O DN de ontem conta que 60% dos sobreendividados portugueses têm três a dez empréstimos e que, só até Julho, já quase mil famílias pediram ajuda à Deco, mais 26,2% do que há um ano. Causa perplexidade que haja pessoas a acumular empréstimos a este ponto, uns atrás dos outros, uns para tapar os outros, sei lá, deve ser um desespero ir ao banco pedir mais e mais sabendo-se que se tem cada vez menos capacidade de saldar as dívidas. Mas o que é mais impressionante é que as principais causas do endividamento são o desemprego (53%), a doença (18%), o divórcio (15%) ou seja, não será por leviandade ou consumismo fútil que se ultrapassa o orçamento familiar mas é a alteração imprevista das circunstâncias da vida que provoca a dimensão desta sangria. Será imprudência, por não se prever esses azares, será porque se vive o dia a dia sem poupar para os períodos mais negros, será porque é difícil ou se tem vergonha de reduzir o nível de vida quando o infortúnio bate à porta?
O que parece, no entanto, é que não são as viagens a Punta Cana ou a compra de automóvel de maior cilindrada que leva as famílias ao garrote, pelo menos a generalidade, mas a necessidade de sobreviver quando a vida dá uma volta má. A publicidade para incentivar o recurso aos empréstimos é tão intensa que deve ser uma tortura, para quem necessita, resistir, parece tudo tão fácil! Venha cá, nós ajudamos, de que é que está à espera? Os bancos chamam, as pessoas vão, no fim enredam-se num emaranhado que as sufoca.
Mas o mais grave é que os bancos devem saber que ainda falta cativar os mais fracos, os que são mesmo fúteis, que não precisam de dinheiro para viver normalmente mas que cobiçam bens que não caberiam nunca no seu orçamento e, esgotado o filão dos aflitos, assestam baterias aos que ainda vivem descansados. Apesar de todos os avisos sobre o alarmante nível de endividamento das famílias portugueses, a publicidade é impiedosa e tão agressiva que se torna repugnante. Já não é para se aproveitar do estado de necessidade, mas para criar essa miséria onde ela ainda não se estabeleceu. Veja-se os anúncios da Caixa Geral de Depósitos, instituição pública, nobre e respeitável, e que devia, se não ser uma referência, ao menos não dar o mau exemplo. A campanha que corre há uns dias incita ao crédito para se comprar…uma moto de água! “Já decidi, realizei o meu sonho, sem pagar nada!” Lá para Outubro, depois de umas corridas no mar com a bela máquina, logo se pensa nesse detalhe. Venha, está à espera de quê, para quê privar-se desse gosto inocente?
Ouço e ocorre-me um filme de desenhos animados que via quando era pequena, um rapaz muito pobre que chegava à porta de um belo castelo, tinha medo de entrar, assustava-o aquela imponência, mas a porta abria-se como uma boca a rir, as janelas piscavam como olhos amigáveis e brincalhões e as torres tranformavam-se em braços que acenavam para o acolher. Mal ele entrava, da porta do castelo saía uma língua medonha, que se lambia como se o tivesse tragado. Lá dentro, um gigante terrível que ele tinha que vencer para ficar com a pata dos ovos de oiro.
O sobreendividamento é uma versão para adultos da história do Feijoeiro Mágico, nem sempre tem um fim feliz.
O que parece, no entanto, é que não são as viagens a Punta Cana ou a compra de automóvel de maior cilindrada que leva as famílias ao garrote, pelo menos a generalidade, mas a necessidade de sobreviver quando a vida dá uma volta má. A publicidade para incentivar o recurso aos empréstimos é tão intensa que deve ser uma tortura, para quem necessita, resistir, parece tudo tão fácil! Venha cá, nós ajudamos, de que é que está à espera? Os bancos chamam, as pessoas vão, no fim enredam-se num emaranhado que as sufoca.
Mas o mais grave é que os bancos devem saber que ainda falta cativar os mais fracos, os que são mesmo fúteis, que não precisam de dinheiro para viver normalmente mas que cobiçam bens que não caberiam nunca no seu orçamento e, esgotado o filão dos aflitos, assestam baterias aos que ainda vivem descansados. Apesar de todos os avisos sobre o alarmante nível de endividamento das famílias portugueses, a publicidade é impiedosa e tão agressiva que se torna repugnante. Já não é para se aproveitar do estado de necessidade, mas para criar essa miséria onde ela ainda não se estabeleceu. Veja-se os anúncios da Caixa Geral de Depósitos, instituição pública, nobre e respeitável, e que devia, se não ser uma referência, ao menos não dar o mau exemplo. A campanha que corre há uns dias incita ao crédito para se comprar…uma moto de água! “Já decidi, realizei o meu sonho, sem pagar nada!” Lá para Outubro, depois de umas corridas no mar com a bela máquina, logo se pensa nesse detalhe. Venha, está à espera de quê, para quê privar-se desse gosto inocente?
Ouço e ocorre-me um filme de desenhos animados que via quando era pequena, um rapaz muito pobre que chegava à porta de um belo castelo, tinha medo de entrar, assustava-o aquela imponência, mas a porta abria-se como uma boca a rir, as janelas piscavam como olhos amigáveis e brincalhões e as torres tranformavam-se em braços que acenavam para o acolher. Mal ele entrava, da porta do castelo saía uma língua medonha, que se lambia como se o tivesse tragado. Lá dentro, um gigante terrível que ele tinha que vencer para ficar com a pata dos ovos de oiro.
O sobreendividamento é uma versão para adultos da história do Feijoeiro Mágico, nem sempre tem um fim feliz.
8 comentários:
Também a mim impressiona a agressividade da publicidade dos bancos. A promessa de facilidades é a sugestão mais fácil para os espíritos mais fracos e uma forma de explorar as tendências dos mais incautos ou impreparados.
O que não deixa de causar perplexidade é que esta agressividade não abranda mesmo quando, como hoje, nunca foram tão elevados os níveis de incumprimento dos reembolsos.
Supunhamos, cara Drª. Suzana, que alguem se lembrava de nacionalizar a banca... um louco, chamesmo-lhe assim, um lunático capaz de convencer o país de que, a banca privada é o maior mal deste mundo.
Mas, suponhamos ainda que o mesmo louco, embalado pelo sucesso da nacionalização, decide tambem que toda a imprensa deve estar subordinada a gestão do estado e, não se querendo ficar por aí, decide ainda controlar as agências de publicidade.
Será que num contexto assim, continuaria a exitir o endividamento excessivo?
Bartolomeu, recomendo-lhe que veja um excelente documentário sobre o dinheiro, intitulado Money As Debt. Faz-nos pensar duas vezes antes de entrar num banco...
A próxima bolha nos EUA, que já está em formação, é a dos cartões de crédito. Para manter os níveis de vida a que se habituaram nas últimas décadas, o americano médio empenhou a casa e agora esgota o cartão de crédito. E quando esta estoirar, o futuro vai-se tornar muito negro para todos...
Conceitos muito a ter em conta, caro "rx". Contudo, entre aquilo que é a teoria e a prática, preenche-se um espaço de retórica e, esta a meu ver é que está a provocar a desorientação na cabeça de muita gente.
Afinal aquilo que está na origem do problema irresolúvel da insolvência é nem mais nem menos que a formula rectórica que foi refinando ao mesmo tempo que foi produzindo efeito, culminando no exemplo da CGD que a cara Suzana deixa referido.
Faz de conta que eu possuo uma vaca que produz 20 litros de leite por dia. Com esse leite, consigo produzir 5 queijos que vendo. Os meus clientes gostam tanto dos queijos que passam a encomendar-me todos os dias mais um queijo. Então, passo a reforçar a ração com que alimento a vaca e ela passa a produzir 30 litros de leite por dia e eu passo a fabricar 7 queijos. Entretanto as encomendas continuam a aumentar, mas a desgraçada da vaca está esgotada e não produz nem mais uma pinguinha de leite. Entretanto as coisas pioraram, pois a vaca, devido ao esgotamento, acabou por adoecer e aí a produção do leite acabou-se, e com ela, as encomendas dos queijos. Foi nessa altura que eu, atordoado pela derrocada da estructura montada, me indigno e atribuo as culpas todas à vaca.
Primeira coisa a fazer quando se está num buraco: deixar de cavar o buraco. Parece-me que há muita gente a cavar um buraco cada vez maior, e que não faz ideia de como sair dele.
Posto isto, o recurso ao crédito deve ser usado com extrema parcimónia e bom senso, conceitos cada vez mais estranhos à grande maioria da sociedade, que glorifica o consumismo e o hedonismo, diria eu, selvagem (porque não sustentado nem assente em poupança).
Cara Dra. Suzana Toscano:
Parece inverosímil, mas observo que quanto maior é o número de famílias insolúveis, (financeiramente), mais forte e agressivo é o apelo ao consumo. É um vale tudo, tanto para o potencial consumidor, que não resiste, como para o sector financeiro, que não desarma de obter lucros de milhões, numa sociedade de cidadãos já depauperados. Chegou-se ao ponto de, esgotado o segmento dos que tinham “pulmão” para contrair dívidas, baixa-se o patamar, à caça daqueles que já mal respiram… São empréstimos de baixo valor, para as financeiras, é certo, mas pagos com língua de palmo para quem os contrai. É uma bola de neve, não para as financeiras que têm o risco calculado, mas para os cidadãos, em geral.
É o dilema actual das sociedades de consumo cuja culpa, talvez possa ser assacada a Henry Ford…
Cara Dra. Suzana Toscano, relacionar esta bonita fábula conhecida desde a nossa infância a esta problemática actual é, no mínimo, uma ideia brilhante. Os meus singelos parabéns. É que na verdade a magia, é bem diferente da realidade.
Fiquem bem com esta canção excepcional: If I were a rich man
http://www.youtube.com/watch?v=RBHZFYpQ6nc&feature=related
caro ferreira d'almeida, de facto parece uma contradição mas o facto é que o número de incumpridores deve ser largamente compensado pelos juros dos que pagam, ainda que falhem de vez em quando.
Caro Bartolomeu, não se trata de proibir ou de controlar o tipo de publicidade, n~so sou nada adepta de que o Estado deva tomar conta dos cidadãos como se fossem débeis mentais. O que eu critico, e muito, é o tom predador e desumano com que se explora comercialmente as fraquezas das pessoas, fazendo ouvidos de mercador aos alarmes sociais que tem soado. Pobres dos que não resistem aos cantos das sereias e acabam emaranhados nas suas teias.
Caro rx, se abunda o dinheiro para emprestar, já o bom senso e a parcimónia são valores escassos...
Caro jotac, sempre amáveis os seus comentários!
Cara Drª Suzana
Esses que não resistem aos encantos do canto, apesar de não serem débeis mentais, são contudo vítimas. Vítimas de uma conjuntura que os conduz ao desejo, à dependência de consumir e da qual não encontram forma de fugir.
Contribui e muito para que este estado de coisas se agrave, o tom desumano e predador que refere e que é mantido apesar de denunciado e debatido publicamente, através dos mesmos orgãos que difundem a publicidade enganosa.
Sei que este assunto não lhe é grato, mas comparativamente, seria como se o Professor Fernando Pádua alertasse públicamente sobre os malefícios do tabaco e dois minutos depois o víssemos anunciar uma marca de cigarros.
De todo o modo, so vejo uma forma de proteger os cidadãos incapazes de resistir ao apelo ao crédito, se não proibindo, pelo menos aconselhando. Agora, de uma coisa não tenho dúvidas, existe um problema social grave, que pode muito naturalmente ter como consequência o aumento da criminalidade
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