O cenário é “perfeito” para uma aceitação acrítica do “politicamente correcto” e para se desviar o debate em torno dos problemas fundamentais que estes casos desvendam. Se quisermos fazer uma abordagem simplista poderemos enveredar pela análise do “bando dos quatro”, se quisermos perceber o fenómeno em toda a sua complexidade então teremos de ser um pouco mais persistentes e tocar em alguns problemas que raramente vêem a luz do dia. Abordemos alguns deles.
1. As candidaturas independentes – pensadas para incentivar a participação de grupos de cidadãos não vinculados a formações partidárias é, no espírito e na forma da lei, uma manifesta hipocrisia. Essas candidaturas apenas são toleradas enquanto não constituírem uma ameaça ao poder efectivo das estruturas partidárias nos órgãos do Estado, da junta de freguesia aos órgãos de soberania. Muitas vezes elas aparecem ou são incentivadas precisamente onde as estruturas partidárias não têm a capacidade de cartelizar esse acesso. Se essa capacidade é limitada, a solução corrente é a do recurso parcial a independentes para credibilizar as candidaturas partidárias, funcionando esses candidatos como autênticas “testa de ferro” dos interesses partidários. Se, por qualquer razão, o candidato decide contrariar essa lógica e manter a sua autonomia é mais que certo o conflito e a “zanga de comadres”.
2. As candidaturas rebeldes e os candidatos camaleões – Aceitemos esta designação cómoda para identificar as candidaturas apresentadas à revelia das estruturas partidárias. O recurso à candidatura independente é uma solução, mas não é necessariamente a mais corrente. A situação mais interessante é a dos “candidatos camaleões”: ora se apresentam pelo Partido A, ora no B ora no C, quando não regressam ao partido de origem. Tudo isto é geralmente feito a partir da acção directa das estruturas partidárias locais e, frequentemente, com o beneplácito das direcções políticas nacionais. A sede de ganhar é tal que o velho princípio de que os fins justificam os meios passa a referencial de pragmatismo e de inteligência política.
3. O capital de notoriedade pública – Na génese do “candidato camaleão” ou do mais recente “candidato rebelde independente” está o capital político e de notoriedade pública obtido no exercício de um determinado cargo. Para além da “imagem” e da “obra” construída ao longo de alguns anos e, por vezes, por algumas polémicas mediatizadas, estes candidatos apresentam capital político próprio que as estruturas partidários raramente desprezam pelo “valor acrescentado” que representam. Nesse capital político deve-se incluir o “stock” de beneficiados com bens públicos sempre disponíveis para se constituírem como “staff” eleitoral e uma massa eleitoral sempre disposta a rentabilizar o seu voto com alguém que conhecem e, em muitos casos, com quem privam. Para além de tudo isto, há que reconhecer que o próprio eleitorado tende a privilegiar quem já conhece e a atribuir-lhe o “benefício da continuidade”. Só com grande “asneira” ou manifesta incapacidade esse “benefício da continuidade” deixa de funcionar. Por vezes, a ilusão da mudança faz alguns estragos na regra estabelecida.
Eis porque a lógica do “dinossauro” não pode ser só explicada pelo clientelismo.
(A continuar, os comentários serão abertos na última nota)