O Tribunal Constitucional (TC) decidiu – pelo que, concorde-se ou não, está decidido: os cortes nos subsídios de férias e de Natal para os trabalhadores das Administrações Públicas e das Empresas Públicas, e para os pensionistas são inconstitucionais. Num Estado de Direito Democrático as decisões de quem pode têm que ser respeitadas e acatadas – da mesma forma que se pode delas discordar. É o meu caso em relação ao que o TC decidiu, pelas 5 razões que passo a apontar.
1. Decidiu o TC que os cortes nos subsídios de férias e de Natal na esfera pública é apenas inconstitucional a partir de 2013. E justifica a excepção de 2012 com a situação de emergência que o país vive e o risco para o cumprimento da meta do défice público, uma vez que mais de metade do ano já lá vai. Creio que esta argumentação não colhe, por duas razões:
i. Só existe enquadramento legal para o corte dos subsídios no ano em que estamos – através do Orçamento do Estado (OE); para os anos seguintes, há apenas a intenção do Governo de manter esta medida. Assim, o TC declara constitucional a excepção de 2012 (a única legalmente enquadrada) e manifesta-se pela inconstitucionalidade de… intenções. Como qualificar, do ponto de vista jurídico (e eu sou economista…), esta decisão? Bizarra, é o mínimo…
ii. Ficámos a saber que, para o TC, a situação de emergência se esgota em… 2012. Porém, o Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) a que Portugal se encontra submetido tem o fim previsto para… 2014. Como entender esta leitura do TC?!... Por que não se decidiu pela excepção da inconstitucionalidade da medida enquanto vigorar o PAEF?!...
2. Antes dos cortes salariais decididos no OE’2012, de cerca de 14% por mês, em média (é ao que correspondem os cortes nos subsídios), existiram cortes salariais no OE’2011, de 5% em média, por mês. Mas então estes cortes de 2011 não são inconstitucionais?!... Porquê? Qual a fronteira? 7%? 10%? Ou... Não tivemos, aqui, dois pesos e duas medidas?... Convinha que o TC explicasse esta evidente disparidade de avaliação…
3. Tem muito que se lhe diga a questão da equidade nos sacrifícios entre sector público e privado. Nada me move contra a função pública e as empresas públicas: o problema da despesa pública excessiva (ronda 50% do PIB) é da total responsabilidade dos decisores políticos; porém, tem a sua dimensão no Estado e não no resto da sociedade. E este Estado é o “patrão” dos recursos humanos do universo público – estando, basicamente, falido (daí o pedido de ajuda externa). Se fosse um patrão privado, fechava as portas e os empregos seriam perdidos… Como se pode invocar equidade entre duas realidades que são tão claramente diferentes?!...
4. A experiência empírica mostra que, em geral, as consolidações orçamentais produzem resultados mais sustentáveis e são menos contraccionistas (ou mais expansionistas) se assentarem, na sua maior parte, na redução da despesa pública (sobretudo na despesa corrente primária) e não no aumento da receita. Mas, implicitamente, a decisão do TC vai no sentido de alargar os sacrifícios a toda a sociedade – presumivelmente pelo aumento da carga fiscal. O que, desde logo, mina expectativas e confiança – e, como tal, mesmo mantendo o impacto orçamental, agrava as consequências económicas (via menos consumo e investimento) e sociais (aumento de desemprego pelo encerramento adicional de empresas). Já nem refiro o agravamento do (já excessivo) esforço fiscal relativo, a deterioração da nossa já (muito baixa) competitividade fiscal, e a orientação (indicativa mas correcta, pelo exposto acima), acordada com a Troika, de uma consolidação orçamental baseada em, pelo menos, 2/3 de medidas do lado da despesa (e menos de 1/3 na receita).
5. Last but not least, a imagem de Portugal no exterior, em franca recuperação desde há alguns meses a esta parte, sofre um forte revés, levantando desconfiança sobre qual poderá ser a reacção do poder judicial a outras medidas que eventualmente sejam tomadas para enfrentar a situação de emergência que enfrentamos.
Tudo somado, considero incompreensível a decisão tomada pelo TC – e nunca imaginei que um órgão judicial com a sua importância pudesse assim decidir, com uma fundamentação que, seja qual for o ponto de vista (judicial, económico e mesmo político) deixa, manifestamente, muito a desejar.
Estou certo que o Governo saberá encontrar as melhores alternativas para substituir a austeridade agora colocada em causa de modo a que, por esta razão, o horizonte temporal do PAEF não seja estendido (o que seria muito negativo para a imagem internacional de Portugal). E, por tudo o que acima referi, espero (e estou certo) que procurará, prioritariamente, soluções do lado da despesa. Que, infelizmente, poderão não ser suficientes…
Por mais que se diga que a decisão do TC constitui um álibi para o Executivo poder actuar sobre os privados, não me parece que esta sentença fosse por si desejada. Pelo contrário: a sua tarefa, já hercúlea mas que tem sido objecto de avaliações positivas, ficou ainda mais dificultada. “Porquê”, é a questão para a qual não consigo, realmente, encontrar resposta…
Publicado no Semanário Sol em Julho 13, 2012.
5 comentários:
Caro Miguel, se o teu artigo fosse um acórdão, eu comentá-lo-ia do seguinte modo: 1- O TC não considerou os “cortes” constitucionais em 2012, disse que os efeitos do acórdão só se produziriam a partir de 2013, o que é substancialmente diferente. 2- Se não havia intenções de prolongar a medida, como se explica tanta confusão? Seria apenas uma abordagem inútil por parte do TC, não causaria nenhuma contrariedade. 3- O TC não diz que a situação de emergência se esgota em 2012. Do mesmo modo que não diz que os “cortes” em salários do sector público são inconstitucionais. O que diz é que, nesta dimensão (14%), em cima de todas as medidas que recaíram já antes sobre o mesmo grupo e ainda as que recaíram sobre este grupo e todos os outros, são desproporcionados e não encontram justificação nos dois argumentos invocados (segurança no emprego e salários médios mais altos). 4 – quanto aos cortes anteriores, também houve um acórdão do mesmo TC, de resto invocado neste, que explica a tua dúvida ou seja, há uma proporcionalidade que tem que ser respeitada mesmo em circunstâncias difíceis cimo a que vivemos. 5- Não é só por isso que os sectores são diferentes, é que se o Estado fechasse as portas, como dizes, lá se iam os hospitais, as escolas, as polícias, as universidades, a segurança social. Por alguma razão – que não a da segurança no emprego – os serviços do Estado têm que ser assegurados.6- Se é essa a experiência empírica, e não a discuto, em que momento é que estas medidas que dizes terem sido presumidas como “intenções” deixariam de onerar este grupo? 7- a imagem de Portugal no exterior também se sustenta com o funcionamento das instituições, incluindo o TC. A Alemanha espera ansiosa que o seu TC se pronuncie sobre o último Tratado, creio eu. Na América, pronunciou-se sobre a reforma da saúde, e por aí fora, em democracia e normalidade institucional.
Mas que grande tareia no Miguel, cara Suzana!
Mas bem merece, por andar tão ausente!...
Sim, sim, é para o trazer ao bom convívio deste blogue, onde há mesmo debate a sério :)
cara Suzana, tenho a certeza que é funcionária pública, e como tal, apenas se preocupa com o seu próprio umbigo. Já para não falar que nunca teve concerteza de tomar decisões, como as que tem de ser tomadas pelos actuais responsáveis do governo.
Aproveito para dizer que não pertenço a este governo, nem partido, nem coisa que se pareça, apenas me mantenho atento a alguns comentários "umbilicais" de alguns funcionários públicos que para aí andam a escrever em blogues no seu horário de trabalho!!! Não deveriam estar a trabalhar? Ou apenas tem um tacho/emprego?
Hugo, procure no google "Susana Toscano" e vai perceber melhor, é que é uma opinião de quem tem conhecimentos profundos da matéria.
E ter uma mentalidade de "nós contra eles" além de absurdo é contraproducente.
Pessoalmente eu preferiria o despedimento dos excedentários a um corte tão brutal, porque desmotivando a grande maioria que trabalha, e bem, não se consegue aumentar a produtividade na AP.
PS: Entrei para a FP, por concurso, mesmo a tempo de sofrer os cortes.
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