A corrupção e a justiça – O tema, no restrito âmbito do sistema autárquico, voltou às páginas dos jornais e aos restantes meios da opinião publicada com uma intensidade acrescida e sustentada pelo crescendo do combate eleitoral. O que convencionámos designar por Bando dos Quatro concita as atenções gerais. Porém, aqui e ali vão surgindo alguns ruídos que não deverão ser ignorados. Um deles foi publicado na recente edição de 1 de Outubro do Diário de Notícias.
Fica-se a saber que na Polícia Judiciária há “264 inquéritos, mais 41 averiguações preventivas sobre 124 autarquias locais”. Mas ficamos sem saber quais os processo que se desenvolvem fora daquela sede. Concluindo, estamos a falar de, pelo menos, 40% das autarquias locais suspeitas dos mais variados crimes que vão do peculato à corrupção, passando pelo abuso de poder e tráfico de influências.
O que mais surpreende é o número excepcional de potenciais suspeitos para um tão elevado número de autarquias. Vale a pena perguntar: então que é feito da acção fiscalizadora, inspectiva e preventiva do Tribunal de Contas, da Inspecção-geral de Finanças e da Inspecção-geral da Administração do Território? Sabemos que uma boa parte destes processos resultam da sua acção, mas onde está a eficácia do controlo externo?
A segunda questão que vale a pena colocar especulativamente é mais simples: quantos destes inquéritos dão lugar a acusação, quantos transitam em julgado e quantos dão origem a perdas de mandato com consequências na inibição de novas candidaturas? A experiência dos últimos anos sugere-nos uma limitadíssima percentagem, são casos que se contarão com os dedos de uma mão. Esta discrepância permite-nos uma dedução simples: ou os acusados estão inocentes ou o sistema judicial é manifestamente incompetente. O mesmo é dizer que ou uma parte das acusações e denúncias são falsas ou a incompetência é ainda maior.
Prefiro pensar, com algum fundamento, que a denúncia muitas vezes anónima não se orienta por um sentimento de justiça e de salvaguarda dos direitos dos cidadãos e da comunidade, mas tão só por espírito de vingança, por despeito ou por ignorância. Sabendo-se como a justiça portuguesa é lenta e ineficiente, quem denuncia tem sempre a garantia que, mesmo que não se faça justiça, lança-se a suspeita e o anátema sobre o visado. Só o simples facto de se publicitar a apresentação de uma participação ao Ministério Público é já um ónus que se lança sobre o visado. Eu sei por experiência própria o que é isso!
(A continuar, os comentários serão abertos na última nota)