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quarta-feira, 20 de agosto de 2008

“A vida é muito perigosa”...

Há alguns dias, andava por Castela, quando li num jornal uma notícia de agressão a um professor de cinquenta anos que, na companhia do seu filho, presenciou, numa estação de serviço, ao espancamento de uma senhora. Indignado perante a situação e a “mansidão” dos observadores dirigiu-se ao agressor manifestando o seu repúdio e condenação. Este último, interrompeu o acto de manifesta cobardia que estava a praticar, segui-o e, traiçoeiramente, espancou-o de forma selvática. No dia seguinte, sentiu-se mal, entrou em coma e, hoje, acabo por saber que se encontra ainda na mesma situação.
O seu nome: Jesus Neira. Cidadão solidário, corajoso e com forte sentido cívico, contrastando com a atitude de muitos que preferem ver em vez de se meterem nos problemas dos outros e que cada um resolva os seus, como se muitos deles não fossem, também, nossos.
No El País de hoje, Pedro Martinez deu conta da situação clínica de Jesus Neira e remata o seu pequenino artigo com uma frase de Einstein que me sensibilizou e que não resisto a transcrever: “A vida é muito perigosa. Não pelas pessoas que fazem mal, mas pelas que se sentam a ver o que se passa”!
O que vemos à nossa volta, face a muitas situações em que deveríamos intervir, é característico deste estado de coisas, ou seja, muitas pessoas acomodadas, que preferem ser simples espectadoras, evitando qualquer acto ou atitude que lhes possa causar desconforto ou mal-estar. Depois queixam-se, lamentam-se e indignam-se (à calada, claro está) como se a resolução dos conflitos e dos problemas não fossem também, por uma razão ou outra, nossos, ou que acabam mais cedo ou mais tarde por nos envolver.
Com esta notícia recordei uma frase de Goethe que eu, um dia, por acaso, encontrei manuscrita num velho livro de poemas de T.S. Elliot. Letra muito bem desenhada e num vermelho provocador: “Só merece a liberdade e a vida, aquele que tem de conquistá-la diariamente”.

9 comentários:

Pinho Cardão disse...

Caro Professor:
Já lá vão uns largos anos, um dos meus filhos, na altura talvez com uns 12 anos, e mais uns três amigos de idade semelhante foram roubados em pleno autocarro para a Costa da Caparica, pouco antes de uma paragem. O autocarro ia cheio e ninguém reagiu. Só os assaltados. Na paragem, o motorista abriu a porta e os gatunos saíram calmamente.Porventura para fazerem nova colheita no autocarro seguinte.

Anónimo disse...

El profesor gallego de Ferrol (La Coruña), Don Jesús Neira Rodríguez

Anónimo disse...

También magnifico artículo del Profesor Don Carlos Abreu Amorim, "El martirio de Jesús", Correio da Manhá, 15 de agosto de 2008

Anónimo disse...

Professor, um grande, grande bem haja por este seu post e por não deixar passar em branco este caso, o "Caso Neira" como já é chamado aqui ao lado. Para os Espanhois não passou apenas de mais uma agressão que correu mal e este assunto está a ter imensa cobertura em Espanha. E muito bem!

A terminar, Professor Massano Cardoso, não apenas fiquei extremamente contente por notar que trouxe este caso aqui como, a finalizar, colocou a cereja em cima dum bolo já de si delicioso:

"“Só merece a liberdade e a vida, aquele que tem de conquistá-la diariamente”"

Obrigado.

AMCD disse...

Razão tem o Doutor Fernando Nobre quando grita contra a indiferença, que considera ser o maior mal que grassa nas sociedades actuais.

Um bem haja pelo seu post.

AMCD

Suzana Toscano disse...

Muito oportuno este belo post, sobretudo no dia em que a nossa polícia apela para que os cidadãos colaborem no combate ao banditismo, avisando a polícia do que pareça poder ser suspeito. Eu creio que muitas vezes não é indiferença, nem mesmo cobardia, é medo real e fundado de que se pode sair muito mal de um acto de coragem como o de se meter com selvagens.Houve um roubo um dia destes em que a população sovou os assaltantes e certamente o farão mais vezes se puderem juntar-se para o devido correctivo, mas a solidariedade tem o prudente limite do instinto de conservação. Isto nada retira à bravura e nobreza do gesto do porfessor que foi vítima da brutalidade dos bandidos que admoestou, pelo contrário, só o eleva, mas é injusto exigir isso ao comum dos mortais...

Suzana Toscano disse...

...professor, claro, foi uma gralha.

Massano Cardoso disse...

Cara Suzana
Não se pretende que um cidadão se arme em herói ou que seja insensato ao ponto de por em causa a sua segurança como me aconteceu, logo no dia em que escrevi este post! Presenciei a uma discussão e briga entre dois irmãos que não jogam bem da cabeça, sendo um deles muito tolo. O menos tolo, trabalhador e desesperado pela provocação do outro consegue, em casa de uma irmã, rapar uma faca, mais apropriada para matar porcos do que para descascar batatas, e num acto tresloucado decidiu esventrar o irmão. Tive a convicção nítida de que o liquidava, face ao seu estado de espírito. O sobrinho imobilizou-o pelas costas e eu, parvo, tentei sacar-lhe a faca pela fente. Vi-a dançar perante a minha barriga e o braço esquerdo mais do que uma vez, até que conseguimos retirá-la. Acabei, em seguida, por ser agarrado por uma louca manápula, que deixou as suas marcas!
Pensando bem, fui um inconsciente. Mas enfim, já passou, apesar das dores no braço esquerdo.
O que se pede aos cidadãos é uma participação mais activa perante as situações sociais que estão na base de conflitos que acabam por apanhar-nos na primeira esquina. É ir aos verdadeiros motivos que estão na base dos comportamentos criminosos ou desviantes. O comentador AMCD fez, de uma forma magistral, o diagnóstico do problema, ao citar Fernando Nobre: Devemos “gritar contra a indiferença, o maior mal que grassa nas sociedades actuais”. E, já agora, acrescento: mas sempre com juízo para não pormos em causa a segurança...

Suzana Toscano disse...

Caro Prof. preferia que não fosse uma história passada consigo a ilustrar o que pretendi dizer, que coisa terrível! Ainda bem que o seu impulso generoso teve sucesso e saiu só com algumas amolgadelas!Tem toda a razão, o que é imperdoável é a indiferença, a longa e persistente indiferença, individual e colectiva, que permite que se esboce, e depois se alastre, a brutalidade e a violência.