1. Para a generalidade dos “media” nacionais, que quase unanimemente resolveram adoptar desde há algum tempo uma postura anti-Merkel, a cimeira da passada semana saldou-se por uma saborosa derrota da Chanceller alemã.
2. Não podemos nunca deixar de ter em consideração a alta clarividência e o apurado sentido da realidade desde sempre demonstrados pela generalidade dos comentadores de serviço na nossa comunicação social – basta que nos recordemos da forma corajosa como desde muito cedo denunciaram os erros graves da política económica e financeira que ficou conhecida por “socratismo”...
3. O vencedor incontestado da cimeira teria sido para estes comentadores o PM italiano Monti que teria conseguido forçar ou vergar mesmo a Chanceller a aceitar compromissos que até aí tinha obstinada (e estupidamente) recusado, com o objectivo de combater a especulação que nos últimos tempos se abateu sobre o mercado das dívidas públicas italiana e espanhola em especial.
4. Curiosamente, numa interpretação totalmente dissonante dessa, a edição de ontem do F. Times publicou um texto do habitual articulista Wolfgang Munchau, cujo título é, nem mais nem menos, “The real Victor in Brussels was Merkel, not Monti”.
5. Nesse texto, Munchau, depois de dizer que a forma como foi noticiado o desfecho da cimeira, uma vitória da Itália, reflecte apenas a parte do espectáculo da cimeira mais visível, acrescenta que se atentarmos no que realmente se passou, praticamente nada mudou para o caso da Itália uma vez que ao European Stability Mechanism (ESM) já seria possível adquirir obrigações italianas em open-market, antes mesmo das decisões desta cimeira.
6. E acrescenta, para que a Itália possa futuramente recorrer ao ESM para compra da sua dívida – também para intervenções no mercado primário, saliento – ficará obrigada a apresentar à famosa troika um programa de medidas que justifiquem esse recurso, quase como no caso dos programas de ajustamento – embora um programa porventura mais suave e com menor publicidade.
7. E ainda segundo Munchau, se tivermos que entrar em linha de conta com todos os outros compromissos que o ESM terá que assumir - designadamente com os programas de resgate em curso, o apoio futuro ao sistema bancário espanhol, para além dos "trocos" com Chipre e talvez com a Eslovénia -o valor que ficará disponível do seu capital (€ 500 mil milhões) para intervir na compra de dívida italiana poderá ser escasso.
8. Relativamente à possibilidade do mesmo ESM vir a adquirir participações em bancos espanhóis, para estabilizar o sistema financeiro – apesar de tudo uma razoável vitória para Espanha, pelo menos na aparência, desligando o Estado espanhol desse compromisso - Munchau recorda que essa possibilidade fica dependente da efectiva atribuição ao BCE de poderes de supervisão sobre bancos da zona Euro (quais?), que hoje não tem, assunto que ainda irá fazer correr muita tinta e que muito dificilmente estará concluído em 2012 como previsto.
9. No fim, quem tem razão? Os nossos mais do que clarividentes comentadores ou W. Munchau?
9 comentários:
Os mesmos sinais iniciais, os mesmos sinais finais e a mesma incompreensão dos fenómenos. Os alemães (e os finlandeses e os holandeses e...) já têm os ladrões deles, não querem os nossos. Eles ajudam quem trabalha e, até agora, têm sido impecáveis na ajuda a cada um dos europeus, a cada uma das empresas europeias. Não venham é pedir aos alemães que, para além de sustentarem os ladrões deles também sustentem os nossos.
Eu não percebo o que é que ainda não entrou na cabeça desta gente. Esta tem sido a postura da Merkel desde o 1º minuto e vai acabar no último. Esqueçam os estados "investidores", ou os estados são viáveis economicamente ou fecham-se!
No dia seguinte à Cimeira tive que ir ao Porto e durante cerca de três horas fui ouvindo as notíciasdes. Uma derrota de Merkel, diziam. Acontece que, pelo conteúdo informativo, não via onde estava a vitória ou a derrota. Parecia-me que tudo estava igual. Á tarde, antes de uma reunião, perguntaram-me o que achava. Não achava nada, respondi, já que via uma distância enorme entre os factos relatados e o juízo emitido pelos jornalistas e comentadores. De modo que não sabia o que verdadeiramente tinha acontecido. Relatei o que desconfiava que fosse. Tinha razão. Verificada agora, sem qualquer dúvida, pelo F.T.
Caro Tavares Moreira
O único ponto que interessa e, mesmo assim não tenho completa certeza, é que a dívida oriunda de qualquer resgate, não é privilegiada sobre as demais; aparentemente não seria considerada senior debt.
Isso, muito mais do que o resto de fogo fátuo, deve explicar uma parte importante da reacção dos dias seguintes.
Cumprimentos
joão
Caro Tavares Moreira, uma pergunta totalmente off topic mas que me tem aqui azucrinado. Como não sei onde procurar pergunto-lhe a si, que responderá se entender. O pagamento de pensões dos funcionários públicos é registado como ordenados ou como prestações sociais na execução do orçamento de estado? É que tenho visto muitas notícias sobre os riscos na execução orçamental da segurança social e nem uma única vez tenho ouvido falar no facto de em junho e novembro não haver pagamentos de subsídios de férias e natal para os pensionistas (ao contrário da execução com as despesas em ordenados que referem quase sempre esse aspecto). E essa não é uma questão irrelevante para a projecção do que vai acontecer até ao fim do ano com a execução orçamental.
Peço desculpa pelo abuso mas estou verdadeiramente intrigado com isto.
Com os melhores cumprimentos
henrique pereira dos santos
Caro Tonibler,
Essa teoria da balcanização dos ladrões é admirável, sugiro-lhe que registe a patente porque tem mesmo graça - e, no fim de contas, até é verdade...
E até sucede que os nossos "ladrões" em muitos casos - na maioria, quiçá? - se apresentam como criaturas bastante solenes, na pele de grandes senhores, reclamando toda a legitimidade para gastar mal o dinheiro que dolorosamente temos de lhes confiar...
Esses são bem piores do que os delinquentes tradicionais, que são condenados por furto ou roubo...
Caro João Jardine,
A deseniorização da dívida só se aplicará no caso do apoio aos bancos espanhois, quanto percebi...quando esse crédito for transmitido do EFSF para o ESM conservará, a título excepcional, o estatuto de crédito não senior...
Caro Pinho Cradão,
Estamos bem arranjados com este coro de comentadores encartados que não fazem a menor ideia daquilo sobre que emitem opinião...
Não surpreende a total confusão em que os cidadãos se encontram mergulhados...
Exacto, e os alemães têm a dose deles, não precisam de levar com a nossa, proporcionalmente muito maior...
Acho que é praticamente impossível akguém perceber ao certo o que se passou numa cimeira destas, com problemas tão complicados para ir resolvendo - alguns com o tempo, como já aqui disse o caro Tonobler - e com tantos palpites a filtrar as notícias. O que é certo (talvez!) é que lá se vai arranjando forma de ir empurrando os problemas com pequenas soluções ou adiamentos das crises mais graves. Está provado que esta dicotomia "austeridade sim/austeridade não" é de um simplismo atroz, terá que haver austeridade em toda a Europa gastadora, como terá que haver na Alemanha quando todos deixarem de gastar, mas se só houver apertar do cinto também não há defice que resista, portanto nalgum lado terá que se encontrar o equilíbrio, ainda que a pequenos passos. E, no fim, ninguém poderá cantar vitória, nem derrota, a menos que a derrota seja geral, o que seria dramático.
Caro Henrique Pereira dos Santos,
As pensões de reforma dos funcionários públicos constituem encargo da Caixa Geral de Aposentações (CGA), classificada na Administração Central, sub-sector dos Fundos e Serviços Autónomos, contando com receitas próprias, os descontos dos funcionários no activo e outras, bem como transferências do orçamento do sub-sector Estado.
Assim, as variações no montante das pensões de reforma que vierem a ser pagas em 2012 irão, inevitavelmente, reflectir-se no saldo global da Administração Central - e tb no saldo do sub-sector Estado em função da variação do montante das transferências para a CGA.
Cara Suzana,
Creio que fez no seu comentário uma boa síntese daquilo que poderá ter sido o balanço da cimeira, em termos de ganhos e perdas...
Creio bem que as coisas se deverão colocar em termos de todos ganharem ou de todos perderem, pois o sucesso ou insucesso do projecto europeu significará isso mesmo...
Até se perceber melhor para que lado vamos cair, ainda muita água vai correr...
E repare como os mercados dão crédito à capacidade de sobrevivência da zona Euro, quando cotam a pública dívida portuguesa com vencimento em Setembro de 2013 praticamente a 100%...
Caro Tonibler,
É claro o que diz, não nos esqueçamos do pitoresco episódio, aqui referido há algumas semanas, da existência de mais viaturas oficiais só na Região Autónoma da Andaluzia do que na Alemanha, juntando neste caso o Estado Federal e os Estados Regionais...
E os alemães não desconhecem esse episódio, pois até o F. Times a ele se referiu...
São estas brincadeiras que a dita solidariedade europeia - na forma de eurobonds ou outra - é suposta pagar?
Muito obrigado
henrique pereira dos santos
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