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segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Será que querem (ou podem) regressar?

Escrevi sobre este assunto em Junho passado a propósito do regresso a Espanha de médicos espanhóis a trabalharem no SNS. O problema da falta de médicos no SNS, em particular em algumas especialidades, há muito que está diagnosticado.
Não deixo de me interrogar como foi possível não actuarmos em devido tempo para invertermos esta tendência, já que também há muito tempo que é conhecida a evolução demográfica que vem sendo traçada e o movimento crescente de necessidades de cuidados de saúde, quer por virtude do envelhecimento da população e pela melhoria, em geral, de acessibilidade da população ao sistema de saúde quer ainda pelos extraordinários progressos que cada dia que passa se registam na capacidade e eficácia médicas, designadamente em intervenções cirúrgicas e tratamentos médicos, em elementos auxiliares de diagnóstico, medicamentos, etc.
Provavelmente a resposta é a mesma que explica os atrasos em muitos outros sectores. Falta de visão e falta de estratégia fazem parte da possível resposta.
Nunca compreendi o porquê do corte drástico nas vagas para medicina que ocorreu em anos consecutivos não muito distantes, impondo notas completamente absurdas e conduzindo muitos jovens talentosos a realizarem a sua vocação em universidades estrangeiras ou pura e simplesmente a desistirem do caminho da medicina e a enveredarem por outras paragens tantas vezes equivocadas ou causadoras de grande frustração. Um erro que agora estamos e vamos continuar a pagar caro!
Vieram hoje a público dados importantes sobre a “fuga” de jovens para o estrangeiro para aí tirarem a licenciatura dos seus sonhos, sabe-se lá com que dificuldades e sacrifícios familiares e pessoais.
De acordo com a notícia de hoje do Público, 6% dos médicos que se registam na Ordem dos Médicos obtem o diploma no estrangeiro. Por exemplo, na Republica Checa existem 460 alunos portugueses a estudar medicina. Este país tem investido muitíssimo na oferta de ensino superior e especializado em diversos campos disciplinares a países estrangeiros. Uma estratégia que tem vindo a colher os seus frutos. Portugal figura já no seu portfólio!
A crise de falta de médicos está instalada e a expectativa é que se prolongue até 2015. Segundo a notícia, a Ministra da Saúde quer que os alunos portugueses que estão a tirar medicina no estrangeiro regressem a Portugal. Uma preocupação que lhe fica muito bem, mas que não se resolve só porque há uma vontade política para que retornem ao País. E já agora, estará o Estado interessado em pagar os custos em que incorreram as famílias para que os seus filhos prosseguissem no estrangeiro estudos aos quais o País “fechou a porta”?
Para tal há que resolver vários problemas graves do SNS. Será que o SNS tem objectivamente condições atractivas para os médicos aí exercerem a medicina? Este é um problema estruturante que não sendo resolvido, conduzirá ao acentuar da “fuga” de médicos para o sector privado e não atrairá os jovens médicos licenciados no estrangeiro. Assiste-se, aliás, a um défice de médicos por essa Europa fora e, portanto, a procura de jovens médicos é grande. Se não queremos agravar ainda mais os problemas que já temos, que alguns deles bem poderiam ter sido evitados, então tomemos as medidas certas e não nos fiquemos por processos de intenções!

5 comentários:

Rui Fonseca disse...

"tomemos as medidas certas e não nos fiquemos por processos de intenções!"

Muito bem!

Quais?

Bartolomeu disse...

Cara Margarida,
Corroboro a sua opinião relativamente à questão de não bastar a vontade da Srª Ministra para os alunos portugueses que estão a tirar medicina no estrangeiro, retornem ao País.
Para lhe ser franco, nem concordo que seja essa a solução para o problema imediato da falta de médicos nos serviços de saúde públicos.
Este, em meu entender, está directamente relacionado com a falta de respeito a que o estado como patrão e gestor tem votado a classe médica e restantes profissionais de saúde.
A preferência pelos serviços privados é notória na classe e a mesma só se contraria reestruturando, actualizando e agilizando os serviços de saúde e a forma como são geridos.
A menos que o empenho do estado seja de criar acordos com entidades privadas para aqueles com menores dificuldades económicas e manter os serviços públicos para os mais desfavorecidos, sobrecarregando os médicos "tarimbados" que por amor à arte,ainda vão dando o "corpo ao manifesto" e para onde são canalizados os médicos recem-formados, onde todos os erros lhe serão permitidos, servindo-lhe os doentes, pobres de cobaias.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro Rui Fonseca
Quais? Não sendo especialista em saúde, o que noto é uma grande desorientação nas políticas. Não vejo que seja possível mantermos um sistema viável em permanente instabilidade, fruto da falta de opções claras sobre o que deve ser o SNS e como deve funcionar. Esta indefinição afecta negativamente a actividade de planeamento que é imprescindível. A prestação de serviços de saúde não se compadece com decisões pontuais para resolver aqui e ali os múltiplos problemas que não param de crescer.
Concordo com o nosso Caro Bartolomeu quando menciona que a falta de médicos não se resolve com o regresso dos alunos portugueses que estão a frequentar cursos de medicina no estrangeiro. Mais importante é garantir condições para que seja atractivo exercer a medicina nos serviços públicos, se a opção é que o SNS seja prestado por entidades públicas. Tenho dúvidas que deva ser assim. Faz algum sentido que um cidadão não tenha médico de família? E que esta falha não possa ser resolvida com a afectação a um médico do sector privado custeado pelo SNS?
Não vejo razão para que o serviço público de saúde não possa ser prestado pelo sector privado, devidamente contratualizado, regulado e fiscalizado, acessível a todos os cidadãos, não sendo necessário ser rico para fazer, por exemplo, atempadamente, uma cirurgia oncológica num hospital privado custeado pelo SNS em vez de "morrer" numa "fila de espera"!
Admito que tenhamos que recrutar médicos no estrangeiro. Mas essa via deve ser assumida com objectivos bem estabelecidos, assegurando que o SNS tem condições atractivas para conferir estabilidade à permanência de médicos.

antoniodasiscas disse...

Cara Margarida
Um dos problemas mais graves neste momento, de uns pais que se prezam, consiste em prestar um aconselhamento directo ou indirecto, através do recurso a terceiros, aos filhos, quando estes têm de optar por uma carreira profissional, isto no quadro de alcançarem um futuro emprego, fugindo à legião de desempregados com cursos superiores. Compatibilizar as necessidades do mercado de emprego com o gosto, passe a expressão, profissional, não é matéria fácil, antes pelo contrário, consiste num acto de coragem e nem todos estão preparados para correr riscos deste tipo. Vem isto a propósito da ministra da saúde queixar-se amargamente da carência existente de médicos no quadro do SNS e de empresários que sentem dificuldades em recrutar profissionais válidos de informática, ao nível do ensino superior. Entretanto, a legião de desempregados com outros cursos superiores, não para de aumentar e tudo se desenrola com a apatia inconcebível do ministro responsável da área em causa que, aí sim, tanto se preocupou com a "licenciatura" do chefe. Tenho para mim e estive a acompanhar profissionalmente este drama, que é verdadeiramente imperativo o encontro de uma solução que sente à mesa, o ministro do trabalho, o do ensino superior, os reitores das universidades e dos politécnicos que têm direito a esse nome - estou a excluir os estabelecimentos cujo mérito é ganhar dinheiro sem contrapartida, mas que infelizmente estão credenciados para tal - e representantes da indústria e dos serviços, não esquecendo a agricultura. Só da convergência da boa fé destes parceiros, dinamizados pelas preocupações dos sectores que representam, poderá conduzir ao encontro de soluções que articulem harmoniozamente as diferentes variáveis em presença. E isto, para fornecimento de uma informação cabal e séria a nível nacional. Demoraria é certo, mas talvez valesse a pena.

Margarida Corrêa de Aguiar disse...

Caro antoniodasiscas
Concordo com as suas preocupações.
Teríamos muito a ganhar se existisse uma articulação assumida entre empresas - entidades empregadoras - e escolas - estabelecimentos de ensino - no sentido de em conjunto, tendo em conta a evolução das actividades económicas, se identificarem necessidades do mercado de trabalho. Esta abordagem é duplamente importante para os governos, não só na sua qualidade de "entidade patronal" mas também no seu papel de decisor de políticas em áreas que interferem com aquela preocupação, seja nas políticas do ensino, seja nas políticas do trabalho.