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quarta-feira, 4 de junho de 2008

Ainda o TGV

Devido aos esclarecimentos que trouxeram e à alta qualidade dos comentários ao meu post anterior, A Miragem do TGV, volto ao tema.
A Alta Velocidade vai custar nove mil milhões de euros; destes, 1,45 milhões respeitarão ao troço Poceirão-Caia, desde ontem em concurso. Diante de um projecto de tal magnitude, eu, melhor, todos nós, gostaríamos de saber a parte que irá tocar a cada um dos portugueses no seu financiamento directo ou indirecto e na cobertura dos custos de exploração.
O Governo mistifica as coisas, dizendo que o financiamento é assegurado por fundos da Comunidade Europeia e por fundos levantados em regime de “Project finance”, a cargo de parcerias público-privadas. Acontece que os “Project finance” asseguram efectivamente o capital necessário à execução da obra, mas exigem que, no seu período de validade, porventura 20 a 30 anos, haja reembolso efectivo, incluindo os juros, dos montantes vertidos para o projecto. Devido aos cuidados colocados na montagem destas operações, e eu sei do que falo, já que participei em alguns, pelo lado da Banca, praticamente não subsiste qualquer parcela de risco para os promotores e para a Banca, já que, em última instância, o Estado será chamado ao reembolso.
Dados os montantes em causa, a natureza da operação e os riscos incorridos, não creio que nos “Project finance” da Alta Velocidade outra coisa possa ocorrer. De modo que os riscos e os prejuízos acabam por ser do Estado, isto é, somos nós que os teremos que suportar.
Dos comentários ao meu post anterior retirei que a entidade proprietária da rede terá as contas equilibradas, já que cobrará, pela utilização dessa mesma rede, a tarifa necessária para conseguir tal equilíbrio. A ser assim, o risco passa totalmente para o concessionário. Como este, seguramente, não vai querer perder dinheiro, vai repercutir contratualmente para o Estado a cobertura de eventuais prejuízos. Todavia, não são os arranjos tarifários que trazem economia ao projecto; se se cobre num lado, destapa-se no outro.
Por isso, e numa atitude de transparência, o Governo devia dizer-nos: aqui está o projecto de Alta Velocidade; o investimento custa X milhões à CE e custa Y milhões aos Orçamento do Estado e aos portugueses em participações de capital e subsídios a fundo perdido; depois disto, custar-vos-à Z milhões, por ano, como cobertura dos prejuízos de exploração; e daqui a 20, 25 anos, tereis que repor o investimento nas infraestruturas.
Assim, haveria transparência mínima. Não a houve, também neste projecto. Os portugueses serão assim mais uma vez chamados apenas para pagar. E, o que é mais grave, não sabem quanto. Chama-se a isto falta de respeito!...

6 comentários:

lusitânea disse...

Acredita mesmo que este ou outro governo algum dia farão isso?Sempre aparecia um chico-esperto com uma solução melhor os destapava todos os alçapões secretos da coisa...

Tonibler disse...

Caro Pinho Cardão,

Embora concordando totalmente com a questão da transparência do financiamento do projecto e que, muito provavelmente, os dados apresentados pelo governo já são dados de uma proposta do project finance (coisa para dar uma multa do tribunal constitucional ao PS daqui a dez anos, nada de importante...) , gostava de reforçar a questão do custo para o país, mais que do custo para o estado. Para o estado, mais euribor menos euribor, a coisa é barata. É só dinheiro.

Mas quando o estado resolve injectar dinheiro seja porque razão fôr, gera um desequilíbrio económico importante porque movimenta os agentes para um ponto onde não estariam naturalmente. Isto é, há uma componente de desenvolvimento económico que não vai ser feito logo à cabeça porque os agentes já estão alocados a este projecto. Trabalhadores do projecto, banco que financia, advogados que fazem contratos, cafés que servem bicas a advogados,...a riqueza gerada por toda esta gente, todos estes recursos, já estão alocados ao projecto e, logo, faz parte dos custos que o país tem com o projecto, embora o estado ainda não tenha "contabilizado" nada.
Terminado o projecto, este tem que ter o valor económico do dinheiro que lá enterrámos (sim, somos nós que enterramos lá o dinheiro) mais o valor de todos estes recursos que "chamámos" ao projecto durante a sua fase de execução física, que estão a fazer isto e não outras coisas que estariam a fazer se o estado não andasse com invenções.

Logo, do ponto de vista do custo para o país, o diferencial de valor económico entre ficar só com viagens de avião e passar uns quantos passageiros para o comboio, mais o valor do negócio gerado por pessoas que têm medo de andar de avião, teria que ser enorme para que este projecto fosse positivo para o país. Assim, é óbvio que o TGV vai ser prejudicial economicamente, mesmo sem tomarmos em conta a forma de financiamento. O dinheiro até podia ser dado, que haveria sempre que contar com esse custo de oportunidade em que o país incorre.

Curiosamente, as pessoas continuam a olhar para uma barbaridade económica, como esta do TGV(e expos e euros e A 10 e aeroportos, ), na óptica do "lucro do estado" como se isso alguma vez existisse...

Adriano Volframista disse...

Exmo Pinho Cardão
a)Os alemãs estão a desenvolver um projecto de ligar Berlim a Hamburgo, por MAGLEV, em pouco mais de 90 minutos.
Com isso criam a espinha dorsal de uma aglomeração populacional com mais de 14 milhões de habitantes.
Existem estudos que indicam que o limiar mínimo para uma comunidade poder ter um desenvolvimento sustentado são +/- 2,5 a 3,5 milhões de habitantes.
b) Na Península Ibérica, existem duas comunidades com essas condições: Madrid e Barcelona
Nesse contexto, a linha Madrid Sevilha e a Madrid Badajoz, apenas deseja aumentar o tamanho da comunidade Madrilena: o pretexto da alta velocidade estrutura as comunidades próximas Ciudad Real e Talavera. Com a linha a Badajoz, incrementa em quase 400.000 ( metade da população de Lisboa) a comunidade de Madrid, criando as condições para se tornar, com os seus actuais (5.5 milhões) e os potenciais (até 6.5 milhões) na comunidade de referência do espaço ibérico.
c) O Plano de desenvolvimento Regional de Espanha, (PDR) com mais de vinte anos, assenta, entre outras em duas permissas que nos interessam:
1) Que a Galiza é (quase) impossível de se estruturar, com o argumento de que está pulverizada.
2) Que a Estremadura é um local de passagem para: por um lado as transferências de água e, por outro, para o fluxo de mercadorias entre o sul e o norte de Espanha.
( Neste contexto, a refinaria em Badajoz, faz todo o sentido).
d) A face atlântica da península, desde que estruturada, consegue alcançar os 4.5 milhões de habitantes, numa mega aglomeração de Setúbal a Vigo.
O TGV entre essas duas aglomerações, estruturaria essa comunidade e viabilizaria a mesma.
e) Exposto o acima, não compreendo porque se atrasa o mesmo, ou se discute a sua necessidade. Quando o Sr António Antunes, autarca em Famalicão, puder deslocar-se a Lisboa, ou Leiria, para tratar dos seus assuntos com o poder central e voltar à Câmara às 15.00, garanto-lhe que 80% das reivindicações regionais desaparecem. Quando a D. Manuela Silva designer gráfica, residente em Viana do Castelo, deslocar-se habitualmente a Vigo para trabalhar na empresa PTO SL, as desiguladades de rendimento podem esbater-se e o desemprego diminuir.
f) Com esse TGV incrementamos o nosso espaço económico em 25/30% e juntamos ao nosso projecto mais,quase 1 milhão de pessoas, ou não são os galegos os portugueses do norte?
h) Porque vamos pagar o desenvolvimento e, no médio prazo, viabilizar Castela? Creio que alguns dos nossos antepassados, entre eles, D Afonso II, ou D. João IV não ficariam satisfeitos com o que se está a passar.
i) Aceito pagar a linha TGV, desde que me deixem estruturar, de acordo com os interesses nacionais o eixo atlântico. Ou acha que Castela nos faz algum favor em avançar com o TGV para Badajoz?
Noutro plano, como sabe, as refinarias, nestes últimos 15/20 anos, são contruídas em países onde as preocupações ambientais não se acham muito vocalizadas, ou nas periferias dos países desenvolvidos, neste contexto, a refinaria de Badajoz, está correctamente localizada.

Cumprimentos
Adriano Volframista

Anónimo disse...

Pois é...
A perspectiva do Adriano Volframista é, de facto, a outra face a moeda na qual temos tendência a desvalorizar, sobretudo quando, como na actual conjuntura, não sobram os recursos. E os poucos que existem implicam um esforço desmesurado às famílias e à rede de empresas que ainda vão conseguindo aguentar a pressão dos encargos fiscais e parafiscais.
Independentemente da atracção inevitável para a discussão dos efeitos mais imediatos do investimento do TGV e das interrogações conjunturais que levanta, não estou certo das conclusões que Adriano assina
Não sei bem, porém, se será o TGV que irá estruturar o litoral. Ou se é desejável para um País sustentável atrair ainda mais população para a estreita faixa que tende a concentrar mais de 80% da população e a quase totalidade das actividades dos sectores industrial e dos serviços.
Existe alguns determinismo territorial que implique que os investimentos públicos estruturantes sejam orientados para esta concentração que visa, afinal, criar uma grande metrópole, um continuum urbano de Setubal ao Viana do Castelo? Não creio. E não sei se é esse o modelo de organização desejável, atentos os problemas de sustentabilidade que são já hoje uma evidência em especial nas nossas "grandes" metrópoles
Seja como fôr, o raciocínio que Adriano desenvolve, levado ao extremo, levaria a considerar que o estreitamento (virtual) da peninsula por via da dimunição substancial das distâncias-tempo entre Lisboa e Madrid, implica afinal o alargamento da influência ibérica da capital espanhola (sem prejuizo do efeito seguramente benéfico e não desprezível do desenvolvimento da única cidade média em território português - Évora - e da região do Alentejo).
Mas, repito, é um ponto de vista, este, dos efeitos estruturantes do território, que não deve estar ausente do debate sobre a decisão, a par de outros.

Pinho Cardão disse...

Caro Adriano Volframista:
Saudações pelo regresso ao 4R!...
Eu não ponho em causa que o TGV traga benefícios. É óbvio que traz.
Mas os Governos têm que se habituar, pelo menos nos grandes projectos, em apresentar os custos e os benefícios. De benefícios, todos temos ouvido falar. Mas de custos, muito pouco, a não ser da nebulosa dos custos globais.
O que eu gostaria de saber, e os portugueses, era quanto isso nos vai custar; aí, eu, nós todos, avaliaríamos o custo e o benefício. Claro que o Governo decidiria, porque tem a palavra final e o seu juízo é o que vale.
Em quanto é que vamos subsidiar o investimento? Qual a fatia de impostos? Em quanto é que vamos capitalizar a empresa detentora da rede? Qual a fatia de impostos? Em quanto é que vamos subsidiar a exploração? Qual a fatia de impostos?
Claro que se eu posso convencer um amigo a comprar um palácio, porque pode aí viver confortavelmente, pode juntar os amigos, pode alugar a quinta para festas, pode promover-se socialmente, pode tirar daí benefícios vários. Ninguém o nega.
Mas posso esconder-lhe quanto é que tem que investir na compra?
E quanto é que tem que gastar na manutenção?
Claro que não posso, nem devo.
Todavia, o Governo pode. E, lamentavelmente, nós deixamos.

Adriano Volframista disse...

Exmos
Pinho Cardão
Ferreira de Almeida

Muito obrigado pelas boas vindas.

Relativamente aos comentários, apenas algumas notas:

a) O contexto geopolítico e geoestratégico em que Portugal é, nos elementos essenciais o mesmo que existia nos sec XIV e XV.
Substitua Santa Sé por Bruxelas e Castela por Madrid para que os dados essenciais do nosso estar e devir serem semelhantes.
(Claro que existem diferenças, mas não nos elementos essenciais. Bruxelas é um poder assente num elemento espititual, A EUROPA, O PROJECTO EUROPEU; Castela está politcamente unificada, mas em processo acelarado de centrifugação; recordo-lhe que, em 2010 será realizado um referendo autonomista no país basco. NO esesencial(Madrid/Castela) gere a partilha dos recursos globais, enquanto as autonomias de primeira considerarem oportuno e do seu (autonomias) interesse).
Os mouros são substituídos pelo atraso económico, o analfabetismo, desigualdades e pobreza, tem a vantagem de uniificar e a desvantagem de ser difícil de encontrar um consenso alargado do modo como eliminá-los.
b) Os dados económicos do nosso país são semelhantes à época mencionada, apenas retivemos as colonias mais próximas. Resta-nos os recursos da casa e já não podemos ser independentes( nem manter a nossa idiosincresia peculiar) com as rendas da exploração colonial. As rendas do trabalho emigrante estão em franco declínio e terminarão por ser irrelevantes.
c) O crescimento sustentavel da nossa economia, (para alcançar a afluência que invejamos de outros), no actual modelo capitalista, está intrinsecamente ligada à escala (alguns falam em condições de escalabilidade)do nosso espaço. Nesse sentido, o custo de estruturação das esparsas comunidades limianas não compensa, como não compensaria o TGV até Elvas, sem o apoio interessado de Castela.
d) Se desejamos um futuro mais remediado e menos ambicioso, podemos seguir como estamos, que estamos muito bem. Apenas que esse caminho, ao contrário do que se apregoa, não é ineluctável , mas fruto de uma opção.

e) Na Europa, onde existe TGV, este meio é o resultado de uma opção política e em nenhum caso, passa pela cabeça exigir que os custos de financiamento e exploração sejam cobertos pelos utentes. Os ganhos são contabilizados contanto com as externalidades que se calcularam e que se desejam obter.
Assim, discutir o financiamento sem obter consenso político e resultados desejados é pura perca de tempo.

Com os melhores cumprimentos
Adriano Volframista