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quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

"Estórias" politicamente incorrectas...

No último fim de semana estive no Museu do Pão, em Seia. Trata-se de um empreendimento original e digno de nota, que alia a um excelente restaurante um bem concebido museu, em que o tema é o pão. Nele se faz a história deste alimento, se mostram as diversas fases de fabrico, do amanho da terra, à sementeira, à cozedura e à distribuição, e se documentam fases históricas dos cereais em Portugal.
Além de outros, achei um documento particularmente interessante, por retratar uma época de racionamento, coincidente com a 2º Grande Guerra e com a governação de Salazar.
Trata-se de uma carta escrita em 30 de Novembro de 1942, em que D. Maria do Resgate de Oliveira Salazar, irmã do então 1º Ministro, requisitava à Comissão Reguladora das Moagens 1.476 quilos de milho para semear na sua propriedade, no Vimieiro, Santa Comba.
Em 17 de Dezembro, a Comissão Reguladora das Moagens respondeu negativamente, dizendo que só distribuía milho à Indústria e que deveria dirigir-se à Federação Nacional de Produtores de Trigo.
Em 21 de Dezembro, D. Maria do Resgate assim o fez. Como resposta, foram-lhe atribuídos apenas 180 quilos, já que aquela Federação considerou irregulares alguns dos manifestos em que se baseava a requisição.
Não sei se esta amostra, relevante por ter como titular um familiar de Salazar, era a regra. Mas pelo menos evidencia que ligações pessoais ou familiares não seriam razão para favoritismos ou enriquecimentos sem causa.
Como hoje, aliás!...Por isso, nem compreendo por que se fala tanto em corrupção!...

2 comentários:

Anónimo disse...

O Estado Novo, também no capítulo da probidade dos agentes da administração pública, logrou demonstrar que não eram irremediáveis os graves vícios desenvolvidos na 1.ª República. Este pormenor – que eu desconhecia – constitui boa prova do modo como eram encarados os maus costumes, o favoritismo, o nepotismo, a corrupção e a fraude organizada. O Estado, da primeira metade dos anos trinta à primeira metade dos anos setenta, conseguiu em geral ser exemplo – para além de competência – de correcção, de seriedade e de boa conduta.

É certo que o Estado Novo permitiu a alguns dos seus apoiantes que eram homens de negócios práticas menos limpas, fosse na vertente do funcionamento do negócio instalado, fosse em negociatas avulso. Existem bons exemplos de falta de honestidade, consentidos pelo regime, em Portugal Continental e no Ultramar. E havia escandalosos monopólios “concessionados” a particulares. É claro que pode apodar-se esta permissividade de corrupção, mesmo que os casos fossem isolados e o fenómeno estivesse longe de tentaculizar-se na sociedade. Ou então teremos que colocar estes casos noutro patamar.

É possível que a maioria das pessoas, pela educação e valores que receberam, ainda seja mentalmente e na prática honesta. Mas o fenómeno da corrupção é uma das mais temíveis consequências do excessivo convívio do poder político com os agentes económicos. Uma deficiência séria do sistema democrático português. Do nível camarário ao parlamentar, está no inconsciente e no consciente de muita gente, através das cedências e dos compromissos, o arranjo fora da lei ou a fraude ao Estado. O nosso sistema de partidos políticos minou a Função Pública, substituindo recorrentemente os responsáveis por outros mais obedientes e admitindo no seu seio sucessivas vagas de pessoas de ética profissional duvidosa. Os partidos corromperam a Administração Pública.

A crise em que se encontra a ética – já para não falar da moral – nas actividades de todos os dias do conjunto a que chamamos Estado apenas encontra paralelo nas décadas que se seguiram à vitória militar dos liberais em Portugal, em 1834, descontrolados precisamente porque ninguém lhes podia pôr cobro. Foi um novo regime que afundou e extinguiu quase tudo o que de útil se poderia ter aproveitado do anterior. Deparamo-nos hoje com o mesmo fenómeno. Seria até interessante estudar e, virtualmente, procurar provar que o mesmo teve, desde o referido ano até à presente data, apenas uma interrupção forte de cerca de 40 anos.

Tavares Moreira disse...

Caro Pinho Cardão,

De uma ética de valores - com desonrosas excepções - passou-se para uma ética generalizada de negócios - com honrosas excepções.
Há uma distância planetária entre estes dois mundos.
É claro que naquela época, a sociedade e a economia viviam muito fechadas sobre si próprias, tornando o fenómeno do negócio exclusivo de um grupo restrito de bem informados/relacionados.
Hoje a sociedade e a economia são muito mais abertas, o que explica a generalização do fenómeno do negócio.
O grande problema, como bem assinala Pedroso, é o da promiscuidade entre política e negócios, que agora já funciona à luz do dia - vide deputados de áreas especializadas contratados por grupos privados como seus consultores.