Segundo a imprensa desta manhã, o senhor Secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor quer que a Autoridade da Concorrência avalie os preços dos combustíveis, mais elevados em Portugal que nos restantes países, numa altura em que a alta do euro beneficia os países importadores de crude e seus derivados. E que o preço do crude nos mercados internacionais estabilizou em pouco mais de 60 dólares, 10 dólares abaixo (salvo erro) do preço que motivou o último aumento dos combustíveis sentido pelos consumidores portugueses, acrescento eu.
Por aqui já tínhamos assinalado a situação que aparenta contornos de intolerável cartelização. Parece que o dia de Natal fez despertar o Senhor Secretário de Estado para o problema. Bendito espírito de Natal...
Valendo sempre mais a reacção tardia do que a omissão, anota-se aqui a atitude do governante.
Duas notas, porém.
A primeira tem que ver com esta forma de governar por impulso. Rara é a iniciativa do Governo que se antecipa à denúncia reiterada dos cidadãos, suas organizações ou instituições. É cada vez mais um governo de reacção, que agita só depois de se ver agitado.
A segunda nota é para assinalar que o senhor Ministro da Economia parece não existir para estas questões. E, todavia, esta como outras (por exemplo as do arrastamento inacreditável dos processos das OPA lançadas sobre a PT e o BPI), são questões que em muito excedem o âmbito da defesa do consumidor que preocupam o senhor Secretário de Estado Serrasqueiro. São problemas da economia, cuja saúde só se garante se o Governo estiver atento às práticas lesivas da livre concorrência e agir em conformidade por iniciativa própria.
E não se diga, como têm tentado dizer vários dos governantes, que as questões da concorrência são do domínio exclusivo da Autoridade da Concorrência, porque a própria conduta interventiva do Executivo noutras situações nas quais não hesitou em desautorizar entidades reguladoras, frontalmente desmente quem apresenta tal desculpa. É certo que nesses casos igualmente o Governo, como agora, actuou por reacção. Mas fez sentir a sua autoridade e quis transmitir que não anda a dormir na forma.
Veremos se os interesses da Galp, e da sua posição no mercado, não falam mais alto do que este ruidoso silêncio do senhor Ministro Pinho, neste caso do preço dos combustíveis...
5 comentários:
"Intolerável cartelização", caro JMFA, não será. Descarada, desavergonhada, com toda a lata, etc..., sim. Agora intolerável não será, até porque toda a gente sabe quem a faz e porque a faz. Ao fim do dia, intolerável é só a fuga ao fisco porque isto toleramos muito bem, a avaliar pela acção dos representantes do povo. Digo eu...
Se houvesse cartelizaçãoneste sector - tal como na banca, já agora - o governo seria um dos primeiros actores e responsáveis!
Como pode o governo colocar sequer essa hipótese, sendo um dos principais accionistas da maior empresa a operar em cada um desses sectores? (Ou tendo sido um dos principais até há bem pouco tempo)? A cartelização pode fazer-se à revelia da maior empresa?! Ou ter sido concretizada a partir do recente IPO da Galp? (E quando a generalidade dos corpos sociais da empresa ainda são os que foram nomeados pelo governo?)
Esta denúncia - que me parece absurda - cheira muito mais a "spin", em vésperas de mais um aumento dos combustíveis - provocado não por um tenebroso cartel mas por um tenebroso governo, insaciável a extorquir cada vez mais impostos.
Cada vez tenho mais vontade de emigrar... ou de ser espanhol...
Caro Dr. José Mário Ferreira de Almeida,
Só uma posição concertada do mercado parece explicar a situação escandalosa que nos retrata, que não é nova, mas que agora se tornou mais evidente do que há uns tempos atrás.
As questões da concorrência não são exclusivas nem das entidades governamentais, nem das entidades reguladoras do mercado. É caso para nos interrogarmos se as entidades responsáveis não estão, afinal, “concertadas”, uma vez que há uma total ausência de intervenção que, admitamos, pode ter explicações distintas.
Porque será que o Governo não actua? Será que os interesses fiscais são superiores aos interesses dos consumidores e a uma sã concorrência? E será que a Autoridade da Concorrência dispõe dos meios necessários – humanos e financeiros – para cumprir adequadamente a sua missão?
Quando um regulador não dispõe de autonomia financeira – o orçamento da Autoridade está sujeito a aprovação do Governo – e se vê, por essa via, condicionado na adequação das suas competências a uma intervenção eficiente, seja ex-ante, impedido os abusos de práticas lesivas da concorrência, seja ex-post, condenando comportamentos predatórios, que responsabilização lhe pode ser exigida?
Se o Governo não se preocupa com a economia e se a Autoridade da Concorrência não actua (desde há muitos meses que as suas atenções estão concentradas nos sectores das comunicações e da banca), os resultados não se fazem esperar: o preço dos combustíveis é só um exemplo!
Mas, já agora, por onde andam as vozes das associações de defesa dos consumidores? Também se eclipsaram? Quem nos acode?
Bem pertinentes as suas questões, meu caro Antunespedroso.
Temo que parte delas ficarão sem resposta.
Há um aspecto do seu comentário que subscrevo inteiramente. A responsabilidade primeira não cabe ao Estado. Cabe aos operadores do mercado se se confirmar que existe o tal cambão para fixação dos preços. Mas ao governo e aos reguladores compete vigiar o comportamento dos agentes no mercado. Porque se não forem os mecanismos de hetero-regulação está visto que não será com base na responsabilidade daqueles que se construirá um mercado baseado em sadias regras de concorrência e de transparência.
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