Está genericamente compreendido que a reforma da Administração Pública assume uma enorme importância, não só pela necessidade imperiosa de oferecer aos cidadãos serviços de qualidade, mas também pela urgência de aumentar a produtividade da economia portuguesa em geral, libertando recursos humanos e financeiros para outras actividades.
A reforma da Administração Pública só é possível, já o está repetidamente afirmado, com uma redução significativa da sua dimensão, com uma abertura ao sector privado e com um novo modelo de gestão. É também indiscutível que o excessivo peso do Estado na economia portuguesa é uma força de bloqueio ao crescimento económico.
O Governo decidiu avançar com uma reestruturação da Administração Central do Estado – tendo criado para o efeito o PRACE (Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado) – começando pelo telhado, isto é, por estabelecer a macro estrutura, sem antes se conhecerem alguns exercícios indispensáveis, que constituiriam, a meu ver, os alicerces do edifício:
- Repensar as funções do Estado, trabalho que foi iniciado pelo Governo do Primeiro Ministro Durão Barroso, mas que como vai sendo habitual em Portugal – até parece que temos todo o tempo do mundo e os recursos financeiros não constituem problema – não foi retomado pelo actual Governo.
- Separar as actividades do Estado pela sua natureza:
1. aquelas que só o Estado pode desempenhar (estão neste caso as funções de soberania).
2. aquelas relativamente às quais o Estado deve garantir a respectiva prestação, mas que
podem ser realizada pelo sector público ou pelo sector privado (estão neste grupo a educação e a saúde).
3. aquelas que não devem ser retiradas à sociedade civil.
- Definir um novo modelo de gestão para as actividades que compete ao Estado assegurar - níveis de responsabilização dos dirigentes, níveis de descentralização das decisões, gestão plurianual dos recursos, gestão por objectivos, práticas de avaliação de performance dos serviços, estímulos à excelência do desempenho, etc.
O Governo foi por um caminho diferente, admitindo, é certo, a "externalização" de funções, “em casos em que se verifiquem ganhos de eficiência ou eficácia é ponderada a possibilidade de transferência de actividades, não críticas para as funções do Estado, para o sector privado ou social”. A transferência de funções para terceiros pode assumir formas desde a empresarialização pública da função (sector público empresarial do Estado) à privatização total, … pelo outsoursing e pelas parcerias público-privadas”.
É hoje notícia na comunicação social que o Governo vai proceder à empresarialização pública da "gestão pública", isto é, de actividades que se configuram de suporte à gestão dos recursos, designadamente a gestão de recursos humanos e a gestão de compras e da frota automóvel do Estado. É também referido que a futura "Empresa de Serviços Partilhados da Administração Pública (ESPAP)" poderá, por sua vez, "proceder à constituição de sociedades comerciais integralmente detidas por si ou igualmente participadas pelo Estado, com vista ao desempenho indirecto das atribuições que lhe são cometidas.
Sabemos ainda pouco sobre este projecto, mas uma coisa é certa, é que estamos perante uma mega estrutura pública, que me suscita grande preocupação, não só porque poderá vir a ser mais um "monstrozinho", mas também porque "engordará" o universo do sector empresarial do Estado.
A propósito do PRACE (ou não?) o Conselho de Ministros aprovou a semana passada uma outra empresarialização pública, a “Parque Escolar, E.P.E.” entidade que terá por missão modernizar as escolas secundárias. Esta nova EPE não constava, contudo, do PRACE, aprovado recentemente e considerado um instrumento político emblemático. Afinal, em que ficamos?
Começa assim a desenhar-se o caminho da reestruturação da Administração Pública.
Desejo profundamente uma mudança que conduza a nossa Administração Pública para patamares elevados de eficácia, eficiência e sustentabilidade de desenvovimento, mas não à custa de mais Estado.
5 comentários:
O que é que há a pensar de Administração Pública que tenha que ser começado a pensar no governo de Durão Barroso até hoje? Isto não é rocket science, há funções do estado a cumprir que acrescentam valor ao cidadão - segurança, educação, saúde. O resto fecha-se ou vende-se.
Empresa de Serviços Partilhados da Administração Pública ??? Se o ridículo matasse...
A primeira questão que tem sido obnubilada e coloca-se no plano da eficiência de gestão da AP.
A soluçâo encontrada reside em eliminar uma das duas causas da ineficiência de um serviço:
- ser financiado em mais de 30% pelo OGE
- não ser-lhe permitido apropriar-se dos saldos do exercício.
Como, ao contrário dos americanos, não sabemos como mudar as regras da contabilidade pública, recorremos à empresealização das estruturas. Há vinte anos era moda instituicionalizar os organismos.
Com este artifício eliminamos a canga do confisco de saldos, e mais algumas cangas menores que impedem uma realocação rápida dos recursos.
É uma medida como outra qualquer.
Clinton impôs o Balance Score Card e admitiu a apropriação de saldos.
Os resultados foram bons.
Os hospitais empresas, em Portugal, têm resultados inconclusivos,pelo que pode ser que não seja, necessariamente uma boa ideia.
Mas falta o outro aspecto desta moeda: que funções para o Estado?
Aqui é a sociedade civil que tem um papel importante a realizar. Esperar que sejam os organismos públicos a realizarem o hara kiri funcional é desejar que nos transformemos em japoneses.
O governo não fará senão na estricta medida em que lhe permita eleminar custos, pelo que qualquer medida, originária do mesmo, será sempre limitadora e não criativa.
Era altura dos movimentos cívicos como o "Compromisso Portugal" terem uma palavra a dizer, se soubessem fazê-lo.
Cumprimentos
Adriano Volframista
As verbas dispendidas pelo governo em Aquisições de Serviços e Bens são de facto astronómicas. Em 2005 gastaram-se 843 milhões de euros!!! Mais de 160 milhões de contos em serviços fora da Administração, como estudos pareceres e projectos de consultadoria. Mais 14,8% do que no ano anterior.
A Administração Pública vem perdendo ao longo dos últimos anos toda a capacidade que possuía em elaborar os estudos e pareceres necessários à tomada de decisões governamentais. Os governantes como se demitiramm de “administrar” e colocar os serviços da AP aptos a executarem tais estudos e projectos.
Pelo contrário, os governos têm-se preocupado mais em esvaziar a AP dos meios técnicos e humanos necessários e indispensáveis à execução desta tarefas. Preferem sobretudo recorrer a firmas de consultadoria ou à criação de órgãos paralelos com gestão semi- privada.
Por três ordens de razões fundamentais:
As firmas de consultadoria seleccionadas pelos ministérios, têm muitas vezes ligações financeiras com as equipas ministeriais;
Reflectem nos estudos encomendados os desejos do ministro;
Desresponsabilizam de algum modo as tomadas de posição política do ministro.
O recurso às empresas de consultadoria tornou-se uma pratica corrente da gestão ministerial, uma pratica massiva. As equipas de quadros tecnocratas das empresas de consultadoria nacionais e estrangeiras passaram a ser os verdadeiros agentes “fazedores” das políticas ministeriais. Aos ministros cabe anunciá-las.
Os nossos governantes, a par de uma incompetência generalizada, demonstram ter uma total ausência de Sentido de Estado e de Serviço Público, entregando a Gestão Pública nas mãos de mercenários tecnocratas com custos elevadíssimos para o País.
Caminha-se às cegas neste desmembramento e aniquilação da AP. O que vem a seguir ninguem saberá, mas que trará custos elevadíssimos para o País isso seguramente que trará.
Caro ruy,
Chama a atenção, e muito bem, para o poder "transferido" da Administração Pública para as empresas de consultoria.
Situação bastante preocupante não só pelo seu custo gigantesco, mas pela dependência perigosa dos governantes e das administrações a consultores, e, em particular, a sociedades de advogados.
Os números que menciona sobre as compras são demasiado importantes para que o modelo da sua gestão não seja alterado.
Penso que estaremos todos de acordo que a administração pública necessita de uma "unidade" – altamente especializada e dotada de uma gestão independente – com a responsabilidade de gerir as compras públicas, designadamente, organizar concursos públicos, negociar e contratar programas de compras e de assistência e manutenção, assegurar o controlo de qualidade, etc.
Criar uma EPE para fazer a gestão pública não é propriamente uma "unidade" do tipo descrito, mas antes parecendo configurar uma mega estrutura para gerir múltiplas funções.
Caro Adriano Volframista,
A sociedade civil pode e deve ter um papel mais activo, mas os governos e as forças políticas não se podem eximir das suas responsabilidades. A definição das funções do Estado constitui um exercício político imprescindível, que deve ser estruturante e sustentável e que deve ser desejavelmente feito à priori, sendo certo que sem ele é difícil definir uma ideia clara de País.
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