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terça-feira, 17 de novembro de 2009

A revolução tecnológica sempre em curso

Quando comecei a trabalhar, há umas dezenas de anos, já havia uma revolução tecnológica em curso, a que antecedeu muitas outras e se tinha sucedido a outras tantas. Essa era a que ia substituir as velhas máquinas de escrever, que implicavam que se pusesse duas folhas novas quando a dactilógrafa se enganava, uma para escrever de novo o trabalho, outra para ficar com a cópia impressa através do papel químico, colocado entre as duas folhas. Os ministérios compravam máquinas automáticas e fotocopiadoras e até já havia uns computadores gigantes só acessíveis a uns magos que percebiam para que é que aquilo servia.
Quem me ajudou a perceber o novo mundo em que tinha acabado de entrar foi uma rapariga, poucos anos mais velha que eu, que era administrativa e que me surpreendeu não só pela generosidade com que me explicava tudo mas também pela curiosidade que tinha pelos assuntos jurídicos, que aprendia com toda a facilidade. Era muito magra e pálida e a sua timidez mal encobria uma força de vontade e uma determinação que se revelaram em pouco tempo. Um dia perguntei-lhe porque é que não tinha estudado mais e se nunca tinha pensado em ir para a faculdade de Direito, já que era matéria para a qual tinha manifesta vocação.
Contou-me então que era de uma aldeia do Norte, de família pobre e com muitos irmãos e que ela e uma irmã tinham vindo para Lisboa porque sofriam ambas de uma doença cardíaca grave. Mas a irmã tinha acabado por morrer porque só uma operação em Londres é que podia salvá-la, cá ainda não havia meios para acudir à doença. Então e ela?, perguntei angustiada, a reparar de repente na palidez e na fragilidade pouco usuais numa pessoa tão jovem. Ela contou-me que, depois da irmã morrer, entrou em desespero. Via-se sozinha, com um parco salário que fazia Londres parecer uma miragem, os médicos a abanar a cabeça, impotentes, que só em Londres, aqui não havia nada a fazer, ia enganando os pais, para não os afligir espaçava as visitas, até que chegou ao ponto de já nem conseguir fazer a viagem de comboio.
Foi então que o Ministro visitou os serviços, para anunciar o investimento que iam fazer numa dessa máquinas novas, e de quanto iam gastar em formação do pessoal, porque o arranjo de uma avaria era uma fortuna, tudo números que a deixaram aterrada em comparação com o precisava para se salvar. Pareceu-lhe o Ministro pessoa simpática, também não tinha nada a perder, escreveu-lhe uma carta, Senhor Ministro, eu tenho uma doença de coração, preciso de ir a Londres para sobreviver, é a minha única salvação, se fosse uma máquina havia dinheiro para a concertar, como sou só uma pessoa deita-se fora sem substituir as peças, Senhor Ministro eu se fosse uma máquina havia de trabalhar muitos anos mais, quem é que ia deitar fora um instrumento que ainda podia render tanto, assim não tenho esperança, só se o senhor Ministro puser a minha despesa como se fosse uma fotocopiadora, talvez ninguém desse por isso mas eu sim, eu ia trabalhar toda a vida com a certeza de que valho mais do que a máquina mais cara que o Senhor Ministro vai mandar comprar. E fico-lhe muito grata por ler esta carta e pensar, um minuto que seja, que me pode salvar, eu só tenho 28 anos.
Passado pouco tempo recebeu uma carta pessoal do Ministro, com um cheque suficiente para a ida a Londres, ele pedia-lhe que não contasse a ninguém, que era uma viagem que ele ia fazer com a mulher mas da qual abdicava com muita esperança de que a ela lhe fosse o suficiente para se curar.
Ela foi operada em Londres e sobreviveu, já tinha passado mais de um ano quando me contou esta história, estava em franca recuperação. Mais tarde matriculou-se em Direito, ainda fez dois anos mas, apesar de todos os apoios dos colegas, não conseguiu aguentar o esforço e ficou só no emprego, foi promovida várias vezes até ser chefe de secção.
Estive muitos anos sem a ver até que me falou há dias para me contar que se tinha reformado, aos sessenta anos, porque queria aproveitar ao máximo o tempo de vida que ainda espera ter.
Foi assim que aprendi que não há revoluções tecnológicas se as pessoas não contarem sempre mais que as máquinas.

18 comentários:

Massano Cardoso disse...

Uma bela memória que decerto produziu muitas outras...

Bartolomeu disse...

Esses ministros Salazaristas eram uns corruptos, cara Dr. Suzana. Ocultos pelas faces da insensibilidade.
Onde já se viu um homem com as responsabilidades e o prestígio de um Ministro de estado, abdicar de uma viagem com a família, em nome de um valor absolutamente altruísta e humanísta?! Tinham muito de aprender esses ministrozecos de então, com os actuais e mais ainda com o seu chefe... aquele que diz peremptóriamente... "ainda está para nascer, aquele que fará melhor..." .
20-12-2012, pode ser que a coisa se venha a compôr... pode ser.

Catarina disse...

Uma estória que me emocionou.
Um relato que nos faz recordar a influência positiva que cada um de nós pode ter noutro ser humano, tal como o ministro e a Suzana tiveram nessa senhora.

Andamos tão atarefados, tão preocupados em acompanhar essa tal evolução tecnológica que tão rapidamente evolui (com receio de sermos ultrapassados e para além das outras mil e uma coisas que temos que executar) que, por vezes, não fazemos tempo de desfazer este alheamento que nos envolve, de parar e olhar o que nos rodeia, de acompanhar e conhecer os que estão ao nosso lado.

Um sorriso... um simples sorriso pode fazer tão bem à primeira pessoa que encontramos no caminho. E quantas vezes não nos esquecemos de o fazer? Recordei-me de uma das citações de Mark Twain: “A raça humana tem uma única arma realmente eficaz, que é o riso. Contra um ataque de riso ninguém pode fazer nada.”

Mais uma vez, cara Suzana, foi com muito gosto que li o seu escrito

jotaC disse...

Cara Dra. Suzana Toscano:

São histórias de generosidade como esta que nos fazem acreditar que há sempre um lado bom no ser humano que pode manifestar-se de diversas formas, como a desta senhora que se disponibilizou a partilhar os seus conhecimentos, e a deste ministro que teve um gesto superior de generosidade.
Mas a verdade, é que só tem memórias gratificantes como esta quem pela vida passa olhando os outros…

José Meireles Graça disse...

Curiosidade minha, que creio não ser malsã: Sabe por acaso o nome do ministro? É que um homem desses, se foi capaz de um tal gesto, também era capaz de não contar a ninguém: a grandeza de alma anda muitas vezes acompanhada de modéstia. E, se tiver descendentes, estes gostariam de conhecer esta história.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Suzana
Um gesto de grande nobreza e superior dimensão humana. Um grande exemplo.
A dimensão humana nunca será substituída pelas máquinas, pelo simples facto de que estas estando ao serviço dos homens são estes os responsáveis pela sua boa ou má utilização.
Mas num mundo em que se apela à tecnologia como fonte de progresso, é bom não esquecer, e a estória que a Suzana partilhou connosco conta-nos isso mesmo, que há muitas pessoas no mundo, e muitas que vivem ao nosso lado, que passam pela vida sem poder beneficiar das vantagens do progresso.
A generosidade é um dom que às vezes nos esquecemos que temos para dar e que temos dentro de nós. Se cada um, à sua escala e dimensão, puder fazer alguma coisa pelos outros, por pequena que seja, então a tecnologia poderá beneficiar um maior número de pessoas.
Há muitas pessoas anónimas que ajudam os outros e que nunca saberemos quem são. À generosidade está muitas vezes ligada a modéstia e a descrição.

Suzana Toscano disse...

Esta é realmente uma história da vida real, uma entre tantas que não saltam para as páginas dos jornais poruqe parece que só a maldade ou a falta de humanidade é que interessa divulgar. Tem a particularidade de ter envolvido alguém que exercia um cargo político e também aí nos habituamos a só ver maus exemplos e, uma vez mais, haverá muito boas razões para nos orgulharmos de muitos dos que souberam exercer os seus cargos com consciência e sensibilidade, além da competência.E isso tem sobtretudo que ver com o carácter das pessoas, com a sua formação, e não com as opções políticas embora deva esclarecer o caro Bartolomeu que este caso já se passou depois do 25 de Abril, com um daqueles ministros passageiros cuja dimensão intelectual e humana foi desperdiçada na voragem dos tempos.
Não posso, embora gostasse muito, revelar quem era, caro JMG, a discrição era condição imposta pelo próprio e respeito-a, sei apenas que essa pessoa ainda pode lembrar-se do belo gesto que teve a menos que tenha sido sua regra de vida, ajudar os que lhe batem à porta, caso em que terá apenas uma vaga ideia de uma funcionária doente que pôde salvar-se graças a ele ser Ministro naquele momento. Mas fica o gesto para a história, se encontrarmos várias pessoas a quem pudessemos atribuir a sua autoria, seremos pessoas muito felizes.

Anónimo disse...

É, de facto, uma estória extraordinária. A desconfiança com que se olha para os políticos é tão grande nos dias que correm, que a muitos este enredo - aliás, como sempre, magnificamente narrado pela Suzana - parecerá irreal.
Mas a verdade é que, para lá de todo o cepticismo que muito do ambiente que vivemos justifica, ainda há gente boa, entre os humildes mas também, felizmente, entre poderosos.

Pinho Cardão disse...

Cara Suzana:
Belo exemplo de humanismo e humanidade nesta hora em que uma tecnocracia saloia a tudo sobreleva. A compaixão entra nas palavras de muitos, alguns exibem-na como senhores do monopólio, mas os actos são de selvajaria atroz. Faz bem à alma recordar histórias como essa.

Suzana Toscano disse...

Compaixão, aí está uma palavra que devia ser reabilitada, caro Pinho Cardão, pela enorme nobreza não só de sentimentos mas de atitude que exprime. Compadecer é "sofrer com", é a capacidade de sentir como nosso o sofrimento alheio, acompanhado do impulso desinteressado em solucionar o problema.É diferente de ter pena porque esta é passiva, não é movida por um sentimento de “irmandade” mas por um vado sentido de superioridade de situação, de alguém que pode dispensar um pensamento emotivo mas que não se preocupa com a continuação do estado de sofrimento. Ter compaixão é partilhar uma situação sem emitir juízos de valor sobre o que conduziu a ela, o outro podia ser um de nós, é assim que a compaixão leva a acção.

António Transtagano disse...

Eu bem compreendo a sua ironia, Caro Bartolomeu, ao referir "Esses Ministros de Salazar eram uns corruptos". "Tinham muito que aprender esses ministrozecos de então com os actuais e mais ainda com o seu chefe(...)". Compreendo perfeitamente sua ironia.

Realmente - e a História demonstrou-o - não havia corrupção, no sentido técnico e preciso do termo. O que havia era corrupção da alma: prendiam-se pessoas arbitrariamente sem direito ao contraditório e a um julgamento "Fair and just". Por determinação do Conselho de Ministros demitiam-se do ensino alguns dos mais qualificados professores; dezenas de funcionátrios do Estado, não por concussão ou corruptela, antes por pensarem de maneira diferente, tiveram igual destino. O pensamento não se podia expressar livremente. Havia censura à imprensa, ao teatro e ao cinema. Tribunais Plenários Criminais foram sempre intrumento dócil do Governo. E as almas desses ministros não eram corruptas? Decerto que o eram! Um regime de contas públicas em ordem, não havia défice orçamental nem endividamento. Não havia cabazes de Natal, é verdade. Os dinheiros públicos eram "sagrados" e só o foram em virtude de uma personalidade absolutamente inconcussa que estava à frente do Governo: o Doutor Salazar.

Sabe-se a que conduziu esta política: ao desastre nacional.

O que nos deixou? Os cofres cheios de ouro e uma moeda forte! A tal pesada herança de que tanto, depois, se haveria de falar.

Mas numa análise "custos benefícios", como gostam de dizer os nossos economistas, o que nos deixou o ancién régime?

Um País em crescimento económico, todavia com uma das taxas mais altas de mortalidade infantil; uma classe média emergente mas com as classes baixas com taxas de enorme analfabetismo e vivendo sem acesso à educção e à saúde. Um País rural, com uma agricultura incipiente e insuficiente para as satisfação das nossas necessidades. A proibição do divórcio para os casamentos católicos ainda que estes tenham perdido a fé! Para não falar já do problema colonial ou ultramarino, se quiser. Um indústria condicionada.

Quando a bolha rebentou, O PM Palma Carlos equiparou-a ao efeito de abertura de uma garrafa de espumante!

Pergunta-se: de quem é a culpa do actual satus quo? Por que não se fizeram eleições livres no final da 2ª grande guerra mundial? O Doutor Salazar tinha todo as as condições para o fazer. A sua política de neutralidade poupou o País à grande conflagração mundial e gozava apesar de tudo de créditos não despiciendos pelo endireitamento das contas públicas e pela hábil política de "neutralidade". Perdeu essa grande oportunidade pela simples mas decisiva razão de que ele era e sempre fora visceralmente antiparlamentarista. Nesses tempos ainda era possível democratizar! Caetano já não o pôde fazer:o problema colonial ou ultramatino,conforme prefira, impedi-o de qualquer veleidade! E o desastre era inevitável: a Revolução.

E agora? Não podemos regressar ao Salazarismo. E salazarismo sem Salazar não é Salazrismo. Seria pior!

O que nos resta, Bartolomeu? Condenar a corrupção que campeia transversalmente em todos os partidos do arco governamental? Com certeza que sim! Melhorar as leis? Com certeza, também. Mas ela continuará a exitir como existe nas demais democracias, especialmente nas de matriz latina!

Uma rotura revolucionária? À margem da Constituição?

Como há-de ser, Bartolomeu?

Bartolomeu disse...

«O que nos resta»
Não vejo isto como uma interrogação meu caro amigo Transtagano, mas sim como um dado da equação.
Não conhecemos nenhum regime político e social que se possa isentar de imperfeições. O regime de Salazar sofreu de muitas incongruências e ataques à liberdade de expressar diferentes ideias políticas.
Pergunto: será possível, hoje, levar avante um projecto de sociedade ideal, onde os cidadãos tenham acesso ao ensino, à saúde, ao emprego e onde não se verifiquem os interesses de privados e de estado?
Voltar aos tempos de Salazar parece-me impossível, a conjuntura social, política e económica em que Portugal actualmente se insere, não o permitiriam, nem haveria qualquer vantagem nisso.
Mas bom seria se se readquirissem os princípios éticos, humanísticos e de carácter que avultavam tanto nos cidadãos comuns, como nas pessoas de estado, como ainda no meio empresarial.
Existia exploração da pessoa no meio laboral, é verdade. Mas antes de se dar o 25 de Abril já se evoluía no sentido de garantir aos empregados mais justeza quer nas retribuições salariais, como nas regalias sociais. Foram conquistas que se ficaram a dever a muito esforço e muito empenho das classes profissionais, mas que estavam cimentadas e que estão a perder-se. Na saúde e no ensino aconteceu o mesmo cenário.
Como ha-de ser, meu amigo?!
Já sabemos como queremos que não seja. Já conhecemos o sabor doce da conquista e estamos agora a sentir o amargo da deterioração do que foi conquistado.
A reconquista exige esforços e determinação, esse é um dado adquirido que ainda ninguem quis assumir. Salazar e outros estadistas que foram capazes de deixar obra feita no campo social, dedicaram especial atenção à dinamização das produções que geram riqueza e apostaram fortemente na especialização da mão de obra. Actualmente os nossos gestores dão especial atenção às engenharias financeiras e às rentabilizações de capital, sem investimento, parece que a nossa economia assente sobre uma base de areias movediças que ameaçam a submersão a qualquer momento. No tempo de Salazar, investia-se e priveligiava-se a solidez, um conceito de economia mais lento mas de longe menos arriscado.
Uma rotura revolucionária... à margem da constituição...
Se a nossa constituição ainda valesse o que valeu, teria de uma revolução decorrer à sua margem. Mas a nossa constituição de tão atropelada que tem sido, já deve ela própria, duvidar da sua autenticidade. E os revolucionários? Onde estão essas almas erguidas?
É que, em 25 de Abril de 1974, Portugal não tinha recebido ainda o numero exorbitante de imigrantes de leste, dos países africanos, do brasil, etc. não tinha ainda a cada esquina um restaurante ou uma loja de artigos chineses. Não tinha a taxa de desemprego que existe actualmente.
Em 25 de Abril de 1974, os revoltosos capitães, prometiam liberdade de expressão para o povo e o fim da guerra colonial.
E hoje, que poderiam prometer à população os capitães de Novembro de 2009?

António Transtagano disse...

Não há capitães de Novembro de 2009. Houve, sim, os de Novembro de 1975!
Mas, Bartolomeu, o que acho que é preciso é desde logo definir o que não queremos. E saber se os "benefícios" ultrapassaram os "custos" no "ancien régime", ou o invés.

Se a resposta for "os custos suplantaram os benefícios" não valerá a pena preocupar-nos mais com o passado a não ser para extrair dele as lições da História.
Nesta perspectiva, o que temos de fazer é olhar para o futuro tendo como ponto de partida o presente.
E o combate à corrupção há-de ser uma prioridade inescapável. Nenhum de nós se pode excluir desse combate. Um combate que não pode ter tréguas.

E permito-me mesmo acrescentar: não é pelas "escutas " que alguma vez se ganhará esse guerra inadiável na sociedade portuguesa.
Se quer que lhe diga, Bartolomeu, não defendo as escutas como o meio mais apropriado de investigação. Só em casos muito contados eu aprovaria esse meio de obtenção de prova. Estou a pensar no terrorismo e nos crimes contra a segurança interna e externa do Estado. Como todos sabemos, durante séculos, foi a confissão do suspeito a rainha das provas. Se não fosse espontânea, haveria que obtê-la a qualquer preço: a tortura!

Hoje sabe-se - e é um dado civilizacional adquirido - que a própria confissão, ainda que espontânea, desacompanhada de outros meios de prova, não vale como prova. Ora a prova mediante escutas é uma forma insidiosa de obter a confissão. Outros tempos, outros métodos...

Advogaria, desde logo, que se acabasse como sigilo bancário e com as "offshores".

Criminalizaria o enriquecimento ilícito, não se podendo ver aqui qualquer inversão do ónus da prova. Tal alegação não passa de uma falácia!

Vi algures, ontem, que uma determinado suspeito não fazia declarações de rendimentos há cerca de dez anos! Como é possível isto, Bartolomeu? Tapamos o sol com uma peneira! Há por conseguinte muito a fazer no combate à corrupção. O poder político actual não é capaz de combater a corrupção? Se for esse o caso, cabe à oposição democrática mostrar o que pode aportar de útil a este propósito. Não é perder-se em querelas infindáveis sobre o que disse fulano ou sicrano ou deixou de dizer ao telefone! Nem tão pouco subscrever "pactos" opacos para a Justiça, para aliviar a consciência...

Se os "benefícios foram superiores aos custos", então restará esperar por D. Sebastião, quer venha ou não!

Bartolomeu disse...

Caro António de Além Tejo, os offshores nunca teriam tido motivo para serem criados, se o estado não se tivesse gradualmente transformado num sugador de riqueza alheia e simultâneamente mau distribuidor da riqueza comum.
E não existindo offshores, os ganhos ilícitos não teriam lugar seguro onde se esconder, as proprias entidades bancárias teriam a liberdade de efectuar negócios fraudulentos cerceada.
No entanto, em matéria de "dinheiros" sabemos cada vez mais, que são poucos os que renunciam seja por que preço fôr a deixar-se corromper, isto para não falar dos que desejam ser corrompidos.
Quanto à abulição dos offshores, estamos de acordo , caro Transtagano. Já no que diz respeito ao sigilo bancário, a minha opinião é diferente. Considero a violação de uma conta bancária, do mesmo modo que a violação da residência privada. Se existirem suspeitas e mandatos de busca, muito bem que se "esmiucem" todas as fontes que permitam apurar a verdade, fora isso, considero uma total e completa violação.
Quanto às escutas, batemos no mesmo ponto. Se esse for o único meio para provar um crime suspeito, não acha pior deixar esse crime sem punição, em nome da preservação de um direito "civilizacional" ou de cidadania?

António Transtagano disse...

Já agora, caro Bartolomeu, o que me diz sobre a criminalizção do enriquecimento ilícito?
Quanto ao sigilo bancário, estamos, pois, em desacordo. Penso que a "devassa" da conta bancária é algo muito diferente que a devassa do domicílio. Uma coisa é a "libertação" do sigilo, outra o "voyeurismo". E se houvesse que ser libertado, ainda assim teria que ser regulado. Mas não se esqueça de que o universo de pessoas das instituições bancárias tem acesso às contas que lá estão, contrariamente à intrusão no domicílio alheio...

Bartolomeu disse...

Sim caro António, as pessoas que refere têm esse acesso, mas estão obrigadas à observância de um código deontológico que as obriga a manter sigilo.
Quando falamos de enriquecimento ilícito podemos estar a falar de um tipo de enriquecimento que lesa o estado, ou que pode ser resultado de outro tipo de fraude. Seja em que circunstância fôr, estamos sempre a considerar um crime, na medida em que houve lesa-alguem. O nosso código penal prevê essas situações nos seus artigos. Restam os crimes de enriquecimento, provenientes de fontes indeterminadas ou desconhecidas e que são tambem causa de enriquecimento. Aqui põe-se a questão de se saber se o que deve ser julgado é a causa ou o efeito.
;)))
Estou na brincadeira, obviamente.
Aquilo que nos deixa impressão no meio de tudo isto é que existe algum pudor em classificar os crimes, como que deixar na lei uma "porta da traição" como existia nos castelos e que servia para permitir a fuga, sob uma manobra de diversão.

António Transtagano disse...

Pois, caro Bartolomeu, o código deontológico. Só que, infelizmente, na generalidade, é letra morta... Tal como o segredo de justiça. E a violação deste vem sempre de dentro, com a coloboração promíscua de boa parte da comunicação social!
Quanto ao enriquecimento ilícito, como bem reconhece, não está tipicamente criminalizado. Se o estivesse, o enriquecimento sem causa conhecida ou indeterminada seria punível. Provada pela Justiça a desconformidade entre as declarações de rendimentos e o "estalão" de vida do sujeito, competirá a ele esclarecer as suas causas: herança, euromilhões,lotaria, etc. E não se inverte com isto o ónus da prova.
Tal como, no homicídio, competindo à Justiça prová-lo, competirá ao arguido provar a legítima defesa...

António Transtagano disse...

Caro Bartolomeu, ainda quanto à parte final do seu comentário das 16:42, não creio que a escuta seja o único meio de provar o crime de corrupção. Além de que nem todos os meios justificam os fins, há outros meios de prova menos invasivos do que a reserva da vida privada, feita de maneira insidiosa. E a questão que recentemente continua a discutir-se não resulta do facto do sr. Vara ter sido colocado sob escuta. A questão foi imediatamente descentrada para se centrar nas conversas que o PM teve com os sr. Vara. Por este andar, Portugal transforma-se, se não está já transformado, num enorme orelhão, precisando urgentemente de ir ao otorrinolaringologista para extrair a cera e os elementos pilosos que,com aidade, não deixarão de aparecer. Do que precisamos é de agir em vez de escutar. Sempre me disseram, desde pequeno que escutar é feio e que quem escuta de si ouve!