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segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O verbo "sucatar"...

A propósito dos processos “faces ocultas”, e falo deles no plural porque ao longo dos anos são vários os processos noticiados e mediatizados que somam e seguem com a marca identificativa da corrupção, dei comigo a prestar atenção, à hora do almoço, à conversa, em tom alto e algo exaltado, de um grupo de pessoas que estavam na mesa ao lado da minha, e que sentenciavam que vivemos num país de sucatas, que somos um bando de sucateiros e uma sucata de país. O verbo “sucatar” foi usado e abusado para classificar quem somos, esquecendo-se que com tais afirmações, elas próprias, ainda que não sendo, se auto-intitulavam acaloradamente de sucateiras.
Evidentemente que não posso concordar com a tentação de corrermos tudo e todos à "sucatada", não distinguindo que há muita gente de bem, que pauta a sua vida por comportamentos decentes, que se rege por um padrão de bons princípios e valores, que cumpre a lei e vive e trabalha longe dos corredores e das teias da corrupção.
Mas às vezes penso que a corrupção talvez não incomode ainda o suficiente, que as pessoas ainda não têm a percepção clara que a coisa está a fazer mal à nossa democracia, que atenta contra o interesse público, que prejudica o bem estar colectivo e de cada um de nós. Mas ao mesmo tempo está instalado um sentimento de descrédito no poder político e na justiça, o primeiro porque não dá ao combate e à prevenção da corrupção a atenção que exigem e a segunda porque não é consequente, um sentimento que revela um estado de indignação, é certo, mas que ao mesmo tempo não parece ser suficiente para quebrar um estado de inércia e conformismo que em nada ajudam a prevenir a coisa. Temos vindo a assistir, como é sabido, ao desenrolar de operações de investigação criminal e de processos judiciais que se arrastam por anos sem fim e se apagam da memória, sem os resultados práticos em termos de sentenças judiciais que se impõem.
Como muito bem lembra Germano Marques da Silva no artigo de opinião que hoje escreve no jornal i, intitulado “O combate à corrupção passa por todos e cada um de nós”, o combate à corrupção não é apenas uma função do legislador, das polícias e dos tribunais, é acima de tudo um dever cívico que deve interpelar cada cidadão.
No artigo, acrescenta que a corrupção “É facto de alguns, mas é culpa de muitos, de todos os que por qualquer forma a consentem, porque tolerá-la é uma forma de a incentivar ou de manter o estado de podridão. É facto típico criminal, político também, cultural, por isso, e, quando generalizado, é doença social de cuja gravidade a percepção comunitária tende a variar em razão do ambiente público e moral de cada tempo e cada espaço. (…) Como facto individual, a corrupção é crime, reprime-se com a lei penal; como facto cultural, previne-se e cura-se pela educação cívica. (…) O combate e a prevenção da corrupção compete às autoridades também, mas é sobretudo dever de todos os que querem viver numa sociedade sã, numa sociedade de iguais, numa sociedade livre, numa sociedade democrática. (…) Comecemos, pois, por fazer com que o nosso pequeno espaço seja livre de qualquer tipo de corrupção porque, se muitos o fizerem, as autoridades democráticas, as polícias, o Ministério Público e os tribunais chegam para o resto”.
A questão que se segue é a de saber porque não accionamos esse dever cívico? Porque é que não está a funcionar? O que é que verdadeiramente o entrava?

10 comentários:

Catarina disse...

Sou cidadã cumpridora das minhas responsabilidades.
Sou contra a corrupção.
Como posso eu, como simples cidadã, accionar este dever cívico de que fala a cara Margarida?

António Viriato disse...

Cara Margarida Aguiar e demais Confrades da 4R,

Lamento ter de dizer que não vejo aqui ninguém com vontade de abordar um assunto da maior gravidade política e social, pleno de actualidade, como o do Processo «Face Oculta».

Estivessem nele implicadas figuraas do PSD e haveríamos de assistir a um verdadeiro festival de artilharia pesada da crítica socialista, tanto da parte dos seus dirigentes, como da parte dos jornalistas e comentadores que lhe são afectos, com assento seguro e permanente na Comunicação Social.

Já no Parlamento, foi preciso JPPereira levantar a questão, ante a geral timorata atitude do restante grupo de Deputados da sua bancada, como que inibidos de o fazer.

Ou seja, o PSD parece temer discutir o caso, refugiando-se numa posição aparentemente de prudência legal, respeitadora do princípio do segredo de justiça, para processos judiciais em fase de investigação.

Prezemos valores e princípios sãos, de matriz cristã até, mas sem esquecer que nos achamos no mundo real, em que se desenvolvem lutas políticas, em que se disputa o Poder.

De contrário, mais vale que nos dediquemos a outro tipo de actividade, porventura do foro religioso, sem objectivos outros que não sejam os da perfeição moral e espiritual.

Assim, lastimo outra vez dizê-lo, mas prevejo ao PSD longos anos de travessia de um árido e penoso deserto político...

AV_09-11-2009

Bartolomeu disse...

Eu, sucato, ele, sucata
Tu, não sei se sucatas tambem
Mas no turpor que nos mata
Abunda a sucata de alguem

Eles sucatam em anónimo
Uma sucatada cescente
Esta sucata é sinónimo
D'esta sucata de gente

E por mais que se sucate
Sem pudor nem contenção
Não ha sucata que baste
Aos sucateiros da nação

É sucata para lá e para cá
Esta sucata é porreira, pá
Se pensam que sucata não dá
Enganam-se, sucata é o que mais ha

Temos sucata no ensino
Sucata na justiça e na saúde
Sucata é o nosso destino
Não se espere que esta sucata mude

Fenix disse...

Eu acho que o "Pecado Original" para haver corrupção, está nas "tentações" que a publicidade nos vai incutindo no nosso subconsciente, das falsas "necessidades" para atingirmos a felicidade plena! - São carros de alta cilindrada...É a casa de campo e a de praia...São as férias em locais paradisíacos... É toda a parafernália electrónica de última geração nas comunicações e audiovisiual...É o desfile na publicidade mais elementar de mulheres e homens bonitos, com peles muito cuidadas, ginasticados, enfim, etc. etc. Então as pessoas mais sensíveis ao materialismo,vão-se mentalizando que como é com dinheiro que se obtém tudo isto, lentamente, vão "abrindo mão" deste e daquele escrúpulo e vão-se tornando permeáveis à corrupção! Então, estamos actualmente mais que nunca com uma crise de valores colectiva que há que começar a tentar debelar, desde tenra idade..."Se a criancinha só quer roupa de marca "porque é de marca" não se compra por esse motivo, escolhe-se uma roupa também com qualidade mas "anónima" e de preferência nacional...Nas escolas implementar disciplinas, que abordem e reprovem o consumismo, e abordem temas onde se comece a implementar e a valorizar mais os valores espirituais, da amizade, do amor fraterno, da solidariedade, do estarmos de bem connosco pelo que somos e não pelo que temos... Sei que existe uma disciplina já nas escolas mas infelizmente ainda é marginal, pois não é obrigatória! É construirmos uma sociedade com mentalidade sã... O possuir não é pecado, o pecado é passarmos por cima de tudo e todos para o conseguir...Vai demorar muito a mudança mas vai ter que ser empreendida!

António Transtagano disse...

Fénix

O seu post acertou em cheio! É isso mesmo!

Henry disse...

"The only thing necessary for the triumph of evil is for good men to do nothing".

Trata-se de uma citação atribuida a Edmund Burke, que me ocorre com aflitiva frequência.

O que fazer, então, para que os "sucateiros da nação" não prevaleçam?

Catarina disse...

Tenho um marcador de páginas que diz:

“No one could make a greater mistake than he who did nothing because he could do only a little.” Edmund Burke

Bartolomeu disse...

Ocorre-me com aflitiva insistência uma solução, caro Henry... dar utilidade à escória.
Neste momento crítico, aquando da fusão, os sucateiros aproveitam somente os metais nobres e rejeitam a escória, por isso se mantêm... é mais ou menos como dizer: em terra de cegos, quem tem um olho é rei.
O problema é que a escória vai-se acumulando e os metais nobres sempre que vão à fundição geram novamente escória.
Não sei se está a "apanhar" the picture... my good Henry?

Henry disse...

Não sei se "apanhei" correctamente, caro Bartolomeu, deixe cá ver...
Fica a impressão de que,faça-se o que se fizer, a nossa "nobre" nação estará sempre irremediavelmente "fundida" ;)
É isso?
Ou será antes que, pegando na última citação de Burke (muito obrigado, Catarina), cada um de nós pode fazer algo, ainda que "only a little", para "reciclar" este monte de escória?

Não é esse, afinal, o desafio de cidadania que o post suscita?

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Cara Catarina
Talvez possa partilhar consigo mais alguma coisa de útil sobre o dever cívico que trato no meu post.
Muitas pessoas que cumprem as suas responsabilidades, pautam as suas vidas por princípios e valores éticos e são contra a corrupção têm um papel importantíssimo a desempenhar.
A corrupção é uma realidade, seja porque a legislação não é adequada, seja porque faltam meios à investigação criminal e os tribunais não respondem em tempo, mas, ainda assim, dispomos de uma reserva moral importante constituída pelos portugueses que são contra corrupção. Esta reserva moral é cada vez mais necessária e por isso mesmo cada um tem o dever e a obrigação de intransigência em relação à condenação da coisa, quer em relação aos seus próprios comportamentos quer em relação ao que espera dos outros.
Mas, sendo um direito, a indignação é também um dever.
Encolher os ombros e desistir, afirmando muitas vezes, como tenho ouvido, que não há nada a fazer ou que está tudo perdido, é que não.

Caro António Viriato
Seja, sinceramente, muito bem vindo. Já tínhamos sentido a sua ausência.
A confiança no sistema político e no sistema judicial nunca esteve tão baixa.
Estamos a assistir à corrupção de uma forma assustadoramente descontraída.
A situação é, por isso, muito grave.
O que eu pessoalmente gostaria de ver, Caro António Viriato, de forma séria e verdadeira, era uma vontade de ferro e uma união de esforços para superar a situação grave a que chegámos.
Será que as lutas políticas e a disputa do poder não se podem conciliar com aquele grande desígnio?
Caro António Viriato, volte sempre.

Caro Bartolomeu
Fantástico o seu dom de falar da sucata em poesia!

Caro Fenix
Não posso estar mais de acordo consigo em relação à necessidade da educação cívica. É fundamental. A lei, por mais perfeita que seja, nunca poderá impedir comportamentos desviantes, impróprios e criminosos. O importante é que as pessoas tenham uma formação cívica que afaste esses comportamentos, os denuncie e não tolere quem os pratique.

Caro Henry
Se cada um fizer a sua parte - "only a little" - já não é mau. O importante é que haja muitos a fazê-lo. O desafio de cidadania que aludo no meu post tem precisamente este sentido.