Do livro, “Jerusalém, ida e volta”, de Saul Bellow, ficou-me uma passagem, por acaso a inicial, em que o autor, numa viagem de avião rumo a Israel, travou conhecimento e teve como companheiro um hasside, um daqueles judeus que usam chapéus estranhos, cachos de cabelo e franjas. O jovem pediu-lhe que se sentasse entre ele e a mulher do escritor, porque as suas regras não lhe permitiam sentar-se ao lado de mulheres. A bizarria comportamental não ficou por aqui. Bellow pediu comida kosher por causa do seu companheiro. Como não havia em quantidade suficiente para tantos fundamentalistas, quis atirar-se ao frango, que a hospedeira, displicentemente, lhe tinha posto à sua frente, porque a fome apertava. O ortodoxo não lhe permitiu que comesse aquela “coisa”, e chegou a ponto de lhe oferecer quinze dólares por semana se renunciasse à comida não kosher para o resto da vida. Como a comida kosher é cara, Bellow testou o indígena, levando o missionário aparvalhado com o espírito religioso a subir para os vinte e cinco dólares. Mas o que me deu vontade de rir foi quando Bellow lhe respondeu à pergunta sobre o que fazia a mulher: - Professora na Universidade Hebraica. – “O que é que ela faz?”. O escritor respondeu-lhe que era matemática. Desconcertado perguntou-lhe o que era ser-se matemática. Nunca tinha ouvido falar, assim como, também, não sabia o que era física e nem quem tinha sido Einstein! Só sabia daquelas gaitas religiosas, já que se julgam representantes, embaixadores, lacaios ou privilegiados de Deus.
Tive oportunidade de os ver na cidade dos conflitos, há muitos anos, e de ouvir os comentários jocosos de muitos dos seus compatriotas. No entanto, têm força e condicionam a vida social através das suas leis e interpretações. Puros representantes de uma forma de ser que me enoja e preocupa imenso, mas que não se esgota no judaísmo, porque nas outras religiões também existem os respetivos equivalentes.
Recordei-me do livro e da minha viagem quando li uma notícia em que os rabinos de Israel condenaram um cão à morte por apedrejamento! “O animal era acusado de ser a reencarnação de um advogado que há 20 anos havia insultado os rabinos. O cão conseguiu fugir”, diz a notícia. Graças a Deus! A história começa quando um cão entrou no tribunal rabínico de um bairro ultraortodoxo, em Jerusalém. O animal assustou as pessoas e não queria sair, o que levou um daqueles pataratas de canudos no cabelo a lembrar-se de uma praga lançada pelos juízes sobre um advogado desejando que o seu espírito mudasse para um corpo de cão, animal considerado impuro no judaísmo tradicional. Vale a pena ler a notícia. E, ainda por cima, competiria às crianças apedrejar o animal.
Como é possível um comportamento destes? Não deveria ser tolerado por ninguém, sobretudo pelas autoridades. Não há dúvida que por detrás das religiões se escondem muitas coisas, não só o gozo de uma imunidade obscena, mas, também, a vontade de apedrejar quem quer que seja, cão ou ser humano.
Por último, por causa do cão “judeu” - fiquei muito satisfeito por ter conseguido fugir -, recordei-me de outro; “luso”, triste, escanzelado, meio tinhoso, que, durante algum tempo, andou para as bandas da universidade e tinha o hábito de entrar com uma atitude aristocrática na sala dos Capelos. Deitava-se silenciosamente na teia e aí permanecia até ao final das provas. A primeira vez que vi esta cena fiquei perplexo, mas ninguém se importou. Cheguei a pensar que poderia ter algum eventual laço com o candidato, mas não, porque a cena repetiu-se mais vezes, não sei quantas. A certa altura, começava a olhar para a porta a ver se ele entrava ou não. Entrava, sim senhor, um pouco atrasado, mas entrava com o tal ar doutoral. Só lhe faltava a borla e o capelo. Às tantas pensei: - Quem sabe se não é alguém que não chegou a fazer o doutoramento, e agora aparece reencarnado no animal.
Um dia desapareceu, mas não foi por ter sido ameaçado de apedrejamento. Vida de cão!
Ainda hoje recordo aquelas cenas caninas doutorais, com muitas saudades.
Tive oportunidade de os ver na cidade dos conflitos, há muitos anos, e de ouvir os comentários jocosos de muitos dos seus compatriotas. No entanto, têm força e condicionam a vida social através das suas leis e interpretações. Puros representantes de uma forma de ser que me enoja e preocupa imenso, mas que não se esgota no judaísmo, porque nas outras religiões também existem os respetivos equivalentes.
Recordei-me do livro e da minha viagem quando li uma notícia em que os rabinos de Israel condenaram um cão à morte por apedrejamento! “O animal era acusado de ser a reencarnação de um advogado que há 20 anos havia insultado os rabinos. O cão conseguiu fugir”, diz a notícia. Graças a Deus! A história começa quando um cão entrou no tribunal rabínico de um bairro ultraortodoxo, em Jerusalém. O animal assustou as pessoas e não queria sair, o que levou um daqueles pataratas de canudos no cabelo a lembrar-se de uma praga lançada pelos juízes sobre um advogado desejando que o seu espírito mudasse para um corpo de cão, animal considerado impuro no judaísmo tradicional. Vale a pena ler a notícia. E, ainda por cima, competiria às crianças apedrejar o animal.
Como é possível um comportamento destes? Não deveria ser tolerado por ninguém, sobretudo pelas autoridades. Não há dúvida que por detrás das religiões se escondem muitas coisas, não só o gozo de uma imunidade obscena, mas, também, a vontade de apedrejar quem quer que seja, cão ou ser humano.
Por último, por causa do cão “judeu” - fiquei muito satisfeito por ter conseguido fugir -, recordei-me de outro; “luso”, triste, escanzelado, meio tinhoso, que, durante algum tempo, andou para as bandas da universidade e tinha o hábito de entrar com uma atitude aristocrática na sala dos Capelos. Deitava-se silenciosamente na teia e aí permanecia até ao final das provas. A primeira vez que vi esta cena fiquei perplexo, mas ninguém se importou. Cheguei a pensar que poderia ter algum eventual laço com o candidato, mas não, porque a cena repetiu-se mais vezes, não sei quantas. A certa altura, começava a olhar para a porta a ver se ele entrava ou não. Entrava, sim senhor, um pouco atrasado, mas entrava com o tal ar doutoral. Só lhe faltava a borla e o capelo. Às tantas pensei: - Quem sabe se não é alguém que não chegou a fazer o doutoramento, e agora aparece reencarnado no animal.
Um dia desapareceu, mas não foi por ter sido ameaçado de apedrejamento. Vida de cão!
Ainda hoje recordo aquelas cenas caninas doutorais, com muitas saudades.
2 comentários:
Uma reflexão sobre religião, escrita, pessoas más e cães bons - gostei muito. Devia felicitar o autor e ficar por aqui. Mas não resisto a recomendar, com a autoridade que não tenho, um livrinho de Louis de Bernières, editado há pouco, O Cão Vermelho. Quem tiver gostado do tom leve deste post apreciará o livro.
Manuel Alegre, escreveu "Cão como nós", um livro que descreve a relação que o escritor e a família mantiveram com o Kurika, um Epagneul Bretão com quem me cruzei diversas vezes, vários anos, na Foz do Arelho, quando estava de férias numa casa ao lado da do escritor.
“Sei muito bem que as pessoas saem dos retratos, sei isso desde pequeno, ma tu não, estás proibido de voltar a fazer o que fizeste esta noite, não posso entrar na sala e ver outra vez a tua moldura vazia.”
No livro, Manuel Alegre menciona a estranheza da relação sensorial com o seu cão e o convencimento de que o animal se considerava um membro da família.
Actualmente, tenho 6 animais dessa espécie e uma teoria acerca dessas relações que se establece entre animais e humanos:os bichos têm cada um a sua personalidade. (estranho... este termo deveria ser empregue somente em relação a seres racionais; o termo tem origem na palavra latina persona, que significa, máscara, actor).
;)
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