmo esta a nossa mentalidade??
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