O caso é recente e suficientemente conhecido de todos: num teste da disciplina de Investigação Criminal e Gestão do Inquérito, de “cruzinhas” (escolha múltipla) – o que, para o caso, é irrelevante – foram identificados, durante a correcção, fortes indícios de cópia entre a maioria dos quase 140 candidatos a juízes ou procuradores que, para lá chegarem, frequentam o Centro de Estudos Judiciários (CEJ). Perante este cenário, e dado que ninguém foi apanhado em flagrante delito durante a referida prova, a Direcção desta instituição decidiu anulá-la e atribuir a classificação mínima (10 valores) a todos os alunos. Porque, de acordo com o que foi tornado público, dada a proximidade do fim do ano lectivo e a existência de outros exames já marcados, era impossível encontrar uma data para repetir o teste.
Veio depois o Conselho Pedagógico do mesmo CEJ, a quem coube ter a última palavra sobre o assunto, emendar a decisão da Direcção e ordenar a repetição desta prova (recomendando, igualmente, outro método de avaliação que não um teste de “cruzinhas”) – mas a verdade é que o mal já estava feito, e os danos causados foram muitos, graves e são, infelizmente, um triste espelho do nosso país em duas áreas tão fulcrais como a Justiça e a Educação.
Comecemos pela Educação. E comecemos, também, por nos entender: prevaricadores sempre existiram e existirão. Em todas as áreas e sectores da sociedade, desde os mais novos aos mais velhos – o que não se pode é pactuar com eles. É por isso que, quanto a mim, é incompreensível, inadmissível e intolerável a solução admitida pela direcção do CEJ. Que é o paradigma da cultura do “eduquês”, do facilitismo, do fechar os olhos ao que se passou – e também de não se punir os infractores, de não se desincentivar situações semelhantes no futuro, enfim, o oposto do que devia ser a cultura do mérito, da excelência e da justiça. Cabe na cabeça de alguém a justificação de não haver datas disponíveis para repetir o exame?!... Pois se a situação era de transgressão, a tarde ou a manhã de um dia em que existisse já uma prova de outra disciplina parece-me ser mais do que adequada para a repetição… E a justificação que a classificação de 10 valores é uma sanção, uma vez que os futuros magistrados costumam sair do CEJ com uma média entre 13 e 14 valores?!... De bradar aos céus – porque a verdade é que, com classificação melhor ou pior, seriam aprovados e, no futuro, terão atingido o seu objectivo: chegar a juízes!... Já agora: quantos candidatos teriam reprovado nesta disciplina sem esta estapafúrdia decisão?!... Já sei que me irão argumentar com os que não prevaricaram – e que, evidentemente, terão existido também neste caso. Quanto a esses, e na impossibilidade de distinguir, pelos correctores da prova, os que realmente copiaram dos que não o fizeram, estou certo que não terão qualquer problema a submeter-se a nova avaliação. E em chamar à razão os colegas transgressores (que, certamente, não será difícil identificar), mostrando-lhes a sua revolta e indignação perante o sucedido.
Se a qualificação dos recursos humanos é o factor primordial de sucesso e de desenvolvimento sustentado num país, região ou sociedade, está tudo dito sobre o caminho que trilhamos em Portugal com posturas deste género...
E se esta premissa é verdadeira em geral, ainda o é mais num sector como a Justiça que é, reconhecidamente uma das áreas que pior funciona em Portugal, constituindo-se como outro dos principais entraves e custos de contexto que impedem o normal desenvolvimento da sociedade, o dinamismo da economia e do investimento, enfim, a evolução e o progresso. São muitas as situações em que, reconhecidamente, o sistema judicial não andou bem, foi (muito) lento, e em que se pode mesmo concluir que… não foi feita justiça.
Ora, com decisões como a que foi tomada em primeira instância pela Direcção do CEJ, que tipo de juízes estamos a formar para avaliarem o melhor possível os casos que lhes chegarão às mãos no futuro?... Alguém pode ficar tranquilo sabendo que os juízes de amanhã poderão estar a ser formados sem rigor e sem disciplina?!... Será desta forma que se pode aumentar a confiança na nossa justiça e, no caso específico, nos nossos tribunais?... E a imagem e reputação do CEJ?... Ao invés de este Centro ser associado ao rigor, à rectidão e à excelência, ficará, aos olhos de todos os Portugueses sob suspeita (dada a imensa – e justa – cobertura noticiosa que este escandaloso caso mereceu) … Do pior que lhe podia ter acontecido.
Enquanto a mentalidade que presidiu à decisão que foi tomada pela Direcção do CEJ (que teve que ser corrigida) não for combatida e erradicada do nosso País, nada nos valerá: apenas o fracasso nos espera. Foi, por isso, positivo ver a onde geral de indignação que se levantou com este deplorável episódio, tendo avultado as reacções do Bastonário da Ordem dos Advogados e da Associação Sindical dos Juízes Portugueses lamentando e criticando a solução que tinha sido encontrada em primeira instância. E contribuindo para que o Conselho Pedagógico do mesmo CEJ tenha corrigido a decisão antes tomada (e era o que mais faltava que não o fizesse – estaríamos, autenticamente, na República das Bananas!...).
Neste contexto, não consigo mesmo é perceber a razão da primeira decisão (da Direcção do CEJ). Não terão tido consciência da dimensão do erro que iriam cometer e dos danos que iriam causar?!... Não devem ter tido, porque só depois da decisão do Conselho Pedagógico, corrigindo a sentença inicial, a Directora do CEJ decidiu demitir-se. Tudo demasiado lamentável para ser verdade: claramente, um exemplo que toda a sociedade Portuguesa sem excepção só terá a ganhar se não copiar.
Nota: Este texto foi publicado no jornal Sol e Junho 24, 2011.
5 comentários:
Caro DR. Miguel Frasquilho, também não me parece que a decisão tomada pela Direcção do CEJ, não terá sido adequada; porque:1º- o facto de ter havido suspeitas de "copianço"... as suspeitas não foram confirmadas sem margem para dúvidas, mantendo-se na qualidade de suspeitas até à decisão da classificação mínima. 2º- o facto de "parecer" ter havido "copianço", não é sinónimo de que todos os 140 candidatos, "pareça" terem copiado, o que torna o castigo abusivo. 3º- Sobretudo porque o caso decorre numa instituição de justiça, seria no mínimo esperável que ao caso fosse levantado um inquérito e não tivesse havido decisão, sem que fossem reunidas provas e apuradas culpas. 4º- A decisão do Conselho Pedagógico parece-me acertada, desde que somente aplicada àqueles que realmente copiaram, caso se provasse ter havido "copianço" e em simultâneo, após serem reavaliados e reclassificados, os testes daqueles sobre quem recaíu uma culpa infundada e injusta.
Para finalizar, caro Doutor... sou sempre céptico relativamente à questão do "exemplo". Ela conduz sempre o meu pensamento para o virtuosísmo, a obdiência e a prepotência. Do meu ponto de vista, o "exemplo" é algo que tem de ser aceite voluntáriamente e não pode ser, como começa a ser "moda", uma quase imposição (dê-se-lhe tempo). Se este modelo social pega e ganha força, em pouco tempo, veremos a nossa sociedade impregnada de profetas do exemplo, cada um com o seu, cada um, a exaltar os restantes para que o sigam.
Caro MF,
Eu compreendo o seu texto, a sério que sim, mas não posso deixar de colocar uma pergunta bastante cretina:
Se o formato do teste era de escolha múltipla, como é que há fortes indícios de copianço? Em última análise as respostas teriam sempre de corresponder às da matriz e mesmo que 140 candidatos (em 140), tivessem falhado - exactamente - na resposta às mesmas questões, podemos colocar a possibilidade de as perguntas estarem mal elaboradas, por exemplo.
Não me entendam mal pois não pretendo minimizar o sucedido, mas eu também trabalho com avaliações e há muitas coisas que devem ser tidas em consideração quando emitimos um parecer acerca das mesmas.
Por outro lado eu acho sempre uma enorme graça à conversa do mérito, da excelência e de como nós - portugueses - sucumbimos à cultura do facilitismo. Ora, isto é tudo muito bonito mas, extraordinariamente, hipócrita.
Na cultura do mérito e da excelência, uma das premissas fundamentais é a confiança, a valorização da mesma e a sua reciprocidade. Isto não existe em Portugal (nem nas escolas, nem em lado nenhum). Em Portugal a avaliação tem sempre uma conotação sancionatória e a pergunta é: Como é que querem construir uma cultura em torno de algo cujo objectivo é sancionar? Ficou tudo doido de repente foi? Alguém, no seu juízo perfeito, gosta de ser sancionado?
Uma das melhores formas que existe para estabelecer uma relação de confiança entre avaliador/avaliado é justificar - por escrito - todas as avaliações (tipo SWOT) e dar esse "feedback" às pessoas (quer perguntem, quer não perguntem). As pessoas têm o direito de saber porque é que o A foi bem sucedido e o B não, e ainda, devem saber a priori quais são os critérios utilizados na avaliação (para cada uma das questões). Nota: aqui estamos apenas a falar de pessoas adultas, porque explicar a avaliação, e os objectivos da mesma, a um jovem e a uma criança tem de ser feito de uma forma completamente diferente, dado que não é - nem pode ser - esperado que compreendam o tipo de linguagem utilizada quando os destinatários são o público adulto.
Finalmente, não pode haver confiança num modelo que premeia aqueles que não cumprem as regras estabelecidas. Logo, como em Portugal tudo gira em torno disto, é um bocado hipócrita falar-se em mérito e excelência uma vez que o reconhecimento dos mesmos é feito em função do incumprimento.
Toda esta indignação tem-me deixado, deveras surpreendido, se o facilitismo obrigatório por Lei existe há mais de vinte anos no ensino não superior e há mais de 10 em grande parte do ensino superior, estavmos à espera do quê? De um milagre?
Ora meu caro Fartinho, se fosse só aí!
Já reparou como está instalado em todo o lado? Aliás, se pensar bem é também uma das razões que nos conduziu à situação actual. Faz lembrar aqueles contratos com umas letrinhas pequenas que a malta não lê (e mesmo que lessem também não fazia mal, porque não iam conseguir interpretar o que lá estava escrito).
Cara Anthrax,
Não poderia estar mais de acordo consigo.
Depois de ler o programa de governo para o ensino, fiquei com a sensação que vai tudo ficar quase na mesma. Será que os lobbies venceram tão depressa? Ou será uma estratégia para os amolecer? Se o Professor Nuno Crato for na conversa dos lobbies, coisa em que não acredito, ou na conversa dos populistas, o PREC neste sector permanecerá! Estou muito apreensivo.
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