Desde os primórdios que o Homem teme as pragas. E com razão! De cada vez que surge uma, a impotência domina-o, libertando as emoções mais primitivas. De um modo geral, as pestes acompanham-se de uma estranha coloração.
A peste "negra" foi profundamente mortífera, provocando modificações demográficas, económicas, artísticas e culturais. Os corpos enegrecidos, devidos aos bubões, foram acompanhados de radicais e inesperados comportamentos morais e sociais. O Decameron de Boccaccio dá uma interessante ideia do sucedido. Mais tarde, outra peste, a "branca", dizimou populações, e continua a fazer das suas, liquidando os pobres pulmões de gente, sobretudo, pobre. Também aqui a miséria acabou por associar-se a obras geniais que vão da pintura à música, passando pela literatura, como se a morte anunciada apelasse à criatividade. Também a peste "azul" fez estragos, provocando a morte, a fuga e a ansiedade nas populações, não poupando nenhuma classe. A morte era quase sempre inevitável, sobrevindo, por vezes, em poucas horas, através de diarreias caudalosas. Estas são algumas de muitas epidemias reais, e “coloridas”, a que devemos agregar as pestes imaginárias, como a "Peste Escarlate", obra de Jack London, do início do século XX, que, num exercício imaginário, descreve o fim de quase todos os seres humanos, à excepção de alguns sobreviventes, representantes do melhor e do pior que caracteriza o Homem, prevendo que o ressurgimento da nova Humanidade não será muito diferente da que esteve preste a extinguir-se.
As pestes podem ser “negras”, “brancas”, “azuis” ou “escarlates”, mas também podem ser incolores. A falta da verdade é uma constante que atinge todos os sectores. Vejam-se os acontecimentos que afligem o nosso país para termos uma ideia de quão perigosa é esta peste. Pode não matar, mas causa ansiedade e inquietação permanente, enegrecendo e destruindo as almas.
Ao deparar-me com uma capela lateral da Catedral de Salamanca, chamou-me a atenção a designação da mesma: Nossa Senhora da Verdade! Nem mais! Da “Verdade”? Nunca tinha ouvido nada semelhante. De imediato, recordei-me de uma velha senhora, hoje velhíssima, que gostava de fazer promessas a tudo o que era santo. Óptima cozinheira - diga-se em abono da verdade -, tinha um espírito meio calhandreiro, rematando as suas intriguitas com a seguinte frase: - Minha senhora! Garanto-lhe que o que estou a dizer é a "realidade da verdade"! Realidade da verdade!
Fiquei integrado sobre o porquê da designação Nossa Senhora da Verdade que, em tempos, seria um bom motivo para mais uma promessa da velha cozinheira.
Curiosamente, no dia seguinte, a leitura de um jornal, permitiu-me conhecer a lenda da Nossa Senhora da Verdade.
Trata-se de uma imagem de Nossa Senhora com o Menino ao colo do século XIV. Mas foi no século XVII que se deu o milagre. Um cristão, aflito, pediu dinheiro emprestado a um judeu. Acordaram o prazo, a quantia e os respectivos juros. Na data aprazada o cristão cumpriu com os seus deveres. No entanto, o judeu viu uma excelente oportunidade para aumentar o lucro, fazendo queixa ao juiz de que o cristão não lhe tinha pago a dívida. Este, aterrorizado, apelou ajuda à Nossa Senhora, dizendo-lhe que a ia apresentar como sua testemunha. No dia do julgamento, o juiz, mais o escrivão e restante séquito, após questioná-lo se tinha alguma testemunha, dirigiram-se à Catedral e, de forma solene, perguntou à Nossa Senhora se era verdade que o cristão tinha pago a dívida ao judeu. Foi então que os presentes viram a Nossa Senhora a inclinar a cabeça afirmativamente, sempre que lhe era feita a pergunta, a que o escrivão se apressou a colocar em acta. Na parede existe um quadro dando fé do que se passou.
Uma lenda? Claro!
As lendas nascem quando a razão não consegue ir mais além. As lendas povoam o nosso imaginário. Sem elas ficamos amputados. Os tempos que vivemos não respeitam a verdade mas também não são capazes de originar lendas. E sem as lendas muitas pestes surgirão, incolores, invisíveis, mas nem por isso menos "mortíferas"...
A peste "negra" foi profundamente mortífera, provocando modificações demográficas, económicas, artísticas e culturais. Os corpos enegrecidos, devidos aos bubões, foram acompanhados de radicais e inesperados comportamentos morais e sociais. O Decameron de Boccaccio dá uma interessante ideia do sucedido. Mais tarde, outra peste, a "branca", dizimou populações, e continua a fazer das suas, liquidando os pobres pulmões de gente, sobretudo, pobre. Também aqui a miséria acabou por associar-se a obras geniais que vão da pintura à música, passando pela literatura, como se a morte anunciada apelasse à criatividade. Também a peste "azul" fez estragos, provocando a morte, a fuga e a ansiedade nas populações, não poupando nenhuma classe. A morte era quase sempre inevitável, sobrevindo, por vezes, em poucas horas, através de diarreias caudalosas. Estas são algumas de muitas epidemias reais, e “coloridas”, a que devemos agregar as pestes imaginárias, como a "Peste Escarlate", obra de Jack London, do início do século XX, que, num exercício imaginário, descreve o fim de quase todos os seres humanos, à excepção de alguns sobreviventes, representantes do melhor e do pior que caracteriza o Homem, prevendo que o ressurgimento da nova Humanidade não será muito diferente da que esteve preste a extinguir-se.
As pestes podem ser “negras”, “brancas”, “azuis” ou “escarlates”, mas também podem ser incolores. A falta da verdade é uma constante que atinge todos os sectores. Vejam-se os acontecimentos que afligem o nosso país para termos uma ideia de quão perigosa é esta peste. Pode não matar, mas causa ansiedade e inquietação permanente, enegrecendo e destruindo as almas.
Ao deparar-me com uma capela lateral da Catedral de Salamanca, chamou-me a atenção a designação da mesma: Nossa Senhora da Verdade! Nem mais! Da “Verdade”? Nunca tinha ouvido nada semelhante. De imediato, recordei-me de uma velha senhora, hoje velhíssima, que gostava de fazer promessas a tudo o que era santo. Óptima cozinheira - diga-se em abono da verdade -, tinha um espírito meio calhandreiro, rematando as suas intriguitas com a seguinte frase: - Minha senhora! Garanto-lhe que o que estou a dizer é a "realidade da verdade"! Realidade da verdade!
Fiquei integrado sobre o porquê da designação Nossa Senhora da Verdade que, em tempos, seria um bom motivo para mais uma promessa da velha cozinheira.
Curiosamente, no dia seguinte, a leitura de um jornal, permitiu-me conhecer a lenda da Nossa Senhora da Verdade.
Trata-se de uma imagem de Nossa Senhora com o Menino ao colo do século XIV. Mas foi no século XVII que se deu o milagre. Um cristão, aflito, pediu dinheiro emprestado a um judeu. Acordaram o prazo, a quantia e os respectivos juros. Na data aprazada o cristão cumpriu com os seus deveres. No entanto, o judeu viu uma excelente oportunidade para aumentar o lucro, fazendo queixa ao juiz de que o cristão não lhe tinha pago a dívida. Este, aterrorizado, apelou ajuda à Nossa Senhora, dizendo-lhe que a ia apresentar como sua testemunha. No dia do julgamento, o juiz, mais o escrivão e restante séquito, após questioná-lo se tinha alguma testemunha, dirigiram-se à Catedral e, de forma solene, perguntou à Nossa Senhora se era verdade que o cristão tinha pago a dívida ao judeu. Foi então que os presentes viram a Nossa Senhora a inclinar a cabeça afirmativamente, sempre que lhe era feita a pergunta, a que o escrivão se apressou a colocar em acta. Na parede existe um quadro dando fé do que se passou.
Uma lenda? Claro!
As lendas nascem quando a razão não consegue ir mais além. As lendas povoam o nosso imaginário. Sem elas ficamos amputados. Os tempos que vivemos não respeitam a verdade mas também não são capazes de originar lendas. E sem as lendas muitas pestes surgirão, incolores, invisíveis, mas nem por isso menos "mortíferas"...
4 comentários:
Aqui há tempos alguém falou aqui na capela da Nossa Senhora da Dúvida, não sei se foi o Massano Cardoso ou o Ferreira d'Almeida, mas a Nossa Senhora da Verdade, se é para tirar teimas, deve ter mesmo muita procura, sempre era um alívio para os Tribunais se os seus acenos ainda fizessem fé em juízo!
Quanto ás Pestes,estive ontem a reler um livro muito interessante "The First Global Village, How Portugal Changed the World", de Martin Page, que conta que a peste Negra, no séc. XIV (1347-1350) matou cerca de 1/3 da população em Portugal. Isso deu origem a que muitos sobreviventes recebessem grandes heranças num curto espaço de tempo, tornando-se novos ricos, com gostos extravagantes e uma grande apetência pelo consumo dos produtos que chegavam de Inglaterra, Flandres e Génova, o que levou a abertura de muito novo comércio em Lisboa. Além disso, com a escassez de mão de obra, os camponeses começaram a exigir melhores salários e, se não o conseguiam, vinham trabalhar para os portos, onde a actividade era intensa. Diz o autor (pag. 26) que o Rei D. Fernando foi acusado de fixar os preços a que o trigo podia ser comprado pela família real, para depois o revender 2 000 vezes mais caro… Privilégios reais!
Decorrem até ao próximo dia 18 os festejos em Arruda dos Vinhos, em Honra de Nossa Senhora da Salvação.
Conta-se que a corte de El-Rei D. Manuel I se refugiou naquela villa, para se proteger da peste negra que grassava no país, com especial incidência na cidade de Lisboa.
El Rei safou-se, juntamente com a corte que o acompanhava (estava salva a monarquia). Em sinal de reconhecido agradecimento, D. Manuel I decretou que para sempre se assinalasse a graça divina, com uma procissão que decorre a dia 15 de Agosto, todos os anos.
Dizem os entendidos que o facto de a peste não chegar àquela vila, se deveu à profusão da existência de erva arruda que possui propriedades desinfectantes.
Mas não foi somente em Salamanca caro Professor, em Barcelos tambem aconteceu que um galo já assado, ressuscitou à meia noite, para salvar da forca um certo galego suspeito de assassinato, mas que o galarucho veio a confirmar inocente. Evidentemente devido à intercepção divina da Virgem e de S. Tiago de Compostela, em busca do cual o peregrino peregrinava.
É como afirma caro Professor, se não houver lendas, estamos "feitos-ao-bife" e seremos pasto das pestes... ou... pestes no pasto.
PS:
cual?!
... ok, seja!!!
Chegados ao ponto que chegámos, já se acredita em tudo... até que a justiça solte um tipo evedido, que se lhe apresenta com identificação falsa e mantenha (preso) com termo de residência o bófia que tinha falhado as aulas de tiro-ao-pneu...
Muito bonita esta lenda da capela lateral da Catedral de Salamanca! Que jeito nos dava uma “Nossa Senhora da Verdade” que nos contasse a verdade das mentiras de alguns políticos...
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