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terça-feira, 19 de agosto de 2008

Bruxos

Há dias procurou-me uma senhora que já não via há algum tempo. Desde nova que tem os seus achaques do foro psíquico mas nada de grave que possa por em causa a sua vida familiar, apesar de ter já sofrido alguns revezes. As queixas eram as mesmas de sempre, mas agora vinha com uma preocupação adicional que eu não estava a compreender bem, até que rapa da sua carteira um conjunto de folhas A4 agrafadas e uma fotocópia meio sumida e disse: - O que é que o senhor Doutor acha disto? Olhei, em primeiro lugar para a fotocópia anúncio de uma técnica que desconhecia, "Electrossoma(!)", ou qualquer coisa que valha, capaz de "varrer todo o corpo", e, deste modo, ficarmos a saber tudo o que se passa no organismo. Além desta estranha técnica, anunciava outras, nada ortodoxas, capaz de resolver muitos males. Indicava o nome do técnico, licenciado em enfermagem e respectivos contactos. Passei, em seguida para o maço de folhas que traduziam os resultados do "varrimento intersticial"! Lia e lia, mas sem perceber bem o que é queria dizer. Muitos parâmetros tinham uma escala fixa, do género, superior a -10 a inferior a 10. Todos os dados apontavam para 0. Depois, apareciam listagens do que deveria comer, que não era mais do que o elencar de regras básicas da nutrição e também recomendações para fazer exames convencionais caso da glicemia e da colesterolemia, e até colonoscopia.
Disse-lhe: - Minha senhora! Não sei o que é isto. Nunca na minha vida vi algo semelhante. Confesso a minha ignorância. Mas olhe que eu sou de opinião que é ainda melhor ir à velha bruxa. Olhou para mim e afirmou: - O pior é esta artéria que está entupida e não deixa o sangue chegar ao cérebro. Enquanto falava apontava com a mão esquerda para o lado direito do pescoço. - Mas quem é que disse isso? Foi através desse exame. - Com este?! Para se chegar a esse diagnóstico teria de fazer um exame adequado. Não vejo como é possível terem chegado a esse diagnóstico! Diga-me como é que lhe fizeram o exame. – Colocaram-me dois fios na cabeça e outros dois nos pulsos ligando-os a um computador. Passado pouco tempo começaram a sair as folhas. Ando tão preocupada com a minha artéria entupida! É muito grave, não é? – Já lhe disse que teria feito muito melhor se tivesse ido a uma “bruxa”, mas das clássicas! – Mas a minha nora já lá foi e sente-se muito melhor! – Oh alminha de Deus! Neste mundo qualquer um e qualquer coisa pode curar, desde os bruxos, os pais, os amigos, os padres, a N. Senhora de Fátima, a cabeleireira, a mulher a dias e até os médicos, quem diria, não é verdade? Todos podem curar. São tantos os males que andam por aí! E quanto aos meios também: chazinhos, mezinhas, palavras de ternura, um pouco de atenção, um bom conselho, um cristal, um aroma, uma música, um poema, um riso de uma criança, um bocadinho de amor, uma pomadinha mágica, uma água santa, eu sei lá que mais. Todos curam e tudo cura. Até há os que não têm doenças que depois passam a ter e a seguir tiram-nas como coelhos das cartolas. Uns artistas! Este técnico deve pertencer à nova irmandade da charlatanice que já usa a electrónica. Mal por mal devia ter ido a uma bruxa mais clássica. São mais eficientes e não se metem a inventar obstruções das artérias!
Dois dias depois, uma notícia do DN dá conta de que o “bruxo de Fafe”, que já foi considerado pelo presidente da autarquia “como um ganho para o turismo da região, tal o número de pessoas que o procuram, vai abrir uma clínica com quartos para internamentos e sala de consultas para os “doentes” espirituais”. Ainda segundo o relato, “as novas instalações permitirão mais qualidade no atendimento aos doentes espirituais e vão acabar com a desumanidade de ter que curar pessoas em público e, às vezes, no chão”. Sim senhor! Isto é que é um bruxo! Mas não fica por aqui. Ciente do seu papel como cidadão paga os seus impostos como astrólogo, porque nas Finanças não existe no Código das Actividades Económicas o de bruxo. Acho que o senhor tem toda a razão. Vamos lá a contemplar no respectivo código a actividade da bruxaria e a seguir regulamentá-la. Deste modo, os falsos bruxos não seriam desleais para com os verdadeiros, os genuínos, porque, dêem a volta que quiserem, nunca vai haver falta de clientela para a bruxaria nacional.
Uma pergunta final. O que é acontece aos bruxos quando estão doentes? Vão ao médico! São bruxos, mas não são parvos... E eu que diga porque já tratei alguns, melhor, algumas!

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