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domingo, 31 de dezembro de 2006

No crepúsculo da justiça

A Margarida Corrêa de Aguiar escreveu aqui sobre mais um caso de violência extrema sobre menores, com que fecha este ano de 2006. O Professor Massano Cardoso igualmente se refere ao caso no seu último post.
Estou plenamente de acordo com a opinião e os sentimentos da Margarida e do Massano Cardoso.
Mas o caso assumiu outra faceta assim que caiu no âmbito da justiça. Converteu-se num espectáculo com a audição, pelo juiz de instrução, da mãe da pequena e infeliz Sara.
Nesse dia, logo pela manhã, já as rádios e televisões transmitiam que tinha sido apurado junto de "fonte da Polícia Judiciária" que a mãe da Sara confessara que tinha por hábito exercer violência física sobre a bebé. Ou seja, continua, impune e descarada, a violação do segredo de justiça, mesmo nas barbas dos juizes! A lei, de tão abastardada, já nem sequer é invocada pelo espírito mais sensível aos princípios fundamentais de um Estado que se diz governado por ela...
Como era previsível, à porta do Tribunal onde foi decretada a prisão preventiva da mulher, se juntou uma multidão, sedenta de sangue e de vingança, pretendendo fazer justiça pelas próprias mãos.
E no entanto, nenhum daqueles vociferantes justiceiros - alguns espumando ódios e raivas, de olhares tresloucados - sabia do que se passou no gabinete do juiz. O que foi aí apurado. Que desgraças se revelaram. Que circunstâncias pessoais explicam a morte da pequenina e indefesa Sara. Nem sabiam, nem lhes interessava saber, que razões levaram o juiz a decretar a medida privativa da liberdade à arguida. Nem tão pouco que essa medida de coacção não significa que tenha sido julgada e condenada.
Aliás, para aquela gente, acicatada com a exposição mediática destes casos julgados pelas paixões mais primárias e facilmente manipuláveis da turbe, o julgamento está a mais, é um capricho descartável do sistema, neste como noutros casos.

Mais uma vez a justiça faz-se na rua. Iluminada pelos holofotes da comunicação social que obteve mais uns preciosos minutos de exibição do que pior há no ser humano. Quase em directo. E em prime time. Nada melhor para vencer a competição das audiências. Nada melhor para o negócio da venda de publicidade que se faz, justamente, das audiências conquistadas.
Sinais recorrentes de um Portugal, também aqui, cada vez mais pobre.
País em que são cada vez menos os que acreditam na justiça feita adentro das paredes dos Tribunais. Ponderada e recatada como teria de ser, para que a prova se fizesse de acordo com o princípio da certeza e sem pressões.
Em que todos preferem o protagonismo espalhafatoso do magistrado-polícia, do que o julgamento sereno pelo juiz-prudente.
Em que se fomenta, cultiva e louva a delacção. Em que se estimula a inveja, a devassa e a malidiscência.
Em que se saliva pelo castigo severo, não importando mais a prevenção e o combate às causas sociais do fenómenos crimininogéneos.
Em que a vítima só conta enquanto for protagonista dessas telenovelas em que se transformaram os telejornais (a pequena Sara, e o que ela representa no plano da desprotecção da infância e da adolescência de risco, depressa será esquecida, logo que o espectáculo do julgamento popular da sua mãe seja substituído por um qualquer grotesto episódio no julgamento do caso "Casa Pia"...).
Como detesto pensar, pobre Portugal! Mas é inevitável...

sábado, 30 de dezembro de 2006

Estúpida lentidão!

A lentidão é uma das nossas principais características. Somos lentos a trabalhar, a produzir, a pagar impostos, a chegar a horas ao emprego. A nossa justiça é tão lenta que acaba por "esquecer" os crimes. O serviço nacional de saúde é tão lento que chega a chamar os mortos. As leis levam tanto tempo a serem regulamentadas - quando o são - que até nos esquecemos que existem! Os poderosos da economia são tão lentos que, como no caso dos combustíveis, levam mais de um mês a baixarem os preços (a baixarem!). O nosso jornalismo é tão "lento", parafraseando Baptista-Bastos, que chegam a publicar notícias de primeira página, quatro dias depois do acontecimento. Os governantes são tão lentos que ainda não entregaram o dossier para a obtenção dos novos fundos comunitários. Gasta-se uma fortuna na reestruturação da linha do Norte, mas os comboios teimam em chegar atrasados. Enfim, não faltam exemplos da luso lentidão. Não quer dizer que não sejamos, igualmente, capazes de ser rápidos. Rápidos nas estradas, rápidos nos copos, rápidos na maledicência, rápidos na condenação social, rápidos a chegar aos cemitérios, rápidos a vigarizar, rápidos a prometer fundos e mundos, rápidos a gastar dinheiro (mesmo não o tendo), rápidos a protestar…
Esta dualidade lentidão-rapidez é preocupante, porque além de traduzir, na sua génese, problemas muito graves são igualmente fonte de outros, alimentando um curto-circuito de inoperância estrutural que nos faz afastar cada vez mais dos povos desenvolvidos.
A lentidão é uma constante, e não há banda larga que consiga contrariá-la, nem choque civilizacional que promova uma maior e eficaz eficiência das nossas estruturas organizacionais.
Os últimos acontecimentos são paradigmáticos. Mais uma criança vítima de maus-tratos e um naufrágio onde pereceram pescadores. No primeiro caso, questiona-se pela milésima vez, por que é que continua a haver casos desta natureza? Falta de estruturas, falta de capacidade de diagnóstico e de prevenção? Não nos parece, porque depois de acontecer o que não devia acontecer, avolumam-se evidências de que se deveria ter actuado mais cedo. Mas não se actuou e a sociedade foi mais uma vez cúmplice. No outro caso, a morte desesperada de pescadores, e a poucos metros da praia, sob o olhar impotente de concidadãos, fruto de manifesto atraso no socorro. De acordo com os elementos disponíveis se os meios aéreos de salvamento tivessem actuado mais cedo, teriam sido salvos. Agora, num caso e noutro, vão ser apuradas responsabilidades. Rapidez na constituição das comissões, lentidão nas conclusões e esquecimento das tragédias, e tudo voltará à normal lentidão, tão característica de uma sociedade que estupidamente despreza e ignora a vida…

sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

Todos os Anos têm coisas boas...

Muitas vezes, quando se aproxima o fim do ano ou se inicia o Ano Novo, as pessoas tendem a raciocinar de modo perdulário, encarando o exercício dos passados doze meses como inútil, vazio, com muitos problemas e angústias, de meros sacrifícios contínuos. O ano viveu-se, mas não adiantou coisa nenhuma. Foi mais um (ou pior, menos um). Soube a pouco ou não serviu para nada. Ás vezes num acto de razoabilidade diz-se que o ano não foi mau.


Existem, claro está, explicações para este estado de espírito. Por exemplo, a falta de perspectivas gerais da sociedade e a sua mediocridade que, como se dela não fizéssemos parte, observamos diariamente no desempenho profissional, nas relações humanas, na rua. Tudo reprovamos: a classe e os decisores políticos a que o País está entregue, o baixo nível de vida, o comportamento e a desobediência pública generalizada.


Há uns anos atrás, lá fora, uma pessoa minha amiga lamentava-se no final do ano, junto de um grupo restrito de pessoas, sobre a sua vida durante esse mesmo ano. Houve um britânico que lhe sugeriu algo simples e útil: porque não procurava, naquele exercício de mera verificação de não ganhos (portanto, de perdas), identificar os momentos altos, os highlights do ano, aqueles em que tinha sido actor?


Quase infantilmente, porque de modo verdadeiro, espontâneo e sorridente, a pessoa minha amiga isolou dezassete momentos altos naquele ano – que tinham contado com o factor surpresa/novidade – todos de evidente grande bem-estar pessoal. Apontou alguns acontecimentos familiares, factos profissionais, belos trechos de visitas e de passeios culturais, paisagísticos e gastronómicos, cenas cómicas, rodas de amigos especiais, ambientes de encanto, etc. A taxa obtida, por isso, foi de quase 1,5% momentos de antologia por mês. Nada mau - confessou.


Não nos devemos subestimar nem intimidar por condições pretensamente adversas, mas antes ser capazes de manter uma autonomia de satisfação e de demonstrá-lo ao próximo - para o influenciar positivamente. Contribuimos, afinal, para a melhoria do nosso próprio bem-estar e do clima que nos rodeia. Não é nada que não saibamos; mas convém ter em mente uma coisa tão simples, pelo menos até ao Dia de Reis!

Nesta oportunidade, desejo a todos os 4Republicanos, comentadores e visitantes do 4R um Bom Ano 2007 e formulo votos de continuação de um excelente convívio neste espaço muito especial que é o 4R - Quarta República.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2006

Não nos podemos conformar...

São muito chocantes os maus tratos a crianças, que infelizmente são uma realidade bem presente em Portugal.

Acordámos hoje com mais uma notícia de suspeitas de maus tratos que terão estado na origem da morte da Sara, a bebé de dois anos de Monção.

Há duas semanas atrás a educadora de infância da Sara tinha dado o alerta à Comissão de Protecção de Menores e Jovens em Risco, informando que a criança poderia estar a ser vítima de violência por parte da família.

A criança foi, portanto, sinalizada junto daquela Comissão, a entidade oficial que tem a responsabilidade de intervir no sentido de proteger as crianças em situação de risco.

A causa da morte da Sara e a sua história familiar não são ainda oficialmente conhecidas, mas uma coisa é certa: a Comissão de Protecção de Menores e Jovens em Risco tinha marcado as primeiras averiguações para hoje, dia 28 de Dezembro, para concluir sobre a necessidade de accionar os adequados mecanismos de protecção da criança.

Tomando como boas as datas noticiadas, pode concluir-se que a actuação da Comissão foi demorada e não chegou a acontecer, pelas piores razões.

O tema das Crianças e Jovens em Risco é muito sério. É um tema problemático e as respostas para a erradicação do fenómeno dos maus tratos – no sentido lato do termo – são complexas, pela pluralidade de dimensões em presença – económica, social, cultural.

Mas em simultâneo há que assegurar que os mecanismos de protecção das Crianças e Jovens em Risco são actuantes, em tempo e na forma. Para que não aconteça o que não pode efectivamente acontecer: por falta de uma intervenção eficiente, a insegurança de uma criança culmine na maior tragédia - a morte. Que a todos responsabiliza e deve envergonhar.

O Senhor Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social afirmava hoje, interrogado sobre mais esta “vida” que se perdeu, que há demasiados maus tratos a crianças. Uma evidência, que passou a ter, por isso mesmo, um espaço repetido na comunicação social. O ano de 2006 foi infelizmente um retrato dessa evidência. Seria bom conhecermos que respostas vigorosas tem o Senhor Ministro para dotar o País de mecanismos actuantes de protecção de crianças e jovens em risco.

Crítica sem sentido!...

Vem sendo veementemente contestada pelo PSD a intenção do Governo de nomear Vítor Santos para Presidente da ERSE, de cuja Direcção, aliás, já faz parte, pelo facto de ter sido Secretário de Estado no tempo de Guterres.
Não conheço Vítor Santos de parte nenhuma, apenas o conheço de nome e sei que é professor do ISEG.
E sei também que a única coisa importante a atender para tal nomeação é saber se o nomeado é competente e sério e se tem perfil para a função. A crítica seria credível se fosse fundamentada na falta de seriedade e de competência para tal tarefa. Se é socialista ou anti-socialista, se fez ou não parte de anteriores governos, isso não interessa nada.
Com este tipo de críticas mais se afastam pessoas competentes, digo competentes, dos Governos, quaisquer que seja, pois ficariam impedidas de desempenhar, no futuro, outras importantes missões.
Também por isto, é crítica sem qualquer sentido!...

2007: Pior do que 2006?

No final de cada ano, é tempo de procurarmos saber o que se poderá esperar para o ano que se segue.
Foi o que procurei fazer no texto que pode ser acedido "clicando" no endereço

http://quartodarepublica.blogspot.com/2006/12/2007-pior-do-que-2006.html.

E, aí, o leitor poderá constatar por que considero que os motivos para celebrar são poucos, muito poucos...

Mesmo assim, votos de um excelente 2007 para todos!...

quarta-feira, 27 de dezembro de 2006

Indignidade!...

Mercê das fortes reestruturações por que passaram e da aplicação de boas práticas de gestão, entre as quais as que visavam a melhoria da satisfação dos colaboradores, por força de melhores remunerações ou de outros não menos importantes incentivos, os Bancos portugueses estão hoje entre os mais modernos da Europa ou da América, seja na actividade da banca comercial como na da banca de investimento. Por isso, e embora já sujeitos a cada vez mais acrescida concorrência de bancos estrangeiros, vêm aumentando a actividade, a produtividade e os lucros. Dos últimos resultados dos maiores Bancos, como, aliás, já tenho referido em textos anteriores, resulta que a rentabilidade dos seus capitais próprios chega a exceder os 20%, com uma inflação de 2,5%, o que indica a recuperabilidade do capital em cerca de 5 anos.
Pois estes mesmos Bancos iniciaram as negociações com os Sindicatos com propostas de aumentos de 1,5%, bem abaixo da inflação e, para algumas classes, de 0%!...
Obviamente que sou pela economia de mercado e pela livre escolha. Mas esta propsta é uma indignidade!...

“Um bom exemplo, apesar da tragédia”…

No dia 13 de Novembro de 2002 ocorreu um grave acidente ecológico nas terras da Galiza provocado pelo afundamento do petroleiro Prestige fonte de uma gravíssima maré negra. Na altura temia-se, e com razão, que as nossas costas pudessem ser, também, afectadas. Felizmente não foram, mas os nossos vizinhos galegos tiveram inúmeros contratempos com as suas praias, viveiros e limitações na pesca. Os esforços na limpeza foram notáveis. Uma verdadeira onda de solidariedade correu por aquelas bandas com o objectivo de minimizar o impacto e proceder às respectivas limpezas. Na altura, surgiram alguns problemas de saúde que atingiram os sistemas respiratório e gastrointestinal, irritações oculares, alterações psicológicas e perturbações do sono. Aspectos considerados transitórios. Acontece que volvidos quatro anos, estudos epidemiológicos, entretanto realizados, apontam para problemas que exigem atenção especial, os chamados efeitos a longo prazo.
A exposição aos agentes tóxicos envolvidos na tragédia estão a provocar alterações do ADN e perturbações hormonais. De acordo com alguns investigadores, é possível que algumas lesões do ADN sejam susceptíveis de “conserto” nalgumas pessoas, mas noutras, as que estiveram mais tempo expostas, é possível que não ocorra a devida reparação. Deste modo, muitos voluntários correm riscos de virem a sofrer as consequências das alterações citogenéticas.
Os efeitos a longo prazo não são fáceis de estudar, mas poderão traduzir-se no aparecimento de patologias indesejáveis. Neste momento, começam ser identificadas várias alterações respiratórias. Em ambos os casos os processos são lentos, exigindo vigilância e controlo adequados sem os quais não será possível estabelecer nexos de causalidade entre a exposição a muitos dos componentes derramados e o aparecimento tardio de várias afecções.
A divulgação recente de alguns estudos, com as cautelas adequadas, não deixam de por em causa a tranquilidade de todos aqueles que, num acto de generosidade, contribuíram para a solução do problema. Inclusive, o uso de equipamentos “adequados”, nomeadamente as máscaras, não terão sido suficientes para a prevenção destes efeitos. E se a imagem de um voluntário galego, ou não, com luvas, máscara, fato branco e baldes na mão, constitui a marca dos limpadores, não podemos esquecer que as populações das vizinhanças, não deixaram de ser atingidas pelos compostos voláteis, os quais através da inalação e até da pele, deverão ter feito das suas em muitos milhares e milhares de corpos. Daqui a muitos anos irão ocorrer certas patologias, comprometendo a vida de muitos, as quais serão aceites como uma fatalidade perfeitamente normal, esquecendo muitos que, um dia, houve um Prestige…
Os estudos epidemiológicos realizados por colegas galegos, e de outras comunidades espanholas, serão, com toda a certeza, vitais para a compreensão dos fenómenos de poluição ambiental, visando esclarecer a sua relação com o surgimento de muitas doenças.
As autoridades de saúde do país vizinho, empenhadas a vários níveis, estão no caminho certo, sinal de respeito dos direitos dos cidadãos. Um bom exemplo, apesar da tragédia…



Rudolfo, a rena do nariz vermelho


É pena que o Pai Natal surja só como o grande obreiro da dinâmica comercial, o gordo bem disposto que nos convida a comprar os presentes que se cobiçam nas montras das lojas. De certo modo, a mágica do Grande Dia foi cilindrada pela euforia das compras e só com muito esforço conseguimos recuperar o imaginário infantil que nos acompanhou tantos anos.
O Pai Natal de que me lembro só entrava na história como o transportador das prendas, que guiava o carro das renas vindo de um país frio e distante, uma espécie de Rei Mago da modernidade que desse modo se juntava à celebração do nascimento de Jesus...
A notoriedade deste ajudante veio da dificuldade que teve num dia de intenso nevoeiro que impedia de ver o caminho para todas as casas onde devia chegar. Havia então uma pequena rena que não conseguia entrar nas brincadeiras porque tinha o nariz muito vermelho, tão vermelho e luminoso que as outras o afastavam quando jogavam às escondidas. Vivia muito triste com a troça dos outros, até que nesse dia teve a sua grande oportunidade, porque afinal o seu defeito era uma vantagem que nenhum dos outros conseguia superar: ele podia ir à frente do trenó, iluminando no meio do nevoeiro!
É essa música que ouvimos por todos os lados quando procuramos rechear os sapatinhos. Convém lembrar que ela celebra um lugar para todos, que ensina que onde os outros só vêem fraqueza e motivo de rejeição pode estar uma força e uma capacidade que pode ser tão valiosa quanto a nossa sensibilidade para a ver e acolher.
Rudolfo ficou para a história porque era diferente. Sem ele, o Pai Natal teria ficado perdido no nevoeiro…


Rudolph, the red-nosed reindeer
had a very shiny nose
and if you ever saw it
you would even say it glows.
All of the other reindeer
used to laugh and call him names
they never let poor Rudolph
join in any reindeer games.
Then one foggy Christmas eve
Santa came to say:
"Rudolph with your nose so bright
won't you guide my sleigh tonight?"
Then how the reindeer loved him
as they shouted out with glee (yippee)
"Rudolph, the red-nosed reindeer
you'll go down in history."

terça-feira, 26 de dezembro de 2006

Natal laico!...

Entrei numa livraria. O livro Eu Carolina continua a vender-se em grande escala. Em pouco tempo, vi três sujeitos a saírem com a D. Carolina na mão. Falavam de futebol, claro!...
Desatinados com o desempenho das suas equipas, muitos adeptos mais intelectualizados encontram lenitivo no best-seller do momento e nele juram encontrar a explicação dos seus minguados resultados desportivos.
Fico com pena. Além de não passarem a ganhar, perdem uns euros na compra e ainda têm que a levar a D. Carolina para casa!...

“Está doente? Vá a Cuba!”…

O estado de saúde de Fidel Castro tem sido objecto de várias opiniões. De acordo com o governo cubano, o senhor não tem cancro. Teve um problema intestinal (hemorragia) e foi operado. Agora chamaram um cirurgião espanhol que afirmou que estava a recuperar muito bem. Aliás se é verdade a sua expressão: “A sua condição física é excelente, a actividade intelectual permanece intacta – eu diria fantástica – e está a recuperar bem da operação”, então, o homem irá aparecer um dia destes em grande! Só não percebo duas coisas. Por que razão foi chamado o médico catalão, se o senhor está a recuperar tão bem? E se o homem está doente, por que é que não vai a Cuba? Não é aí que estão os médicos que fazem curas maravilhosas? Pelo menos, é o que demonstra as frequentes reportagens televisivas e peditórios para obter cura naquelas paragens…

“Jogar na divisão dos macacos”…

Os estudos que se debruçam sobre as capacidades mentais dos animais são sedutores, já que podem por em causa determinados princípios em que se baseia a singularidade humana.
A teoria da mente, que permite pensar os que os outros pensam, característica da nossa espécie, parece que se estende aos grandes macacos.
Falar de consciência é muito complexo. Parte dos elementos que a constituem encontram-se nalguns animais, mas os grandes macacos são os únicos que mostram evidências de uma mente semelhante aos seres humanos, como demonstram estudos recentes A ser assim, ainda poderemos assistir a verdadeiras revoluções, não só em termos de bem-estar animal, como também ao reconhecimento dos seus direitos, originando graves problemas à nossa espécie, excepto se entretanto desaparecerem…
Em termos de direitos, sempre é melhor atribui-los aos macacos do que aos robôs! E é melhor que seja o mais rápido possível, porque, de acordo com um cientista do governo britânico, responsável por um relatório em que são elaboradas projecções para os próximos 50 anos, os robôs, que entretanto irão sofrer transformações inimagináveis, passarão a votar, adquirindo direitos que os macacos de hoje nem “pensam”! Tudo, porque sendo “conscientes” vão querer ter direitos.
O escritor checo, Karel Èapek, que em 1921 criou o termo robô (da palavra checa “robota”, trabalho pesado e servidão), anteviu o dia em que nos libertariam do trabalho pesado, mas decerto ficaria surpreendido com a rapidez com que se libertariam do nosso controlo.
A ficção científica tem perspectivado não só esse momento, como também o surgimento de uma inteligência artificial “superior”.
Neste preciso momento, já há robôs que se auto reparam, e alguns são mesmo “artistas”! No último caso, um português está a tentar criar máquinas capazes de fazerem “arte” ! Há mesmo quem considere que os futuros “seres”, dotados de inteligência artificial, serão o resultado natural da evolução das espécies, ao ponto de, quando olharem para o passado, terem, também, o seu próprio Charles Darwin. Levanta-se uma dúvida, será que haverá lugar para “seres inteligentes artificiais” “criacionistas”?
Algumas destas perspectivas, que aparentemente nos fazem sorrir, não deverão deixar de ser equacionadas. Mas entre reconhecer direitos aos grandes macacos ou aos futuros “robôs”, prefiro aqueles, porque pode acontecer que um dia estes últimos não os reconheçam, e quem sabe o que nos poderá, também, acontecer.
Alguém se imagina a jogar na divisão dos macacos?

O Governo da reacção

Segundo a imprensa desta manhã, o senhor Secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor quer que a Autoridade da Concorrência avalie os preços dos combustíveis, mais elevados em Portugal que nos restantes países, numa altura em que a alta do euro beneficia os países importadores de crude e seus derivados. E que o preço do crude nos mercados internacionais estabilizou em pouco mais de 60 dólares, 10 dólares abaixo (salvo erro) do preço que motivou o último aumento dos combustíveis sentido pelos consumidores portugueses, acrescento eu.
Por aqui já tínhamos assinalado a situação que aparenta contornos de intolerável cartelização. Parece que o dia de Natal fez despertar o Senhor Secretário de Estado para o problema. Bendito espírito de Natal...
Valendo sempre mais a reacção tardia do que a omissão, anota-se aqui a atitude do governante.
Duas notas, porém.
A primeira tem que ver com esta forma de governar por impulso. Rara é a iniciativa do Governo que se antecipa à denúncia reiterada dos cidadãos, suas organizações ou instituições. É cada vez mais um governo de reacção, que agita só depois de se ver agitado.
A segunda nota é para assinalar que o senhor Ministro da Economia parece não existir para estas questões. E, todavia, esta como outras (por exemplo as do arrastamento inacreditável dos processos das OPA lançadas sobre a PT e o BPI), são questões que em muito excedem o âmbito da defesa do consumidor que preocupam o senhor Secretário de Estado Serrasqueiro. São problemas da economia, cuja saúde só se garante se o Governo estiver atento às práticas lesivas da livre concorrência e agir em conformidade por iniciativa própria.
E não se diga, como têm tentado dizer vários dos governantes, que as questões da concorrência são do domínio exclusivo da Autoridade da Concorrência, porque a própria conduta interventiva do Executivo noutras situações nas quais não hesitou em desautorizar entidades reguladoras, frontalmente desmente quem apresenta tal desculpa. É certo que nesses casos igualmente o Governo, como agora, actuou por reacção. Mas fez sentir a sua autoridade e quis transmitir que não anda a dormir na forma.
Veremos se os interesses da Galp, e da sua posição no mercado, não falam mais alto do que este ruidoso silêncio do senhor Ministro Pinho, neste caso do preço dos combustíveis...

domingo, 24 de dezembro de 2006

O outro “Menino”!

A imagem televisiva de Piergiorgio Welby numa total imobilidade, e com um ar de tristeza profunda em que apenas sobressaía um ligeiro acenar das pálpebras, única ligação ao mundo, deverá ter chocado muitas pessoas. Sofrendo de grave distrofia muscular, acabou por ficar paralisado, tendo o seu estado de saúde piorado substancialmente nas últimas semanas. O italiano mantinha-se vivo à custa de respiração artificial, sendo alimentado através de um tubo. Condenado a morrer, as medidas tomadas estavam a prolongar a vida em condições bastante deploráveis e não dignas da condição humana.
Nos últimos anos as técnicas destinadas a prolongar a vida têm tido um notável desenvolvimento e progresso. Nada a opor se as mesmas respeitarem a dignidade, mas quando se tornam excessivas e desproporcionadas poderão constituir uma violação dos direitos humanos. No caso vertente, o doente solicitou permissão para morrer. Não pediu que o matassem, apenas que não continuassem com certas medidas. A justiça italiana reconheceu que “tinha o direito constitucional de ser desligada a máquina que o mantinha vivo”. Mas ao mesmo tempo invocou que os médicos têm a obrigação legal de utilizar práticas de ressuscitação!
Houve um médico que desligou a máquina, respeitando a vontade do doente. Agora corre riscos de vir a ser julgado e preso por eutanásia.
Neste caso ninguém matou deliberadamente o doente, apenas foi suspensa uma terapêutica por recusa do mesmo. Os doentes devem ter esse direito. Aliás a problemática do testamento vital vai estar, brevemente, na ordem do dia.
Hoje, as inúmeras e sofisticadas medidas terapêuticas permitem manter as pessoas “vivas” em condições impensáveis há alguns anos. Recordo-me dos meus tempos de estudante, em que não haviam ainda medidas deste cariz, de ter lido uma frase do prémio Nobel da Medicina de 1960, Sir Macfarlane Burnet, que, a propósito das medidas de ressuscitação já existentes, embora muito aquém das actuais, dizia que andava com um cartão na sua carteira onde pedia para que não fosse sujeito a medidas de ressuscitação, se as mesmas pudessem por em causa a sua condição de ser humano, “exigindo” morrer com dignidade. Nunca mais esqueci aquela frase.
Recordo-me do “Menino”, era assim que o chamávamos. Na sua cadeira de rodas, com dificuldades tremendas em mexer os braços, vendia lotaria. Sempre alegre e bem disposto apesar de sofrer de distrofia muscular, a qual já tinha vitimado outros irmãos.
Toda a vida pós escolar da altura fazia-se no jardim, quando os dias estavam bons, ou debaixo da arcada do café, nos chuvosos. Mas fazia-se à volta do “Menino”. Era o ponto de referência. Quando me perguntavam para onde ia, dizia: - Vou brincar para ao pé do “Menino”! Ninguém se opunha. Já tinha alguma idade, mas não deixava de ser o “Menino”.
Houve uma altura em que o “Menino” não aparecia com muito frequência. Ia rareando a sua presença. Começámos a andar tristes. Um dia ficámos a saber que o “Menino” nunca mais ia aparecer, e fomos com ele ao cemitério atrás do padre. Teve uma morte natural e um funeral cristão.
Piergiorgio Welby não teve funeral cristão, mas teve uma morte adiada!
No dia do Menino, uma recordação de um outro “Menino”…

Uma recordação de Natal...

Das minhas recordações de Natal, não esqueço, nunca, a crença absoluta que eu e os meus irmãos tínhamos quando éramos crianças na descida pela chaminé do Pai Natal – velhinho, encarnado, com um barrete enfiado na cabeça e uma longa barba branca – que à meia noite vinha pôr no nosso sapatinho uma prenda, que nós iríamos encontrar ao acordar.
Meia-noite! Era a hora fantástica. Lembro-me que me esforçava por não adormecer antes da chegada do Pai Natal. Tinha muita vontade mas ao mesmo tempo algum medo de o ver: no entanto, nunca podia ficar acordada até àquela hora e, no dia seguinte, o meu primeiro olhar ia para o meu sapatinho colocado estrategicamente junto à chaminé.
Causavam-me uma enorme emoção, uma espécie de magia encantada, os presentinhos embrulhados em papel de muitas cores e com as formas que faziam imaginar e sonhar se o Pai Natal tinha recebido a minha carta e atendido aos meus pedidos.
Saltava da cama e corria descalça para me apoderar do meu tesouro, a pensar que tinha sido bem comportada durante o ano e merecedora das atenções do Pai Natal.
Recordo, também, a enorme desilusão que tive quando descobri que o Pai Natal "não existia", mas logo percebi o amor ainda maior dos meus Pais pelos filhos. E foi, então, que percebi o significado do Natal.
A magia do Natal é composta de alegria e felicidade e, por isso, agradeço ao Pai Natal – que nunca vou esquecer – por tão bem me ter ensinado o significado do sapatinho.
Obrigada a todos por partilhar esta recordação.
FELIZ NATAL, com muitos sapatinhos cheios de presentes...

História de um Natal

Era uma noite de Natal chuvosa e fria, como eram as noites da minha terra beirã. As bátegas de água sopradas pelo vento batiam em rajadas nas janelas da casa, altas como portas, e mais adensavam o frio que se sentia, quando se saía da lareira.
Terminara a consoada, com os meus pais e a minha irmã (nunca conheci avós, cedo desaparecidos), com uma tia e com a minha madrinha que viviam connosco, com a Deolinda, criada de há longos anos, que dava uma mão na casa e outras nas terras, a Silvina, miúda de dez ou onze anos e a terceira classe, cuja principal tarefa era “ir” com as ovelhas e o João, que dava um jeito na lavoura (ainda o Sr. Emídio, a que me referi o ano passado, não fazia parte do jantar...) e já tinham passado dois ou três grupos a cantar as Janeiras. Estava agora chegado o momento de pôr o sapatinho na lareira, dar um beijo a todos e ir para a cama. Pois, nessa noite, teimei, com a ajuda da minha irmã, que todos deviam deixar o sapato, já que o Menino Jesus era bom e devia ter prendas para todos. Explicavam-me então que a noite era invernosa e, com tanto vento, o Pai Natal, para poder subir aos telhados e descer pelas chaminés, não podia trazer nem saco muito grande nem cheio. Dizia eu que o Menino Jesus podia tudo. Podia, mas quem trazia as prendas era o Pai Natal e o saco molhado pesava muito, mais do que ele podia aguentar sem cair…mas nada me convencia, nem o facto de me dizerem que o Pai Natal tinha longas barbas, tão longas que o atormentavam tanto como a idade, e que até já andava com as costas muito tortas, mal podia com um saco levezinho…Por isso, eu devia era ter pena do Pai Natal!...
Já a minha madrinha me tinha colocado a botija na cama para aquecer os lençóis e não deixar arrefecer os pés e continuava naquela luta. Para o ano, se estiver bom tempo, o Pai Natal vai lembrar-se de todos, dizia o meu Pai. Pedi então que, pelo menos, a Silvina, que também era pequenina, deixasse o tamanco na chaminé. Foi neste transe que a minha mãe enfim condescendeu, logo se via se o Pai Natal tinha lembranças que chegassem… Mas, se as prendas não fossem suficientes, elas eram para os donos dos sapatos em que estivessem e depois não me podia queixar!... Só então fui para a cama e até rezei uma avé-maria a pedir para que todos fossem contemplados, não sei se por solidariedade profunda ou por medo de nada me calhar…Mas devo ter dormido serenamente, como se dorme numa noite de Natal.
No dia seguinte, ainda a luz das estrelas estava viva no céu, ouço gritar a Silvina junto à minha cama: menino, menino, vá ver a lareira, vá ver a lareira, há lá prendas para todos!…
Levantei-me de um salto e em todos os sapatos havia um pequeno embrulho!…
Levei o meu para a cama e, embalado na ideia de que o Menino Jesus de facto é mesmo bom e poderoso, comi um bombom e tornei a adormecer docemente, até me chamarem para ir à missa de Natal. Excitada estava a Silvina, dava-me beijos e abraços, pois tinha sido a primeira vez que fora contemplada pelo Menino Jesus!...
Estão a ver, dizia eu aos meus pais, se não tinha teimado em pôr os sapatos…
Pois é, se fores bom, há sempre um Menino Jesus que vai velar por ti!...

sábado, 23 de dezembro de 2006

Prenda de Natal

Acabei de ver que o 4R-Quarta República foi votado como um dos melhores blogs colectivos no concurso Conjurados 2006 do blog Restaurador da Independência!...Uma bela prenda de Natal para o 4R!...
Embora não andemos a conjurar nada, mas apenas a divertirmo-nos neste espaço virtual de uma ainda inexistente quarta república, agradecemos a distinção que nos deram os blogs que em nós votaram e desejamos ao Restaurador os maiores êxitos nos seus independentistas propósitos e nas iniciativas que promove. E damos, obviamente, os maiores parabéns aos distinguidos, aos que ficaram antes de nós...o que é obra..., mas também aos que ficaram depois...mas muito bem antecedidos!...

Boas- Festas!...

A todos um Bom Natal, com saúde, concórdia, solidariedade e alegria de viver!

Para mim, o Natal ainda é o de quando era pequeno: a noite da consoada e a ternura do sapato na chaminé à espera da prenda do Menino Jesus... E também a cerimónia do beijar o Menino recém-nascido, na missa da manhã fria do dia seguinte e a memória das canções que aí entoávamos:

Correi pastorinhos
Depressa a Belém
Com alma e carinho
Por Deus nosso bem!...

Pequenino, está deitado,
Nas palhinhas Deus infante
E não há no céu estrelado
Astro de ouro mais brilhante!...

Mais que à estrela do Oriente
Mais que o ouro dos Reis Magos
Jesus quer ao inocente
E aos pobres quer afagos!...

É por isso que nada me fará abdicar de enviar as Boas-Festas com um cartão alusivo ao presépio, afinal a razão de ser da época que festejamos.
Para todos os autores do 4R, comentadores habituais, comentadores esporádicos e visitantes os votos de um excelente Natal!

sexta-feira, 22 de dezembro de 2006

O Presépio, o Marklin e a Estrela

O Prof. Massano Cardoso desafiou e aqui estou eu com mais uma história…à falta de concorrência, enquanto se resolvem os problemas informáticos no 4R!
O Marklin era o comboio eléctrico que fazia o sonho de qualquer homem adulto que tivesse mantido a sua alma de criança. Por isso ele aguardava ansioso o nascimento de um filho varão que lhe desse o pretexto para comprar a máquina. Tinha caído na asneira de fazer aquela promessa – “Se for um rapaz, compro um Marklin” e agora estava preso aquela premissa, mais tarde as filhas haviam de lhe cobrar a imprevidência –“Então não festejava se fosse uma filha porquê?” E ele respondia, meio envergonhado – “Foi uma patetice como outra qualquer, podia ter comprado o Marklin logo à primeira…”
A família soube logo que o 5º filho era um rapaz quando o viu chegar, radiante, com um grande embrulho debaixo do braço. E, em vez de dizerem “É um rapaz!” gritaram “Chegou o Marklin!”, como se se tivesse quebrado um enguiço
O comboio integrou o grupo por direito próprio e em pouco tempo cresceu em peças, carris, carruagens e figuras várias, a um ritmo tal que a pequena cidade ocupava em breve uma boa parte de um quarto que lhe estava dedicado.
O problema pôs-se quando foi preciso fazer o Presépio e já não havia onde o montar. Nem pensar em deixar na caixa algumas peças do Presépio e estava fora de questão desalojar o brinquedo.
Foi então que ele teve a ideia:”Vamos ter o Presépio mais giro que já se viu, com um comboio eléctrico a passar junto às palhinhas!” E meteu-se a construir uma montanha de papel verde e castanho, com uma armação de arame que lhe garantia a forma irregular, com socalcos para as figurinhas se manterem em pé, um planalto para a cabana, uns pedregulhos para os camelos dos Reis Magos. A montanha tinha um túnel de lés a lés e era armada bem no meio do estaleiro do Marklin. Desviavam-se os carris para passarem o túnel e, até ao Dia de Reis, o comboio enfeitava o Presépio, ou o Presépio enquadrava o comboio, quem é que vai decidir?, passando sem cessar por entre o musgo e as ovelhas, cancelas que subiam e desciam, o castelo de Herodes, os pastores ajoelhados ou o poço da Samaritana, a uma distância prudente da cabana de Belém e do caminho íngreme por onde seguiam pachorrentamente os camelos com os Reis Magos. Mais tarde, fez-se um desvio para dar espaço à banda de música, que ficou em equilíbrio instável no sopé da montanha, junto à nora.
A única coisa que ofuscava o Marklin e o seu ronronar monótono era a estrela que brilhava por cima da cabana, a acender e a apagar, como se estivesse suspensa no céu a iluminar o mundo de contrastes impossíveis, onde se fez espaço para todas as vontades.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

Feliz Natal 4R


Um recente inquérito diz que as pessoas sentem uma angústia acrescida no Natal, porque é a altura em que há uma grande pressão para comprar, para se sentir tentado por ter o que se oferece aos nossos olhos de modo tentador. Também porque é uma espécie de “intervalo” durante o qual se há uma espécie de legitimidade para se gastar mais do que o bom senso e a realidade do dia-a-dia aconselham.
Eu acho que é o tempo em que gostaríamos especialmente de dizer às pessoas que nos são queridas como gostamos delas. Como foram importantes quando nos acompanharam durante o ano que passou e como confiamos na sua presença amiga no ano que agora chega. E muitas vezes achamos que nos exprimimos mal, que o presente ou as palavrinhas no cartão ou no mail soam iguais a tantos outros gestos, logo agora que queríamos mesmo dizer-lhes que são especiais. E reparamos que devíamos ter preparado com tempo esse momento, que os dias passaram e fica tudo nas entrelinhas, diluído numa ritual que é mais do que isso mas que parece apenas isso.
Mas o que é importante é que se tente e, se ficar essa mágoa de não ter sido possível dizer tudo como queríamos, sempre temos os outros dias todos para ir melhorando…
Os meus votos de um Bom Natal para todos os 4republicanos, a cada um agradeço a companhia, a partilha e os excelentes momentos que tem sido possível passar aqui neste espaço imprevisível de encontro e afinidade. E muitas, muitas prendas, das que marcam esta data de uma forma sempre renovada!

Sindicatos especiais

Por mais que a realidade me force à compreensão, ainda não entendi que sentido faz a existência de organizações sindicais de magistrados judiciais. Esta minha confessada resistência deriva, talvez, de não ver o conjunto dos juizes como uma classe profissional.
Existindo o sindicato, parecer-me-ia porém que a sua actuação se deveria limitar à defesa dos direitos e interesses legítimos da profissão de juiz.
Mas também não. Descubro hoje que o sindicato também é fonte produtora de doutrina jurídica, certamente com o propósito de influenciar a jurisprudência dos Tribunais que são órgãos de soberania que têm precisamente os juizes como titulares.
Segundo os nossos atentos media, a associação sindical dos nossos juizes entende que as normas que visam prevenir e reprimir a violência doméstica não se aplicam aos homossexuais que vivam sob o mesmo tecto, em comunhão de mesa e habitação.
Pretenderá esta especial associação sindical substituir os velhos Assentos dos tribunais superiores por directivas sindicais de aplicação da lei?
Eis uma nova faceta do neo-corporativismo. De consequências imprevisíveis, de resto. Que poderá acontecer ao relapso juiz sindicalizado que, interpretando o seu estatuto de independência, julgue contra a doutrina sindical e condene um homossexual agressor? Correrá o risco de expulsão do sindicato por conduta desviante das boas práticas da judicatura, ainda que tenha as quotas em dia?

terça-feira, 19 de dezembro de 2006

Liberdade para as vítimas de Kadafi


Hoje foi confirmado mais uma vez a condenação à morte de cinco enfermeiras búlgaras e um médico palestiniano pelos tribunais líbios devido a uma hipotética bioconspiração. São acusados de infectarem deliberadamente 428 crianças no hospital de Benghazi com o VIH/SIDA. Este processo arrasta-se desde há alguns anos e é uma perfeita obscenidade. Em tempos, especialistas de renome internacional, na área da SIDA, demonstraram a inocência dos profissionais de saúde apontando para as péssimas condições dos hospitais líbios como sendo o factor responsável.
Em 3 de Maio de 2005 escrevi uma nota a este propósito sob o título “Bioconspiração”.
A Comissão Europeia e o seu respectivo presidente acabam de denunciar esta horrível decisão. Mas não chega. Não sendo necessário dissertar sobre as características do governo líbio e do seu esquizofrénico chefe, porque todos o conhecem, é vital que a comunidade internacional o pressione de forma ímpar, a fim de evitar o “assassínio legal” de seis profissionais de saúde. Deveria haver um boicote total aquele país que não respeita os direitos, as liberdades e sobretudo, neste caso concreto, a generosidade e o altruísmo de seis seres humanos cuja causa é, precisamente, a saúde e o bem-estar de outros seres humanos.

É fartar vilanagem!...

A coisa que dá pelo nome de Apito Dourado realmente promete.
Logo depois de ouvido pelo Juiz de Instrução, Gilberto Madaíl, o tal que confunde “arrolado” com acusado, veio dizer a público estar autorizado pelo Juiz a revelar que o processo estava a decorrer a grande velocidade e terminaria, o mais tardar, em fins de Fevereiro.
Dois ou três dias depois, veio a verificar-se ou que Madaíl também confundiu o prazo, ou então que o Juiz se equivocou, já que admitiu ter que prorrogar o prazo para Março.
Ontem, D. Carolina Salgado foi também ouvida pelo Juiz de Instrução. Pois, segundo o Diário de Notícias de hoje, o magistrado considerou "importante" o depoimento de D. Carolina.
Pelos vistos, em tal Juízo, ao frio da noite ou ao calor do dia, as transparências são plenas e o relato hard ou core das sessões, quando não transmitido on-line, é transmitido em diferido para gáudio da plateia, pouco tempo depois.
Como nas telenovelas, os Tribunais podem assim ir conhecendo as reacções dos espectadores e adequar os procedimentos.
Assim formalmente garantido, o julgamento popular pode continuar!...

segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

“Misérias uterinas"

Saber porque é que as doenças ocorrem é vital para as combater e prevenir, contribuindo para que possamos viver mais e com qualidade. Dentro das diversas teorias, algumas começam a ter certa relevância não só pelo impacto que possam causar, mas sobretudo, porque na sua essência mexem com determinados valores, explicando muito do inexplicável.
O desenvolvimento intra-uterino é influenciado por muitos factores, nomeadamente alimentares. Mas também o período a seguir ao nascimento é muito vulnerável às condições ambientais. Tanto num caso, como noutro, podem ocorrer modificações na expressão de certos genes (“ligam-se” uns e “desligam-se” outros de acordo com as exigências da situação) que irão acompanhar o indivíduo. A hipótese segundo a qual muitas doenças crónicas têm origem neste período ganha alguma credibilidade. Por exemplo, as pessoas que à nascença tinham pouco peso – condicionado por más condições alimentares durante a gestação – têm mais probabilidade de virem a sofrer, décadas mais tarde, doenças cardiovasculares. Quase que poderíamos afirmar que o tal “ligar e desligar”, à nascença, foi o mais adequado perante a falta de alimentos. Uma forma de adaptação, sensata sem dúvida. Mas com o tempo essa adaptação não será a melhor, sobretudo se o indivíduo for confrontado com a “abundância”. Deste desajustamento sairá alguma desordem que pode materializar-se num risco cardiovascular acrescido. “Misérias uterinas”! No entanto, os problemas não se cingem apenas a aspectos de saúde, estendem-se, também, ao sucesso socioeconómico. Os recém-nascidos menos robustos, que foram gerados em períodos de fome ou de epidemias, revelavam menos probabilidades de ingressarem no ensino superior. Os homens mais tarde auferiam menos proventos, além de serem mais pobres, relativamente aos seus descendentes e outros da mesma geração.
A saúde dos adultos depende, em parte, das condições em que decorrem o desenvolvimento intra-uterino e os primeiros tempos de vida. Mas não se esgota na área da saúde, já que ocorrem sequelas socioeconómicas nada desprezíveis, comprometendo o desenvolvimento de muitos povos onde a fome e as péssimas condições de alimentação e de higiene são uma realidade. As “misérias uterinas” não se esgotam naquele momento, mas prolongam-se no tempo com graves consequências para a saúde das pessoas, e bem-estar das comunidades, comprovando que uma política de boa saúde pré-natal se acompanha, no futuro, de um efeito muito forte em termos de ganhos.

As patuscadas...e os patuscos!...


Recebi mais um convite para um jantar do PSD, agora o Jantar de Natal da Secção.
Desde que, em Maio de 2005, passei de “independente” a militante encartado, integrando uma lista de 31 novos “recrutas” especialmente convidados para celebrar o 31º Aniversário do Partido, convites para almoços e jantares têm sido mais que muitos.
Aliás, e para bem começar, até posso referir que a cerimónia de entronização se celebrou com um banquete em Santarém!...
Com o avolumar dos convites, normalmente para celebrar um qualquer acontecimento com a presença do líder nacional ou distrital, quis-me parecer que a Direcção considerou que o meu valor acrescentado de militante seria a minha presença nesses frequentes repastos.
E como nunca fui convidado para mais nada, muito menos para trabalhar, o que é óptimo, fiquei definitivamente convencido que esse era mesmo o único e exclusivo valor acrescentado que a Direcção considerou no convite de adesão.
Infelizmente, esse valor vai-se esvaindo, porque não tenho comparecido muito….
Enfim…um partido de patuscadas e de alguns bons patuscos...a começar por mim, obviamente!...
Mas que querem, eu gosto do PSD e, para que não surjam dúvidas, independentemente do chefe cozinheiro!...

domingo, 17 de dezembro de 2006

“Vegetarianos e quociente de inteligência”…

Nas minhas idas a Lisboa, cada vez mais frequentes, devido a uma crescente força centrípeta, lembrando arrogantemente aos pobres cidadãos (da província!) onde se situa a sede do poder, acabo, de vez em quando, por ser convidado para almoçar com simpáticas colaboradoras. Nada de especial, excepto o facto de serem almoços vegetarianos. Na minha qualidade de médico, acabo por ser alvo de atenções especiais (o que não deixa de ser agradável!), mas tenho de ouvir verdadeiras dissertações sobre as múltiplas virtudes dos pratos propostos. Por exemplo quando falam de um determinado tipo de sopa bombardeiam-me com coisas do género: - Vai ver que gosta, e além do mais faz bem ao fígado, ao coração, aos rins, ao colesterol, ao cérebro, olhe faz bem a tudo! Percebe? Está a ver não está, são coisas fabulosas que o senhor doutor tem que saber! Claro que simpática e educadamente vou anuindo com um ligeiro sorriso e um discreto acenar de cabeça. É evidente que, de um modo geral, os produtos vegetais são bons. Por outro lado o excesso de consumo de produtos animais, nomeadamente carnes vermelhas e gorduras saturadas têm sido responsabilizados por inúmeros problemas de saúde, desde certas formas de cancro à aterosclerose.
Há necessidade de modificar certos hábitos, seleccionando certos produtos alimentares e evitar excessos de outros. Enquanto ia a pensar nestas coisas já estava a comer a sopita que, diga-se em abono da verdade, era agradável, embora, reflexamente, começasse a recordar as saborosíssimas sopas com que sempre fui mimoseado. E também são vegetarianas, tirando uma ou outra.
A par destas reflexões, recordei-me de um trabalho publicado numa importante revista médica internacional em que se concluía que os que optaram pelo regime vegetariano, em crianças tinham quocientes de inteligência superiores aos não vegetarianos, e eram mais saudáveis. Talvez, o facto de terem Q.I. mais elevados facilitasse a aquisição de estilos de vida mais saudáveis, nos quais se integra a opção vegetariana que, sendo habitualmente saudável, face a muitas outras opções, evitariam o aparecimento de muitas doenças.
De facto, as minhas acompanhantes apresentam traços inquestionáveis de inteligência superior, corroborando os achados.
Passando ao restante prato com “simulacros” de “carne vegetariana”, cujos nomes e classificações e formas de confeccionar iam debitando com uma força e confiança notáveis, também consegui comer. No entanto, confesso que – quando ingeria os produtos – me perpassou pela mente coisas como torresmos, dobrada, rojões e outras coisas que dispenso de enunciar. O pior foi a bebida. Não quis, naturalmente, pedir algo que pudesse contrariar o ritual e, deste modo, bebi chá. Fiquei tranquilo, embora preferisse beber água ou um vinhito, mas como adoro chá, pensei que não teria problemas. Pois foi! Não gostei daquele chá e não consegui bebê-lo todo. Às tantas deveria ser um chá “apropriado” para acompanhar os alimentos. Não desgostei de todo da refeição, nem passei fome e reconheço naturais virtudes aos vegetais e frutas na alimentação humana. Quanto ao resto, opção vegetariana, acabo por concluir, através do citado estudo, que devo estar uns pontos abaixo dos valores encontrados no Q.I. dos vegetarianos. Não sei se me fazem falta, mas, em contrapartida, ao contribuir pela opção omnívora, propicia-me alguns prazeres gastronómicos que não dispenso. Sem abusos, claro!

Cesteiro que faz um cesto...

Segundo notícias veiculadas ontem por parte de alguns candidatos, terá havido fortes irregularidades nas eleições para a Comissão Política Distrital de Aveiro e para a Secção de Algés do PSD.
Não sei se é verdade ou mentira ou se, no caso de Algés, o facto não se insere na campanha que Helena Lopes da Costa move contra Marques Mendes.
Mas sei que as sucessivas irregularidades apontadas em actos eleitorais dos diversos partidos evidenciam a forma como alguns dos mais “proeminentes” militantes de base se posicionam na vida política: vencer, vencer a todo o custo, não olhando a meios, mas simplesmente aos fins.
A questão é que se trata de pessoas normalmente já com responsabilidades políticas nas Autarquias e em outros órgãos de poder e que, mais tarde ou mais cedo, serão Secretários de Estado ou Ministros.
Ora, a serem verdadeiras as irregularidades, essa gente, como muita que ascendeu a cargos elevados à custa de “aldrabices” similares, não merece qualquer confiança. Porque, cesteiro que faz um cesto...
Compete à Comissão de Fiscalização do PSD averiguar e punir quem praticou as irregularidades ou, se não as houve, castigar quem propalou falsidades.
Para que se sintam bem no Partido os que não pactuam com tais métodos.

sábado, 16 de dezembro de 2006

Calçada à Portuguesa, uma distinção...

Até que enfim! "Já era tempo de fazer justiça aos calceteiros".
Foi ontem inaugurada pela Câmara Municipal de Lisboa na Baixa Pombalina – Rua da Vitória, em frente à igreja de São Nicolau – uma estátua de homenagem ao Calceteiro de Lisboa. Trata-se de uma obra do escultor Sérgio Stichinni composta por duas figuras em bronze: um calceteiro a esculpir a pedra e um ajudante com o maço a bater a pedra.
Lisboa é provavelmente a única cidade de todo o mundo em que vale mesmo a pena olhar para o chão. Peixes, flores, pássaros e caleidoscópios ondulados e muitos outros motivos artísticos adornam as praças e passeios públicos em rendilhados de pedra, que envelhecem com as memórias de quem por cima deles anda.
É genial o embelezamento do chão público com os pequenos cubos de pedra preta e branca, uma solução ecológica e esteticamente colorida e brilhante.
A calçada à portuguesa é uma distinção nacional, genuinamente artesanal, em que com uns martelinhos de 800 gramas, se cortam ali mesmo pequenos cubos de calcário, granito ou basalto, que artisticamente combinados revelam uma faceta da nossa cultura.
É portanto muito merecido o monumento ao Calceteiro de Lisboa.
Seria importante que a Câmara Municipal de Lisboa não se ficasse por esta homenagem e invertesse a redução drástica do número de profissionais calceteiros ao seu serviço e promovesse esta profissão, de modo a que a calçada à portuguesa continue a brilhar como nos tempos antigos.
Não é com os 20 calceteiros actualmente ao serviço da Câmara e com o trabalho dos empreiteiros cuja aptidão técnica é muitos vezes deficitária que iremos manter o ex-libris nacional que é a calçada à portuguesa.
Se por um lado, a calçada à portuguesa nos põe de cabeça baixa, pedindo-nos que olhemos para o chão, por outro lado, é-nos exigido que saibamos estar com a cabeça bem levantada, que tiremos partido deste e de todos os outros valores nacionais.

Estado e regulação

As teorias que apontam para o Estado modesto, vêem na regulação a função sucedânea da intervenção ineficiente dos poderes públicos na economia e em sectores de interesse geral. Regulando, e não imiscuindo-se directamente no jogo do mercado, o Estado desempenhará um papel mais positivo na promoção do desenvolvimento.
Mas qual deve ser o estatuto dos diferentes reguladores?
Recentes decisões governamentais, parcial ou integralmente contrárias a deliberações de entidades reguladoras, trazem a debate a questão dos limites dos poderes reconhecidos pela lei a estas entidades.
É um debate necessário e oportuno porquanto as experiências sectoriais da última década já permitem que se faça uma avaliação no sentido de aperfeiçoar os modelos regulatórios.
A questão central é esta: a independência dos poderes político e económico que deve ser garantida ás entidades reguladoras, deve significar que as decisões destas entidades não podem ser postas em causa, nem mesmo pelo Governo como vejo alguns defender?
Ou dever-se-á entender que regulação é ainda intervenção da Administração Pública, e nessa medida a intervenção do Governo, ponderando o interesse geral nas suas diferentes vertentes, não é mais do que a consequência lógica do seu estatuto constitucional de órgão superior da Administração Pública?

“Liberdade, direito e estilos de vida”…

A liberdade em optar por determinados comportamentos ou estilos de vida é um direito que, aparentemente, ninguém contesta. As afirmações segundo as quais eu fumo, eu bebo, eu como o que quiser, eu faço o que entender, mesmo conhecendo que tais práticas constituem factores de risco que possam por em causa a sua saúde, porque existem evidências nesse sentido, são aceites como sinal inequívoco de um direito intocável. Mas há quem comece a questionar esse direito, porque as consequências daí resultantes para a sociedade, que tem que os “suportar” e pagar os ditos “desvios”, são pesadas para os restantes cidadãos que têm de dar a sua contribuição, ficando prejudicados no retorno. É um facto. Não é nada agradável ver os nossos impostos serem canalizados para certos casos, perfeitamente susceptíveis de prevenção, caso houvesse mais cuidados com as opções tomadas. Mas não é justo proceder a qualquer hierarquização de prioridades, em matéria de acesso à saúde, em função de ser, por exemplo, fumador ou não fumador, abstémio ou alcoólico, só para citar duas situações comuns. Qualquer acto neste sentido é sinónimo de discriminação, levando a desigualdades noutras áreas, com graves consequências sociais. Deste modo, independentemente do perfil comportamental, todos, sem excepção, deverão ser tratados em perfeitas condições de igualdade. Mas, o tal direito que cada um afirma ter em relação ao seu destino pode vir a ser alterado futuramente graças a um novo paradigma em construção. A afirmação, segundo a qual cada um tem o direito de escolher o modo e estilo de vida que lhe apetece, porque se houver consequências são os próprios a sofrer, pode não ser verdadeira. Isto é, há forte possibilidade de as consequências não se materializarem só no próprio mas estenderem-se a futuras gerações. Sendo assim, poderemos perguntar: - Será legítimo comprometer a saúde de um filho, de um neto, de um bisneto, por causa do estilo de vida adoptado? Os descendentes poderão vir a sofrer consequências graves por causa dos maus hábitos ou estilos de vida adoptados pelos seus antepassados. Não se trata de doenças genéticas, mas de modificações operadas a nível do ADN que tende a “perpetuar-se” no futuro. Será legítimo agravar ou aumentar o risco de, por exemplo, uma doença neoplásica, num descendente, devido ao comportamento dos pais ou dos avós?
As evidências científicas nesta área começam a ser bastante esclarecedoras a ponto de poder por em causa o tal direito à liberdade na escolha de um estilo de vida, porque terceiros, que ainda irão nascer, terão de pagar por erros para os quais não contribuíram.
Todos deverão ter direito a serem tratados em pé de igualdade, independentemente das opções tomadas, mas deverão começar a respeitar os direitos de outros que um dia irão nascer, e, para os respeitar, terão de começar a alterar os seus actuais estilos de vida. Dizem que a liberdade de uma pessoa termina no ponto onde começa a de outro. Nesta perspectiva o conceito deixará de ser meramente espacial, passando a ser transgeracional...

Nordeste Transmontano

Esta fotografia é Portugal.
É Trás-os-Montes.
Lá...onde "muda a face da terra e a alma do Homem", como disse Jaime Cortesão.

É com este pedacinho deste Portugal esquecido, por onde(esquecida) há uns tempos me perco...
que mando a todos, ao somatório de todos os gloriosos republicanos da 4R, um grande abraço cheio de Natal.
Quanto a Esperança...que ela nos toque a todos, tão profunda, infinita e grandiosa quanto a paisagem despoluída destes montes sem fim.
Com sincera amizade, um BOM NATAL!


sexta-feira, 15 de dezembro de 2006

Honra ao mérito

O Professor e Empresário António Câmara ganhou o Prémio Fernando Pessoa, em boa hora instituído.
Nos últimos anos tem-se falado muito em inovação em Portugal.
Mas pouco se tem referido que a inovação com efeitos positivos no crescimento e no desenvolvimento económico é a que se concretiza em novos produtos susceptíveis de serem comercializados ou a que se traduz em aperfeiçoamento dos existentes.
Sem novos produtos, não há criação de riqueza e os gastos com investigação constituem um mero custo, isto é desperdício.
Neste contexto, o Plano Tecnológico, em vez de ser um arrazoado de centenas de medidas, algumas só para fazer número e sem significado real ou mesmo simbólico, deveria enfatizar esta ideia primária, mas tão afastada de muitos, de que a investigação deve levar à inovação e esta será totalmente estéril se não criar produtos aceites pelo mercado.
Assim, o Plano Tecnológico atingiria melhor os seus objectivos se, num simples artigo, incluísse a obrigatoriedade de os Laboratórios do Estado negociarem com as empresas contratos de investigação aplicada, definindo objectivos a atingir, meios a afectar, linha de comando, modo de financiamento dos programas, e estabelecendo o seu encerramento se não conseguissem, num prazo razoável, que o mercado justificasse a sua existência.
Salvaguardando, obviamente, um segmento de investigação fundamental, sem a qual a aplicada se pode tornar inviável.
As empresas deAntónio Câmara inovam e criam produtos para o mercado global. Fazem gerar emprego e riqueza. O Prémio Pessoa foi justamente atribuído.

Salário Mínimo, ilusão máxima?

Na semana passada foi anunciado com grande alarido mediático – para não variar – o acordo obtido na concertação social para o aumento de 4,4% do salário mínimo nacional (SMN), de 386 para 403 euros, em 2007.
Segundo o marketing oficial, tratou-se de mais um acontecimento inédito.
Tenho reparado aliás que os acontecimentos inéditos se vêm sucedendo a um ritmo tal que corremos o risco de esgotar em breve o “stock” do ineditismo e ficarmos reduzidos a acontecimentos apenas banais.
Curiosamente, desta vez quase todo o espectro político alinhou num coro de elogios a este acordo, tendo notado em particular na efusiva declaração do CDS-PP. Apenas o PCP achou pouco, como aliás lhe competiria sempre dizer qualquer que fosse o resultado do acordo.
Acabei entretanto de saber que SÓ no concelho de Manteigas e SÓ este ano, emigraram mais de 100 pessoas, para países como a Suíça, a Alemanha e a Espanha.
São pessoas atingidas recentemente pelo desemprego, sobretudo do encerramento de unidades fabris e que querem trabalhar, não se acomodando a viver à sombra do subsídio de desemprego, de resto agora também mais precário.
E são pessoas que não encontrando trabalho em Portugal, não hesitam em procurá-lo longe das famílias.
Sabe-se que trabalham na construção civil em Espanha alguns milhares de trabalhadores portugueses, contando APENAS os oriundos do distrito de Braga, emigrados nos últimos anos também por falta de oportunidades em Portugal ou atraídos por melhores remunerações no país vizinho.
Um estudo muito recente da Universidade Católica veio revelar aquilo que mais ou menos já se sabia: cerca de 60% dos jovens que saem do ensino superior ou secundário passam os primeiros anos da sua actividade profissional em empregos precários, sob vínculos laborais que podem terminar a qualquer momento.
Acrescenta o estudo que estes jovens mudam em média 3 vezes de emprego nos primeiros 5 anos de actividade.
Tendo esta dura realidade presente, ocorre perguntar o que é que significa para toda esta Gente o aumento do SMN?
Só pode significar, se tiverem tempo para pensar nisso – provavelmente nem terão – um amargo de boca, um benefício que nada lhes diz.
Quando atento nestes factos e realidades, fico com a noção de que entre nós se cultiva cada vez mais a política da ilusão, tentando fazer crer aos cidadãos que ainda somos capazes de aplicar medidas socialmente avançadas.
E toda a classe política alinha nessa venda de ilusões, para sua própria auto satisfação.
O SMN é um benefício, com certeza, para aqueles que já têm outros benefícios que esta legião de menos-afortunados não tem, designadamente alguma estabilidade no seu emprego.
Não pretendo por em causa a justiça do aumento do SMN, entenda-se. Quem o receber e tiver apenas essa fonte de rendimento continua a ganhar muito pouco, provavelmente merece ganhar muito mais.
O que não me agrada nada, sou franco, é a transformação deste facto numa grande operação mediática de venda de ilusões, sem respeito pelos muitos milhares que nem o SMN têm.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

Desenvolvimento social na ordem do dia

No discurso que fez na sessão de abertura do Congresso do Poder Local o Presidente da República voltou a focar o imperativo do desenvolvimento social para o progresso do País.
Com efeito, penso que há um sentimento generalizado e consensualizado de que o País está num ponto de viragem, em que o investimento subjacente à competitividade e ao desenvolvimento social deve assumir um maior relevo do que no passado, em que o esforço de investimento foi direccionado maciçamente para infraestruturas e equipamentos.
Para este “voltar de página” deve concorrer uma maior responsabilidade do poder local, atribuindo-lhe o poder central novas competências e funções e dotando-o dos recursos financeiros adequados, a par da instituição de mecanismos de avaliação e controlo de desempenhos e resultados obtidos.
O Presidente da República depositou, justamente, nas autarquias especial vocação e capacidade para responderem ao desafio do desenvolvimento social, tendo presente um conjunto de vantagens únicas que se lhes reconhecem, designadamente a proximidade das populações, o conhecimento e a agilidade para encontrar soluções que melhor respondam às suas necessidade e anseios.
Sem duvida, que as autarquias pelas razões apontadas estarão em melhores condições, como já o vão fazendo, de assumirem maior responsabilidade, em domínios de índole social como sejam, apenas para citar alguns exemplos, o combate à pobreza e à exclusão social, o apoio às pessoas mais carenciadas e mais vulneráveis, a prestação de cuidados na área da saúde e a mobilização de vontades e capacidades locais de sectores da sociedade civil.
As autarquias podem e devem contribuir, também, com um papel mais activo para despertar na nossa sociedade uma maior consciência e responsabilidade social, orientadas para a acção individual e colectiva.
A intervenção do Presidente da República foi, para além de muito oportuna, extraordinariamente rica na vertente social, manifestando uma enorme sensibilidade e preocupação com o bem estar das populações e atribuindo de forma muito significativa um papel relevante às autarquias no desiderato da realização do desenvolvimento social.
Esperemos, pois, que o seu apelo seja escutado: que governo e autarquias trabalhem em conjunto para encontrar o modelo político e financeiro que pragmaticamente e com efectividade responda ao novo desafio e que, simultaneamente, a sociedade civil se sinta impelida a empreender, de forma concertada, mais e melhores iniciativas.
Esta não é matéria isenta de polémica política, centrada essencialmente em questões de divisão do poder. Veja-se a recente discussão sobre a Lei das Finanças Locais, que acaba de ser enviada pelo Presidente da República para o Tribunal Constitucional.

"Estórias" politicamente incorrectas...

No último fim de semana estive no Museu do Pão, em Seia. Trata-se de um empreendimento original e digno de nota, que alia a um excelente restaurante um bem concebido museu, em que o tema é o pão. Nele se faz a história deste alimento, se mostram as diversas fases de fabrico, do amanho da terra, à sementeira, à cozedura e à distribuição, e se documentam fases históricas dos cereais em Portugal.
Além de outros, achei um documento particularmente interessante, por retratar uma época de racionamento, coincidente com a 2º Grande Guerra e com a governação de Salazar.
Trata-se de uma carta escrita em 30 de Novembro de 1942, em que D. Maria do Resgate de Oliveira Salazar, irmã do então 1º Ministro, requisitava à Comissão Reguladora das Moagens 1.476 quilos de milho para semear na sua propriedade, no Vimieiro, Santa Comba.
Em 17 de Dezembro, a Comissão Reguladora das Moagens respondeu negativamente, dizendo que só distribuía milho à Indústria e que deveria dirigir-se à Federação Nacional de Produtores de Trigo.
Em 21 de Dezembro, D. Maria do Resgate assim o fez. Como resposta, foram-lhe atribuídos apenas 180 quilos, já que aquela Federação considerou irregulares alguns dos manifestos em que se baseava a requisição.
Não sei se esta amostra, relevante por ter como titular um familiar de Salazar, era a regra. Mas pelo menos evidencia que ligações pessoais ou familiares não seriam razão para favoritismos ou enriquecimentos sem causa.
Como hoje, aliás!...Por isso, nem compreendo por que se fala tanto em corrupção!...

Mau mercado

Os preços dos combustíveis aumentaram substancialmente ao longo de boa parte de 2006.
A razão apresentada foi sobretudo o aumento dos preços no mercado internacional. Entretanto o barril do crude baixou para os US$ 60.
E nos últimos tempos o dólar, moeda em que são feitas as transacções no mercado internacional do petróleo, depreciou-se fortemente em relação ao euro. Menos euros comprarão, por isso, mais petróleo do que há uns tempos atrás.
Apesar de tudo isto o preço ao consumidor não reflete nem a baixa do preço na origem nem as alterações cambiais favoráveis.
Acomodação por antecipação ao aumento do imposto sobre os produtos petrolíferos?
Ou má prática de um mercado cuja liberalização do sector prometia para o consumidor pelo menos uma maior transparência?

quarta-feira, 13 de dezembro de 2006

“Dançar nas ruas”…

Festa é festa e, de acordo com vários estudos, perde-se na noite dos tempos. Tudo leva a crer que no Paleolítico a rapaziada já dançava, festejava, mascarava-se, enfim, eram verdadeiros adeptos de forrobodó da época. Parece que as festividades, que durariam vários dias, ocorriam ao redor de fogueiras e, depois, à medida que as civilizações se iam desenvolvendo, nas ruas ou noutros espaços públicos.
A história das festividades é comum a todos os povos e continentes, traduzindo uma “necessidade” comum. Mesmo os gastos energéticos inerentes a estes esforços não eram impeditivos do divertimento. A partir de certa altura tudo devia servir de pretexto, que digam as festividades pagãs que ainda hoje permanecem sob outras roupagens. Por exemplo, na França do século XV, um em cada quatro dias era dedicado a festa, habitualmente em honra de um santo! Parece que esta prática tem seguidores hoje em dia. Basta recordar os defensores de “fins-de-semana de três em três dias”, como aconteceu recentemente através de um partido político. Poderia ser interpretado como um provável sinal de algum resquício medieval ou mesmo troglodita, mas, nunca se sabe…
Depois tudo mudou. Apareceram os “puristas” religiosos, as aversões ao “pecado”, os promotores da nova ética de trabalho pós revolução industrial, os “workaólicos” e os que tinham medo de que tais festividades poderiam ser fontes de contestação social e embriões de revoluções. E agora? Agora, ainda vamos tendo alguns dias festivos mas sem a intensidade de outras eras. No entanto, as festividades promovidas, e que constituem fonte de divertimento e de distracção, vão ocorrendo com alguma regularidade. Mas há que promovê-las e dar-lhes outra dimensão, porque poderão ser muito úteis como forma de combater a inactividade física e a obesidade.
Neste momento, os britânicos, tal como os portugueses, estão a sofrer uma grave epidemia de obesidade. O custo da inactividade chega a atingir os oito mil milhões de libras por ano, constituindo uma forte dor de cabeça para o governo. Foram anunciadas muitas medidas, algumas interessantes, todas com o objectivo de reduzir o peso, fazendo com que as crianças tenham pelo menos uma e os adultos meia hora de actividade física diariamente. Dentro destas actividades o governo, através de Caroline Flint, propôs classes de dança, “danças nas ruas” com vídeos pop e outros programas não convencionais, como ida a supermercados (a pé!) para analisarem os alimentos aí vendidos, enquanto os mais velhos são convidados a praticar box, saltos (skipping) e outros exercícios, incluindo “dançar o tango”. O programa tem uma verba na ordem dos 2,5 milhões de libras e as perspectivas em matéria de poupança são astronómicas. Afinal, os nossos antepassados já sabiam da poda. O melhor é dizer ao senhor ministro da saúde para “abrir” uma sala de baile por cada urgência que fechar, promover concertos de rock e outras festividades e reconverter as maternidades em recintos desportivos para a prática de box, kickboxing, karaté, kung fu e quejandos. Com o dinheiro que anda a poupar por esse pais fora, é capaz de ter uns trocos que podia investir neste tipo de actividades das quais pode resultar muita saúde e, pelo menos, alguma satisfação. Vá lá senhor ministro ponha os portugueses a dançar nas ruas, não ao som da contestação, mas de boa música…

Justiça à moda de Madaíl!...

A coisa vai bonita e recomenda-se!...Pelo que acabo de ouvir, o Dr. Gilberto Madaíl foi nomeado porta-voz do Juíz do processo Apito Dourado!...
Segundo declarações agora passadas na TV, à saída da audiência em que prestou declarações como testemunha, o Presidente da Federação Portuguesa de Futebol revelou estar autorizado a dizer que o Juíz em causa está a apressar a instrução do processo, de forma a que a mesma possa ficar concluída até Fevereiro de 2007...
Ou Madaíl não compreendeu o Juíz e foi além do chinelo, ou este entrou em intimidades impróprias de um sistema de justiça sério e digno, encarregando um depoente de ser o seu porta-voz!...
Haja senso!...

A eterna dúvida

Comentávamos ontem entre amigos a recorrente questão da educação dos filhos, qual a atitude que devemos ter perante os seus quereres, como se distinguem o capricho e a instabilidade do curso próprio da afirmação de personalidade.
Quando eles chegam à idade adulta, são o espelho das influências que receberam, diluídas ou potenciadas pelo carácter ou feitio que processa essas mensagens. E vamos sempre parar à magna questão da dificuldade de dizer “não”, e de como fazê-lo de forma construtiva, ou formativa, sobretudo se o passado não foi marcado por actuações firmes que pudessem construir crédito para o futuro.
O facto é que dizer “não” dá imenso trabalho. Um trabalho aturado, persistente, de presença atenta, que não adia conversas nem se compadece com o cansaço de um dia de trabalho. E a soma de muitos momentos de complacência – não com eles, mas connosco próprios, para nos poupar à maçada da explicação e da reacção, - dá mais tarde origem a jovens inseguros, incapazes de resistir com coragem aos dissabores da vida, que buscam nos outros a satisfação dos seus desejos sem que estejam aptos a, por sua vez, dar um pouco de si próprios.
O exemplo conta imenso, é um facto, mas tem que ser percebido, não é fácil para uma criança ou a um jovem adolescente perceber o modo de vida e as convicções dos pais que passam por eles a correr ou que estão por perto a olhá-los sem olhos de ver.
Retive o comentário de um dos presentes, dizendo que “nós queríamos aprender a gostar do que fazíamos e eles agora só querem fazer o que gostam”… Como é que podemos aprender a lidar com essa perspectiva sem nos tornarmos um obstáculo que se arreda com enfado, numa repetição monótona do chamado choque de gerações??

A história

Verifiquei que houve, durante o período do fim de semana alargado, em que estive ausente, uma animada discussão no 4R sobre a morte de Pinochet.
Mas pouco se falou de Allende. Salvador Allende nasceu em 1908 e concorreu por 4 vezes às eleições presidenciais do Chile, tendo sido derrotado em 1952, 1958 e 1964, tendo ganho as de 1970. Nestas eleições, concorreu como candidato da coligação de esquerda Unidade Popular, um agrupamento formado por socialistas, comunistas, alguns sectores católicos e liberais do partido Radical e do Partido Social Democrata.
Embora sem maioria absoluta, conquistou o primeiro lugar com apenas 36,2% dos votos. Segundo a Constituição Chilena, coube ao Congresso confirmar a eleição, sem o que teria que haver nova consulta popular. Numa atitude de grande espírito democrático, o Congresso confirmou a eleição de Salvador Allende.
Allende, com apenas 36% dos votos, pretendeu destruir o que denominava de predomínio económico imperialista, abrindo caminho para a construção de uma sociedade socialista, embora dissesse que o pretendia fazer em liberdade. Com esse propósito, iniciou nomeadamente a concretização do seu plano de nacionalizações e de reforma agrária.
O processo não correu bem, tendo gerado enorme perda de nível de vida, descontentamento, greves e profunda agitação social.
O resto é conhecido.
É voz corrente que a política de Allende era legitimada pela vontade popular, já que ganhou eleições. Mas tal é um logro e uma completa falsificação da história. Allende quis impor uma “revolução” no Chile, contra a vontade da maioria da população, já que apenas um terço lhe dera o seu apoio. Esta é uma verdade que tem sido escondida.
Escamotear a história e não aprender com ela dá sempre maus resultados.
Mas nada perdoa nem desculpa os crimes de Pinochet.

terça-feira, 12 de dezembro de 2006

Franquezas...

Na SIC-Notícias, Mário Crespo, no final do debate entre Vicente Jorge Silva e Freire Antunes, que se seguiu a uma entrevista com o Dr. Almeida Santos a propósito da publicação das suas Quase Memórias, desabafou em frente daquelas personagens: "Vou-me penitenciar toda a noite por não ter dado mais tempo ao Dr. Almeida Santos".

Por 15,5 €...

Aquele anúncio é uma vergonha.
Um homem chega a casa do trabalho e vai chamando pela mulher, ou pelo filho, ou vai ao quarto da filha à procura dela. Os detalhes da casa são de conforto, com o pormenor dos ursinhos abandonados na cama da filha. Nas três ou quatro versões do anúncio, o homem lê com estupefacção os bilhetinhos secos a comunicarem que o deixaram por outro melhor ou seja, por outra pessoa que não se importava de pagar 15,5 € para lhes dar a felicidade insubstituivel de terem mais canais de televisão à escolha.
Não sei se o anúncio aumentou as vendas, mas é no mínimo de muito mau gosto. Digo no mínimo porque admito que, desastradamente, alguém tenha julgado que havia ali algum sentido de humor, uma espécie de paródia falhado da sociedade de consumo no seu melhor. Mas, lá diz o ditado, com a verdade me enganas, e como o humor é mesmo muito subtil(??) e as imagens são muito directas, a verdade é que pais e filhos se trocam por um prato de lentilhas várias vezes ao dia, na rádio e na televisão, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Há sentidos de humor que dão vontade de chorar. De dó.

Batemos no fundo?

A enorme maioria dos nossos bons escritores e poetas nunca teve por parte da comunicação social a promoção de um qualquer dos seus livros como uma senhora autora que acabou de lançar a obra que penso chamar-se Eu Carolina.
Não sei se tem sido mais publicitada a autora se a obra. Mas sei que há muita gente notável neste país, pela solidariedade que nunca nega, pelo espírito empreendedor que cria trabalho e riqueza, pela investigação que permite inovar, pela obra realizada nas mais diversas áreas, que nunca mereceu uma linha num jornal, uma palavra na rádio ou uma imagem na televisão.
Não é preciso mais nada para demonstrar os valores que presidem à nossa comunicação social, cujos responsáveis são ciclicamente condecorados pelo elevado critério editorial que exibem.
De qualquer forma, ou me engano muito ou aí teremos em breve a escritora Carolina a integrar algum ou alguns grupos da comunidade cultural que ciclicamente aparecem com abaixo-assinados na defesa dos grandes valores civilizacionais e democráticos. Com merecimento idêntico ao dos seus pares. Obviamente!...
Nota: Quando falo em publicitação do livro nos media, falo do espaço informativo que os "critérios editoriais" dedicaram à "obra"; não estou, pois, a referir-me a publicidade paga.
Contudo, também se poderá dar o caso de tal publicitação entrar na crescente categoria de "informação" devidamente remunerada...

segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

“O Governo Britânico vai encerrar 60 hospitais!”…

O Serviço Nacional de Saúde Britânico anda com problemas há muitos anos. Foi pioneiro e fonte de inspiração de muitos outros. No entanto, a qualidade das prestações tem vindo a diminuir nos últimos anos, a insatisfação e críticas a crescer e os custos a disparar de tal forma que os responsáveis são obrigados a radicais medidas de poupança.
A melhor maneira de proceder à sua implementação, evitando a natural contestação e ruído de fundo, é justificá-las através de medidas técnicas, em que a bondade na prestação de cuidados de melhor qualidade é uma constante. Deste modo, o Governo Britânico acaba de anunciar a intenção de encerrar dezenas de hospitais com o argumento de salvar vidas. É verdade! Podem, de acordo com as suas contas, salvar mais de mil vidas, se concentrarem serviços em hospitais de maiores dimensões, mesmo que tenham de percorrer distâncias maiores. Sessenta hospitais poderão encerrar ou terem de transferir determinados serviços.
O exemplo subjacente a esta intenção prende-se com as doenças cardiovasculares. Caso ocorra um acidente agudo, o melhor é transportar o doente para um hospital de referência sem ter de passar por qualquer unidade de saúde intermédia. De facto, esta afirmação é verdadeira. Já em tempos, tivemos oportunidade de verificar, mesmo entre nós, atrasos substanciais na chegada aos hospitais especializados no tratamento destas situações (uma verdadeira “eternidade”!), agravados se tivessem de passar pelos centros de saúde, colocando em perigo de vida o doente. Muitas centenas de vida poderão ser salvas se forem referenciadas de imediato para uma unidade de cuidados intensivos. Mas é preciso que o transporte seja feito em veículos adequados para o efeito e com uma tripulação constituída por profissionais altamente qualificados. Ou seja, a urgência passará a ir a casa do doente. Se for assim, tudo bem. O pior é se o transporte continuar a ser feito de modo “meio artesanal”!
Os cálculos efectuados pelos colegas britânicos estão correctos, quando aplicados aos casos de enfarte do miocárdio ou de acidentes vasculares cerebrais, resta saber qual a sua eficácia, nomeadamente em outras situações que sendo, também, graves, não comportam o risco de morte imediata. A contestação à medida é um facto, e, apesar da forma elegante e tecnicamente correcta dos argumentos aduzidos, é ponto assente que o que está na base são problemas financeiros, porque esta realidade é conhecida há muitos anos, mesmo em Portugal!
Não sei se o fecho dos hospitais por parte do Governo Britânico se baseia nas ideias do nosso ministro da saúde, o qual tem vindo a tomar, como é do conhecimento geral, medidas idênticas no caso das urgências e maternidades. Talvez não!
Algumas maternidades já foram à vida e muitos Serviços de Atendimento Permanente vão encerrar de acordo com a “política de melhoria da qualidade técnica a prestar pelos serviços de saúde portugueses”. Face ao que está a acontecer, não me admiraria muito que, no futuro, alguns hospitais fossem também encerrados com o pretexto de melhorar a qualidade da assistência e salvar vidas! É sempre possível, tecnicamente, provar a “bondade” das iniciativas que “escondem”, como é óbvio, motivos financeiros, até, porque, não podemos ignorar que a assistência aos doentes se reveste de outras particularidades além das situações de emergência…

Prémio merecido

Portugal foi contemplado a semana passada com o prémio europeu de iniciativa empresarial na categoria "redução da burocracia", com o instrumento "empresa na Hora".
Este prémio visa reconhecer e recompensar iniciativas criadas pelas autoridades locais para apoiar o ambiente empresarial.
A "empresa na Hora" constitui uma prática amiga da economia e um excelente exemplo de modernização administrativa.
Prémio bem merecido, que constitui uma prova de que uma parte significativa do relacionamento dos cidadãos e das empresas com o Estado passa pela informatização de actos e processos administrativos.
O e-Government é o futuro...

O orçamento ininteligível, porém inquietante...

A senhora Dr.a Maria José Nogueira Pinto absteve-se hoje na votação do Orçamento para 2007 da Câmara em que tem assento como vereadora, a Câmara Municipal de Lisboa.
Disse do orçamento proposto o que não se atreveu a dizer toda a restante oposição. Descreveu-o como «ininteligível, inquietante, imobilista e incoerente». Nem mais nem menos. Ininteligível. Inquietante. Imobilista. Incoerente. E mesmo julgando-o assim, não votou contra, bem sabendo que a sua abstenção acabaria por viabilizar a aprovação do documento.
Não me espanta esta atitude, coerente com o tacticismo habitual com que se tece a política em Portugal mas também o plano inclinado por onde anda a credibilidade dos políticos.
O que já confrange é a explicação dada pela senhora Vereadora para não votar contra. Declarou ela que não quis "dar um enorme alibi" ao presidente Carmona Rodrigues para não governar a Câmara!
Se não soubéssemos o que está por detrás desta atitude, ficaríamos então a conhecer que para a Dr.a Maria José Nogueira Pinto uma Câmara, com a dimensão e as responsabilidade como a de Lisboa, pode ser governada, sem alibis, com um orçamento "ininteligível, inquietante, imobilista e incoerente".
Se depois dos episódios que se têm sucedido na Câmara de Lisboa restasse aos mais directamente envolvidos um pingo de dignidade, estaríamos por certo confrontados com outro desfecho. Em nome da decência na política.

Administração Pública: mais Estado?

Está genericamente compreendido que a reforma da Administração Pública assume uma enorme importância, não só pela necessidade imperiosa de oferecer aos cidadãos serviços de qualidade, mas também pela urgência de aumentar a produtividade da economia portuguesa em geral, libertando recursos humanos e financeiros para outras actividades.
A reforma da Administração Pública só é possível, já o está repetidamente afirmado, com uma redução significativa da sua dimensão, com uma abertura ao sector privado e com um novo modelo de gestão. É também indiscutível que o excessivo peso do Estado na economia portuguesa é uma força de bloqueio ao crescimento económico.
O Governo decidiu avançar com uma reestruturação da Administração Central do Estado – tendo criado para o efeito o PRACE (Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado) – começando pelo telhado, isto é, por estabelecer a macro estrutura, sem antes se conhecerem alguns exercícios indispensáveis, que constituiriam, a meu ver, os alicerces do edifício:
- Repensar as funções do Estado, trabalho que foi iniciado pelo Governo do Primeiro Ministro Durão Barroso, mas que como vai sendo habitual em Portugal – até parece que temos todo o tempo do mundo e os recursos financeiros não constituem problema – não foi retomado pelo actual Governo.
- Separar as actividades do Estado pela sua natureza:
1. aquelas que só o Estado pode desempenhar (estão neste caso as funções de soberania).
2. aquelas relativamente às quais o Estado deve garantir a respectiva prestação, mas que
podem ser realizada pelo sector público ou pelo sector privado (estão neste grupo a educação e a saúde).
3. aquelas que não devem ser retiradas à sociedade civil.
- Definir um novo modelo de gestão para as actividades que compete ao Estado assegurar - níveis de responsabilização dos dirigentes, níveis de descentralização das decisões, gestão plurianual dos recursos, gestão por objectivos, práticas de avaliação de performance dos serviços, estímulos à excelência do desempenho, etc.
O Governo foi por um caminho diferente, admitindo, é certo, a "externalização" de funções, “em casos em que se verifiquem ganhos de eficiência ou eficácia é ponderada a possibilidade de transferência de actividades, não críticas para as funções do Estado, para o sector privado ou social”. A transferência de funções para terceiros pode assumir formas desde a empresarialização pública da função (sector público empresarial do Estado) à privatização total, … pelo outsoursing e pelas parcerias público-privadas”.

É hoje notícia na comunicação social que o Governo vai proceder à empresarialização pública da "gestão pública", isto é, de actividades que se configuram de suporte à gestão dos recursos, designadamente a gestão de recursos humanos e a gestão de compras e da frota automóvel do Estado. É também referido que a futura "Empresa de Serviços Partilhados da Administração Pública (ESPAP)" poderá, por sua vez, "proceder à constituição de sociedades comerciais integralmente detidas por si ou igualmente participadas pelo Estado, com vista ao desempenho indirecto das atribuições que lhe são cometidas.
Sabemos ainda pouco sobre este projecto, mas uma coisa é certa, é que estamos perante uma mega estrutura pública, que me suscita grande preocupação, não só porque poderá vir a ser mais um "monstrozinho", mas também porque "engordará" o universo do sector empresarial do Estado.
A propósito do PRACE (ou não?) o Conselho de Ministros aprovou a semana passada uma outra empresarialização pública, a “Parque Escolar, E.P.E.” entidade que terá por missão modernizar as escolas secundárias. Esta nova EPE não constava, contudo, do PRACE, aprovado recentemente e considerado um instrumento político emblemático. Afinal, em que ficamos?
Começa assim a desenhar-se o caminho da reestruturação da Administração Pública.
Desejo profundamente uma mudança que conduza a nossa Administração Pública para patamares elevados de eficácia, eficiência e sustentabilidade de desenvovimento, mas não à custa de mais Estado.

A Promessa


Calem-me esta cegarrega!
(José Alves, quando a conversa já não tinha interesse nenhum)

Acho que nunca conheci uma mulher tão feia como aquela.
Era uma criatura atarracada, de um moreno sujo, com uma cara de lua cheia com duas continhas no lugar dos olhos, um nariz de batata e uma boca enorme onde ainda assim não cabiam os dentes todos. Chamava-se Maria do Céu, como uma provocação, mas todos a conheciam como “O Mastro”.
O Mastro vivia ansiosa por se casar e espalhava aos sete ventos que só não arranjava noivo porque não tinha enxoval e, nessa pobreza, não havia quem lhe pegasse na mão.
Morava na cave do prédio e, quando apanhava alguém nas escadas, era sempre a mesma cantiga. Cansado de ouvir as suas lamúrias, José Alves teve um dos seus ímpetos:
- Não seja por isso, mulher! Arranja lá o noivo, que nesse dia eu ofereço-te um serviço de jantar da Vista Alegre! – e contou em casa a sua liberalidade, perante a fúria da filha casadoira, que há muito lhe moía o juízo reclamando o serviço de pratos. Ele resistia ao pedido, afirmando que não sustentava vícios, o marido que lho comprasse, se a tanto lhe chegassem os pergaminhos.
Foi por causa dessa teima que se lembrou de fazer a promessa, assim como quem acha que era o mesmo que prometer a lua…Mas foi sossegando a mulher, que logo veio tirar cara pela filha, garantindo que não havia homem nenhum que se casasse com o Mastro nem que a visse coberta de ouro…
Até que um belo dia chegou a casa esbaforido.
- Não queres lá ver que o estafermo vai casar? Ele há cada um! Com tantas mulheres por aí, logo havia quem se embeiçasse pelo Mastro. Mesmo com o serviço de pratos, é obra…! E arrependia-se do seu impulso, a deitar contas à vida, que com aquela é que ele não contava.
Não teve outro remédio senão honrar a promessa e desviar as economias para a Vista Alegre e o sonho da filha para o bragal da outra. E o Mastro, de gratidão, ainda o convidou para padrinho…
Quando contava esta história, rematava sempre com a lição: “Fui buscar lã e vim tosquiado…!

domingo, 10 de dezembro de 2006

Irónico

O dia 10 de Dezembro passará a assinalar a data em que a Assembleia-geral das Nações Unidas tornou universal a proibição do genocídio e a afirmação dos direitos humanos mas registará igualmente a morte de Pinochet.

Ironias da História...

“Encanto e desencanto”…

Certos acontecimentos provocam-nos mal-estar e até um certo desencanto. Hoje, tive oportunidade de ver uma senhora que há cerca de seis a sete anos viveu um período dramático. Quase que não a reconheci. Bastante envelhecida e com ar muito triste, típico dos depressivos, vinha acompanhada da filha adolescente, bonita, bem cuidada e portadora de um sorriso meio triste, tradutor de uma sentida preocupação. Foi a voz que me levou a dar atenção aos traços faciais, permitindo deste modo identificá-la. Acto contínuo, lembrei-me do filho que, no início da adolescência, esteve na iminência de morrer devido a uma grave doença do sangue e que graças a um transplante, no qual me empenhei de forma muito particular e intensa, acabou por evitar uma morte anunciada. Não fiz qualquer comentário ao assunto, deixando que a senhora expusesse os motivos da sua visita. Tal como previa, passou a descrever um conjunto de sintomas e sinais de uma depressão. Apesar de no passado já ter passado por algo semelhante, diz-nos a experiência que temos de procurar factores exógenos. Foi o que fiz, perguntando-lhe se nos últimos tempos tinha ocorrido algo de relevante na sua vida que pudesse justificar a situação. Falou do marido, dos seus hábitos e estilos de vida menos saudáveis, e que eram fonte de preocupação. Importantes sem sombra de dúvida. O meu silêncio, propositado, foi suficiente para deslocar a atenção para o filho. Assim que começou a falar, teceu um conjunto de laudatórias considerações sobre o papel que desempenhei na altura da grave doença, voltando a agradecer tudo o que tinha feito. Perguntei-lhe se estava bem de saúde, que idade tinha neste momento e o que fazia. Quanto ao problema da doença estava tudo bem, estava curado. Mas o pior foi quando me olhou com um ar meio destruído dizendo: - "Oh senhor doutor, ele não trabalha, não permanece tempo nenhum nos empregos, faz vida de noite e ninguém me tira da cabeça que não se droga!" Antes de iniciar a frase, a parte interna do olho direito da filha começou a ficar meio brilhante anunciando lágrimas de dor. E assim foi! A conversa passou a desenhar-se ao redor deste assunto, da negação permanente por parte do filho, mesmo quando confrontado com evidências mais do que suficientes dos produtos aditivos, das suas reacções e das companhias, entre as quais se conta um jovem que também no início da adolescência sofreu um cancro do sistema linfático que foi curado, tendo na altura provocado as normais angústias e dor nos familiares. Vi e acompanhei o sofrimento e o desespero de ambas as famílias. Vi e congratulei-me com a vitória sobre doenças que ceifariam a vida de duas crianças. Vi renascer a alegria e a vontade de viver. Enquanto pensava nesta dualidade, dois jovens que estiveram condenados à morte, e que ao renascerem optaram por formas de conduta que poderão provocar se não a morte física mas outras formas de morte, a doente apressou-se a dizer: - “Oh senhor doutor como é possível desperdiçarem a vida depois de terem vencido a morte? Deviam dar graças a Deus e agora procedem desta maneira”.
A conversa continuou sempre debaixo do olhar triste e sem ânimo da jovem de dezasseis anos. Não deixei de transmitir esperança, muita esperança, embora interiormente sentisse um desencanto e um mal-estar que nem agora consigo disfarçar…