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quarta-feira, 10 de março de 2010

O resumo do PEC… perdão, do PE: brincar com o fogo

Na passada segunda-feira, o Governo tornou público o que deveria ser o resumo da actualização do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) 2010-2013. E digo deveria ser porque este resumo é pouco mais do que uma carta de (boas?...) intenções. Que, devido à ausência de quantificação, deixa muito a desejar.

Enfim, enquanto aguardamos pela versão completa deste PEC, vale a pena deixar, aqui, dez breves notas:

  1. Entre 2010 e 2013, de acordo com o Governo, o défice será reduzido em 5.5 pontos percentuais do PIB, para 2.8%.
  2. De acordo com cálculos provisórios, e repetindo o erro cometido em ajustamentos passados (que acabaram mal, como ilustra a situação por que estamos a passar), mais de metade desta descida do défice (2.8 pontos percentuais) vem do lado da receita.
  3. O aumento de impostos e da carga fiscal é uma realidade. Mentiu, assim, o Governo, pela voz do Primeiro-Ministro e do Ministro das Finanças, quando garantiu que tal não sucederia. Mas a verdade é que foram reduzidos benefícios deduções fiscais (que apanham mais de 3.5 milhões de contribuintes, começando por aqueles que auferem mais de EUR 7250 por ano, isto é, menos de EUR 600 por mês (!)), foi criado um escalão adicional de IRS (45% a partir de EUR 150 mil por ano), os pensionistas com reformas superiores a EUR 1500 por mês serão mais tributados (por redução da dedução específica), as mais-valias bolsistas serão mais tributadas (e Portugal ficará com um regime menos favorável do que, por exemplo, a nossa vizinha Espanha, o que afugentará investidores e tornará o nosso mercado ainda mais periférico e ilíquido).
  4. Perante tudo o que descrevi no ponto anterior, é inqualificável ouvir o Primeiro-Ministro dizer que não há aumento de impostos (que era, aliás, a última coisa que uma sociedade fiscalmente sufocada como a nossa precisava). Por quem nos tomará a todos, por tolos?!...
  5. Do lado da despesa, mais não se vê do que um conjunto de (boas) intenções, mas tudo em geral muito genérico e… nada quantificado. Exemplos?... “Contenção salarial” e “redução e racionalização de despesas de funcionamento correntes”. Velhos chavões conhecidos… e que muito necessitam de ser esmiuçados, como agora muito se diz.
  6. E que dizer do adiamento das linhas de alta velocidade Lisboa-Porto e Porto-Vigo?... Lembram-se da última campanha eleitoral?... Pois é… quem é que, na altura, falou verdade aos portugueses, dizendo-lhes, preto no branco, que não dispúnhamos de recursos para realizar todos aqueles mega-projectos de investimento?!...
  7. As trafulhices com o valor das despesas com pessoal das Administrações Públicas continuam, por culpa exclusiva do Governo que, unilateralmente, e sem consultar o INE e o Eurostat, resolveu, desde 2009, alterar a metodologia de cálculo desta rubrica da despesa, reduzindo o seu valor face ao PIB em mais de 2 pontos percentuais (mais de EUR 3.5 mil milhões). Coisa pouca, portanto!… Sem assegurar a comparabilidade com os anos anteriores a 2009. Inconcebível. Mas o ridículo é que, neste resumo de 9 páginas, que fruto de Portugal estar sob apertado escrutínio a nível internacional, será visto e analisado à lupa por toda a gente, em duas páginas diferentes, o Governo apresenta valores diferentes das despesas com pessoal de 2008 (de acordo com a “sua” metodologia, e de acordo com a oficial, do INE e Eurostat)… Já agora, podiam ter tido mais cuidado, não?... Bela forma de minar a credibilidade de Portugal…
  8. Ausência total de opções de política viradas para a competitividade da nossa economia e o aumento de produtividade, que tão pelas ruas da amargura andam…
  9. Não surpreende, assim, que este Programa revele o pior crescimento económico da Zona Euro (e um dos piores da União Europeia) até 2013. Um cenário macroeconómico que, infelizmente, considero realista. Mas que mostra como este Programa é de Estabilidade – não de Crescimento.
  10. É indispensável conhecermos o documento completo. O que só deverá acontecer na próxima segunda-feira, dia 15 de Março. Tarde. Muito tarde. Até porque já foram conhecidos os PEC de Irlanda e Grécia, que tiveram apreciações globais favoráveis… Basta, aliás, comparar a dureza das suas medidas do lado da despesa com esta nossa insuficiente “carta de intenções” para se perceber como o Governo está a brincar com o fogo. Oxalá o conhecimento do Programa completo permita outra leitura…

4 comentários:

Bartolomeu disse...

Sou de opinião que a previsão do fim do mundo, profetizada para o ano de 2000, se concretizou.
Neste momento das duas, uma.
Ou existimos num mundo paralelo (nada que Einstein, não tivesse aventado). Ou no preciso momento em que o mundo acabou, a nossa programação cerebral, auto-bloqueou-se e passámos a viver uma fantasia, um sonho.... lindo, lindo, vai ser o despertar.

Adriano Volframista disse...

Miguel Frasquilho

Estando, genericamente, de acordo com o seu post, aproveito para lhe fazer uma sugestão: quando obtiver a versão portuguesa do PEC, peça também uma versão inglesa do mesmo; isto é só para comparar versões....não vá algo "perder-se" na tradução

Cumprimentos
joão

Manuel Brás disse...

A sociedade sufocada
pelos impostos devoradores
sente a carteira atacada
por políticos esbanjadores.

Num programa comedido
por falta de crescimento
parece ficar perdido
o nosso entendimento.

Neste programa brincalhão
atestado de intenções
o afamado mexilhão
é o alvo das coacções.

Tonibler disse...

Miguel,

"Ausência total de opções de política viradas para a competitividade da nossa economia e o aumento de produtividade, que tão pelas ruas da amargura andam…"

Está bom assim, não quero opções viradas para a competitividade. Quero a mais completa ausência de opções. Muito obrigado, mas as opções ficam para quem as sabe tomar, eu.