Por mero acaso liguei a televisão ontem quando estava a ser entrevistado pela jornalista Judite de Sousa um rapaz muito jovem de seu nome Lourenzo de Carvalho. Pelo que percebi, o motivo de celebridade era o facto de o jovem, com pronúncia brasileira, ser rico, viver em Portugal, e ter gasto muitos milhares de euros numa festa de anos com artistas da moda vindos de fora, mais uns detalhes absurdos sobre quanto teria o jovem pago para ter esses tais convidados. Primeiro pensei que era mais uma daquelas formas de encher o tempo de Verão com notícias tolas mas intrigou-me o motivo por que teria o rapaz direito a tempo de antena, aliás longuíssimo, a entrevistadora referiu que ele era corredor de automóveis e fiquei à espera de saber quais eram os seus feitos de destaque. Pois enganei-me. A entrevista destinava-se, espantosamente, a "denunciar" a fortuna do menino e forma "fútil", dizia a jornalista com insistente agressividade, como ele gastava o dinheiro dos pais. Foi penoso assistir ao espectáculo de pura exploração de baixos sentimentos dos incautos espectadores, a insistência malévola no modo de vida, a invocação das despesas do jovem, ao ponto de indicar, uma a uma, as peças e o custo provável dos enfeites do rapaz ali, naquele momento, e mais um ror de questões do foro pessoal que deixariam qualquer adulto furioso com o atrevimento e a falta de decência daquela devassa. Tudo isto esbarrava, diga-se a verdade, com uma surpreendente serenidade do rapaz, que respondia calmamente e com bastante acerto às invectivas "indignadas", que incluíam perguntas sobre a origem da fortuna dos pais e se o jovem não sentia remorsos por levar "aquele estilo de vida", quando há tantos pobres no país e tantos jovens a passar mal. O tempo do inquistório sobre as boas acções do rapaz, se ele ajudava os mais necessitados, enfim, o que é aquele desviado de bom samaritano tinha a alegar em sua defesa, tudo, mas absolutamente tudo naquela longa e despropositada entrevista foi de molde a deixar no espectador um sentimento de abuso, uma espécia de vergonha de estar a assistir àquilo, um exemplo vivo de como se incita aos maus instintos, à inveja, sobretudo dirigido aos jovens, levando ao pelourinho da praça pública um rapaz que terá tido a ingenuidade de pensar que se tinham interessado por ele. Defendeu-se muito bem, é um facto, terá saído gorada a intenção de o expor ao ódio e à revolta dos desventurados, mas foi um bom exemplo, aliás um péssimo exemplo, do que não deve fazer-se em televisão ou na vida, expor alguém que talvez não se saiba defender, usar o que se sabe dele para o deixar ficar mal e tudo isto sem dó nem piedade, a troco de coisa nenhuma, ou seja, de uma tentativa pouco dignificaste de "mostrar" as injustiças do mundo parecendo que se está do lado dos "bons" a denunciar um "mau". Nunca tinha ouvido falar do jovem, mas custou-me ver aquilo e vi com crescente incredulidade, levar alguém a sentar-se no lugar do entrevistado não pode ser um engodo maldoso, ao menos com alguém que, manifestamente, não contava que fosse ser "julgado" à luz do primarismo de espírito que ameça tornar-se prática em prime time. Lamento, sinceramente, não pensei que fosse possível.
11 comentários:
A morte anunciada dos canais de televisão tal como os conhecíamos parece incitar os seus protagonistas a mostrar que é merecida.
Inteiramente de acordo. Senti-me incomodado. A senhora parecia estar possessa de inveja.
Por mim, se vejo a senhora na écran, mudo logo de canal. Criei uma incompatibilidade absoluta com a criatura.
Aliás, julgo que a dama não se vê ao espelho. Ao seguir o relato da Suzana, pensei como tão facilmente se poderiam também pôr em confronto os gastos da senhora com as futilidades que exibe , com os adereços que usa, com as plásticas que faz, com o enbonecamento que a adorna, com a imagem que cultiva e as dificuldades das mulheres desempregadas ou que vivem do salário mínimo.
Haja decoro.
Caro Tonibler:
Grande frase!
Enquanto esses pasquineiros não tiverem pela frente quem os ponha no seu lugar e, mesmo, perante tais agressividade e despropósito se levante e os deixe a falar sozinhos, esses eventos continuarão a suceder. Bom, e continuarão também porque os pasquineiros e respectivos chefes sabem perfeitamente que vende, tem audiencias. Este relato que a Suzana nos trás toca num dos pontos mais salientes da sociedade Portuguesa, a inveja negativa pelo que tem toda a audiencia do mundo e mais alguma.
As televisões há muito que exploram os sentimentos das audiências, normalmente à custa de convidados que a troco de meia dúzia de euros ou da sorte de serem "estrelas" por alguns minutos, se sujeitam a contar ou a ver a sua vida criticada e inspeccionada. Suzana, também neste plano já estamos abaixo do grau zero!
Fui ver o vídeo. De facto, a Dra Judite de Sousa no seu pior. Todavia, a personalização, muito crua, de sentimentos prevalecentes na sociedade portuguesa.
Também fui ver. Em primeiro lugar não descortinei nada de interessante em termos de entrevista. Nada. A senhora revelou ser má, má entrevistadora. Má entrevista. O rapaz, calmo, conseguiu manter e responder com dignidade que me surpreendeu para os seus 22 anos. Deu-lhe uma lição à maneira! A senhora não tem juízo, ou, neste caso não revelou ser uma profissional, mas "revelou-se", e aquilo que vi não abona nada em seu favor.
Concordo com o post e os comentários. A entrevistadora nem sequer pediu desculpa por duas mentiras apresentadas na peça introdutória e que o jovem denunciou no momento. A voracidade da entrevistadora era desmesurada e o que queria era ridicularizar o jovem pelo seu estilo de vida. Foi um péssimo e incómodo momento de televisão, mas veio demonstrar mais uma vez o nível dos nossos jornalistas. É que, antes de diabolizarem um jovem rico, como o fez a Dra. JS, nem sequer se lembram do espelho que têm lá em casa... Gostaria de ver a Dra. JS a fazer uma entrevista parecida mas a alguns políticos e autarcas que chegaram à politica com um modesto salário e aparecem hoje a viver desafogadamente...
Cara Suzana,
Sem dúvida um episódio surrealista misturado com o sabor amargo do pior jornalismo que já se viu!
Felizmente, num honesto acto de contrição perante tamanho desastre, a jornalista já veio reconhecer ter-se tratado de um dia negro...
Não creio ter sido um dia negro, antes a mais negra expressão de um jornalismo que se considera modelo, agressivo e firmemente contra tudo quanto signifique dinheiro, sucesso ou riqueza, não importa o modo como foram adquiridos.
Os media sabem como aproveitar os sentimentos primários que povoam a sociedade, em especial nestes momentos em que as dificuldades toldam a razão de muitos e acicatam invejas e ódios. Um campo fértil e irresistível para a cultura mediática do "quanto pior, melhor".
Claro que a reação não se fez esperar, mesmo entre colegas de profissão. Para quem quiser perceber o estado de espírito de alguns jornalistas podem, por exemplo, ler isto:
http://fernandoesteves.com/blogue/2013/08/judite-porque-nao-queimaste-o-soutien/
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