A imagem televisiva de Piergiorgio Welby numa total imobilidade, e com um ar de tristeza profunda em que apenas sobressaía um ligeiro acenar das pálpebras, única ligação ao mundo, deverá ter chocado muitas pessoas. Sofrendo de grave distrofia muscular, acabou por ficar paralisado, tendo o seu estado de saúde piorado substancialmente nas últimas semanas. O italiano mantinha-se vivo à custa de respiração artificial, sendo alimentado através de um tubo. Condenado a morrer, as medidas tomadas estavam a prolongar a vida em condições bastante deploráveis e não dignas da condição humana.
Nos últimos anos as técnicas destinadas a prolongar a vida têm tido um notável desenvolvimento e progresso. Nada a opor se as mesmas respeitarem a dignidade, mas quando se tornam excessivas e desproporcionadas poderão constituir uma violação dos direitos humanos. No caso vertente, o doente solicitou permissão para morrer. Não pediu que o matassem, apenas que não continuassem com certas medidas. A justiça italiana reconheceu que “tinha o direito constitucional de ser desligada a máquina que o mantinha vivo”. Mas ao mesmo tempo invocou que os médicos têm a obrigação legal de utilizar práticas de ressuscitação!
Houve um médico que desligou a máquina, respeitando a vontade do doente. Agora corre riscos de vir a ser julgado e preso por eutanásia.
Neste caso ninguém matou deliberadamente o doente, apenas foi suspensa uma terapêutica por recusa do mesmo. Os doentes devem ter esse direito. Aliás a problemática do testamento vital vai estar, brevemente, na ordem do dia.
Hoje, as inúmeras e sofisticadas medidas terapêuticas permitem manter as pessoas “vivas” em condições impensáveis há alguns anos. Recordo-me dos meus tempos de estudante, em que não haviam ainda medidas deste cariz, de ter lido uma frase do prémio Nobel da Medicina de 1960, Sir Macfarlane Burnet, que, a propósito das medidas de ressuscitação já existentes, embora muito aquém das actuais, dizia que andava com um cartão na sua carteira onde pedia para que não fosse sujeito a medidas de ressuscitação, se as mesmas pudessem por em causa a sua condição de ser humano, “exigindo” morrer com dignidade. Nunca mais esqueci aquela frase.
Recordo-me do “Menino”, era assim que o chamávamos. Na sua cadeira de rodas, com dificuldades tremendas em mexer os braços, vendia lotaria. Sempre alegre e bem disposto apesar de sofrer de distrofia muscular, a qual já tinha vitimado outros irmãos.
Toda a vida pós escolar da altura fazia-se no jardim, quando os dias estavam bons, ou debaixo da arcada do café, nos chuvosos. Mas fazia-se à volta do “Menino”. Era o ponto de referência. Quando me perguntavam para onde ia, dizia: - Vou brincar para ao pé do “Menino”! Ninguém se opunha. Já tinha alguma idade, mas não deixava de ser o “Menino”.
Nos últimos anos as técnicas destinadas a prolongar a vida têm tido um notável desenvolvimento e progresso. Nada a opor se as mesmas respeitarem a dignidade, mas quando se tornam excessivas e desproporcionadas poderão constituir uma violação dos direitos humanos. No caso vertente, o doente solicitou permissão para morrer. Não pediu que o matassem, apenas que não continuassem com certas medidas. A justiça italiana reconheceu que “tinha o direito constitucional de ser desligada a máquina que o mantinha vivo”. Mas ao mesmo tempo invocou que os médicos têm a obrigação legal de utilizar práticas de ressuscitação!
Houve um médico que desligou a máquina, respeitando a vontade do doente. Agora corre riscos de vir a ser julgado e preso por eutanásia.
Neste caso ninguém matou deliberadamente o doente, apenas foi suspensa uma terapêutica por recusa do mesmo. Os doentes devem ter esse direito. Aliás a problemática do testamento vital vai estar, brevemente, na ordem do dia.
Hoje, as inúmeras e sofisticadas medidas terapêuticas permitem manter as pessoas “vivas” em condições impensáveis há alguns anos. Recordo-me dos meus tempos de estudante, em que não haviam ainda medidas deste cariz, de ter lido uma frase do prémio Nobel da Medicina de 1960, Sir Macfarlane Burnet, que, a propósito das medidas de ressuscitação já existentes, embora muito aquém das actuais, dizia que andava com um cartão na sua carteira onde pedia para que não fosse sujeito a medidas de ressuscitação, se as mesmas pudessem por em causa a sua condição de ser humano, “exigindo” morrer com dignidade. Nunca mais esqueci aquela frase.
Recordo-me do “Menino”, era assim que o chamávamos. Na sua cadeira de rodas, com dificuldades tremendas em mexer os braços, vendia lotaria. Sempre alegre e bem disposto apesar de sofrer de distrofia muscular, a qual já tinha vitimado outros irmãos.
Toda a vida pós escolar da altura fazia-se no jardim, quando os dias estavam bons, ou debaixo da arcada do café, nos chuvosos. Mas fazia-se à volta do “Menino”. Era o ponto de referência. Quando me perguntavam para onde ia, dizia: - Vou brincar para ao pé do “Menino”! Ninguém se opunha. Já tinha alguma idade, mas não deixava de ser o “Menino”.
Houve uma altura em que o “Menino” não aparecia com muito frequência. Ia rareando a sua presença. Começámos a andar tristes. Um dia ficámos a saber que o “Menino” nunca mais ia aparecer, e fomos com ele ao cemitério atrás do padre. Teve uma morte natural e um funeral cristão.
Piergiorgio Welby não teve funeral cristão, mas teve uma morte adiada!
No dia do Menino, uma recordação de um outro “Menino”…
No dia do Menino, uma recordação de um outro “Menino”…
11 comentários:
Caro Professor:
Uma outra forma de ver o Natal, menos poética, mas muito verdadeira. Parabéns, caro Professor1...
Caro Professor
Quando morremos?
Biologicamente,com a falência dos orgãos, ou com a morte social?
Mas quem define a morte social? O próprio ou a sociedade?
Fala-se do caso deste italiano e esqueçemo-nos de Stephem Hawking, que- de acordo com as opiniões de galaenos eminentes- já devia ter "morrido" há quase duas décadas. Em que ficamos?
Cumprimentos
Caro Adriano Volframista
Stephem Hawking sofre de uma doença grave sem sombra de dúvida, mas não está ligado a nenhum ventilador artificial e “aceita” as suas limitações para seu bem e para o nosso.
Meu caro, a sua pergunta tem uma característica que é a seguinte: de acordo com as perspectivas técnico-científicas, e à medida que o tempo avança, é “possível” alcançar uma dia quase a “eternidade”, não a biológica, mas, a da consciência humana. Estamos a falar de “transhumanidade” cuja corrente tem já muitos cultores.
Eu prefiro não ser sujeito a medidas de reanimação se das mesmas resultar um estado incompatível com um mínimo de dignidade. No fundo não passo de um “burnetiano”. É uma opção que, presumo, deverá ser partilhada por muitos outros. Quantos aos que “preferem” manter-se em situações como a do Piergiorgio, não tenho nada a opor. Respeito.
Mas também quero respeitar o direito à recusa de tratamento, se o doente assim o manifestar.
Caro Professor
Não respondeu à questão: quando morremos?
Pelo menos fico a saber que não quer ser (posto de um modo grosseiro) ligado à máquina. Mas eu não lhe perguntei o que desejava, mas, sim, quando morremos, em que momento morremos, quando se define esse momento. quando se pode concluir que morremos.
Por outro lado, não faço a mínima que corrente de pensamento se refere,nem se se pode (na teoria e na prática) alcançar a "imortalidade", no presente ou no futuro.
Apenas lhe torno a perguntar: quando morremos?
Verá quão "complicado" é responder a esta questão simples.
Cumprimentos
Adriano Volframista
Caro Adriano Volframista
Essa pergunta foi feita um dia, numa aula, pelo meu professor de Medicina Legal, há muitos anos. Ficámos a olhar uns para os outros e tive o atrevimento de dizer que há vários tipos de morte. Morte cerebral, morte biológica, morte celular, enfim, vários tipos. Ao ponto de quando somos declarados mortos ainda se detecta actividade celular. Concordou com a minha intervenção e, a partir daí, fez a sua dissertação. Nunca mais me esqueci.
Cientificamente e de acordo com o que está definido, morremos, quando o nosso tronco cerebral deixa de funcionar: a denominada “morte cerebral”. Fria e objectivamente é o que determina a morte, possibilitando, por exemplo que se proceda à extracção de órgãos para transplantação.
Caro Professor
Então porque é que o italiano de quem se fala queria morrer?
Cumprimentos
Adriano Voframista
Caro Adriano Volframista
Eu não sei se o senhor italiano conhecia ou não a importância do funcionamento do seu tronco cerebral. Mas é o menos importante. O Senhor tinha todo o direito a que o mesmo funcionasse à sua maneira. Ou seja, neste caso concreto, deixasse de funcionar se fosse interrompida a ventilação artificial a que estava a ser sujeito contra a sua vontade. Foi o que aconteceu.
Caro Professor
Quer-me explicar a diferença entre homicídio e "suicídio asistido"?
Existe essa diferença?
Quem define a diferença?
Já viu as consequênicas?
Cumprimentos
Adriano Volframista
Caro Adriano Volframista
O caso presente não foi homícidio nem “suicídio assistido”. É a minha opinião. O senhor recusou continuar uma terapêutica. Tem esse direito. Todos os dias os doentes recusam terapêuticas e sofrem as consequências, sabendo muitos quais são. Têm esse direito. Veja o exemplo das Testemunhas de Jeová adultas que têm o direito a recusarem terapêutica de transfusão de sangue, pondo em causa a sua vida. Têm direito? Têm!
Já vi que as nossas posições são inconciliáveis, pelo que dou terminado este mini “debate”. Respeito a sua posição. Agora, permita-me que mantenha a minha, mesmo que discorde. Sabe porquê? Porque sinto-me bem com ela. É verdade!
Caro Professor
Demos o debate por terminado.
Ao contrário do que possa supor não temho posição sobre este tema, pelas perplexidades que ele me coloca, face aos comportamentos e ética actual.
O mesmo se passa quanto ao aborto, porque nascer e morrer são faces da mesma moeda, mesmo que se escamoteie (por que motivo o seja) o facto: não é verdade que morremos por estamos vivos?
Os instrumentos ao nosso dispôr não respondem aos factos da realiadade, nem às circunstâncias dos mesmos.
Cumprimentos e Bom Ano
Adriano Volframista
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