Afirmar que a fruta é um produto indispensável e que faz bem à saúde é um lugar comum que dispensa mais comentários. A variedade é imensa e, de um modo geral, partilham de características idênticas ainda que em concentrações diferentes.
Presumo que qualquer um terá a sua fruta preferida. É natural. A minha é a maçã. Desde que me conheço que adoro maçãs. Além das suas qualidades sápidas, há outras que me levaram a preferi-la. Rija, fácil de transportar, resistente ao choque e brincadeiras de crianças, não largava sumo, não se desfazia nos bolsitos, ao contrário do pêssego, da pêra, da ameixa, não ficava traumatizada com “hematomas”, como as bananas, e não deixava cheiro nos dedos, como as laranjas. Gostava, igualmente, das formas, dos diferentes tamanhos, das cores, das texturas, dos sabores e, sobretudo, de dar dentadas e comer a casca. Em contrapartida, detestava o ritual civilizacional, que me era imposto às refeições, de descascá-las ou cortá-las com faço e garfo. Para um miúdo, ansioso por se libertar do altar da mesa, o momento da sobremesa era um martírio, porque manejar a faca e o garfo para a cortar em pedaços exigia uma destreza própria de um cirurgião. Um tormento, um esforço “hercúleo”, demorava tempos infinitos, estragava mais do que comia e a gula em a saborear ficava sempre insatisfeita e tinha que a matar aos bochechos, o que não me satisfazia mesmo nada. Habitualmente, pedia licença para me ausentar antes desse momento, mas perguntavam logo: - E a fruta? A maçã? Respondia que não fazia mal, levava-a no bolso e depois comia-a. Fazia este espectáculo, para evitar aquele ritual e, sobretudo, para ter o prazer de a comer à dentada, o que fazia de imediato, às escondidas, logo que me ausentava. Um alivio! Um prazer!
Claro que naquela altura, comer uma maçã à dentada era fácil, o pior veio mais tarde, quando os dentes começaram a mostrar fragilidades.
Recordo-me que há poucos anos, na véspera de uma conferência que ia realizar em Lisboa, sobre “Colesterol e Doenças Cardiovasculares”, fiquei num simpático hotel, daqueles que têm o hábito de ofertar um cestinho de fruta. Como cheguei um pouco tarde e o jantar já tinha sido esmoído, ao entrar no quarto, ressaltou, com uma beleza digno de registo, um cesto contendo belas peças de fruta, entre as quais se destacavam duas sedutoras maçãs. Lindas, redondas, avermelhadas, brilhando com um encanto especial do género: dá-me uma dentada! Pensei logo que só uma maçã poderia ter o efeito que teve na Eva. Nem o pêssego, nem a banana, nem a laranja, nem a pêra, nem o kiwi, nem a ameixa poderia seduzir quem quer que fosse. De facto, só a maçã! Vai daí e retirei a primeira, esfreguei-a como se estivesse a retirar um pó imaginário e dei-lhe uma valente dentada. Foi então que um dos incisivos claudicou, ficando reduzido a metade. Irra! Parti o dente! Estou tramado! Amanhã vou fazer uma conferência sobre o “Colesterol e as Doenças Cardiovasculares” meio desdentado. Além deste aspecto, o raio da língua, curiosa, lambia, estupidamente, o rebordo do dente fracturado, ficando dorida. Olhei para o pedaço que faltava na maçã, uma sugestiva cratera, que não teve tempo de acastanhar-se, à qual perdoei o mal que me tinha feito e embalei no seu sensual convite, agora como mais cuidado e utilizando os caninos, até chegar ao caroço. Olhei para a irmã gémea e dei-lhe o mesmo destino. Mesmo assim, confesso, soube-me bem.
No dia seguinte, lá fiz a minha conferência, explicando os vários factores de risco, a evolução das doenças, a forma de reduzir a hipercolesterolemia, sem fazer afirmações do género: “combata o colesterol à dentada”, tal como agora estamos a assistir, por parte de uma associação de produtores de maçãs!
Esta coisa de usar o “mal”, neste caso personificado pelo colesterol, como fonte de promoção de certos produtos, começa a ser uma perigosa mania, que não se restringe apenas ao consumo de maçãs, já que inclui iogurtes, manteigas com “metade de gorduras(!)”, leites modificados, sardinhas de conserva, “tintitos”, pão sem colesterol (!), alhos, beringelas e muito mais produtos. Qualquer dia, ainda aparece uma associação de frutos de pilriteiros a afirmar que os pilritos são do melhor que há para combater o colesterol, ou então os produtores de ginjas a proclamarem alto e em bom som que o melhor são as ginjas. - Com ou sem “elas”? -Com “elas” devem ser muito mais eficazes!
No caso dos pilritos e das ginjas não é necessário dar dentadas. Mas, quando tiverem que as dar, caso das maçãs, cuidado com os dentes! Vejam lá se os incisivos aguentam com as trincadelas no fruto “proibido”. Trincadelas sem dúvida saborosas, mas é preciso ter dentes! Se tiverem dúvidas, usem faca e garfo ou mesmo uma navalhita. Quanto às dentadas dos promotores comerciais não há perigo nenhum de ficarem sem os dentes, porque são postiços e sabem morder à maneira!
Quanto ao colesterol, se a “dentada” não der resultado, não fiquem preocupados, porque o prazer de comer uma maçã é superior a qualquer redução do colesterol...
Presumo que qualquer um terá a sua fruta preferida. É natural. A minha é a maçã. Desde que me conheço que adoro maçãs. Além das suas qualidades sápidas, há outras que me levaram a preferi-la. Rija, fácil de transportar, resistente ao choque e brincadeiras de crianças, não largava sumo, não se desfazia nos bolsitos, ao contrário do pêssego, da pêra, da ameixa, não ficava traumatizada com “hematomas”, como as bananas, e não deixava cheiro nos dedos, como as laranjas. Gostava, igualmente, das formas, dos diferentes tamanhos, das cores, das texturas, dos sabores e, sobretudo, de dar dentadas e comer a casca. Em contrapartida, detestava o ritual civilizacional, que me era imposto às refeições, de descascá-las ou cortá-las com faço e garfo. Para um miúdo, ansioso por se libertar do altar da mesa, o momento da sobremesa era um martírio, porque manejar a faca e o garfo para a cortar em pedaços exigia uma destreza própria de um cirurgião. Um tormento, um esforço “hercúleo”, demorava tempos infinitos, estragava mais do que comia e a gula em a saborear ficava sempre insatisfeita e tinha que a matar aos bochechos, o que não me satisfazia mesmo nada. Habitualmente, pedia licença para me ausentar antes desse momento, mas perguntavam logo: - E a fruta? A maçã? Respondia que não fazia mal, levava-a no bolso e depois comia-a. Fazia este espectáculo, para evitar aquele ritual e, sobretudo, para ter o prazer de a comer à dentada, o que fazia de imediato, às escondidas, logo que me ausentava. Um alivio! Um prazer!
Claro que naquela altura, comer uma maçã à dentada era fácil, o pior veio mais tarde, quando os dentes começaram a mostrar fragilidades.
Recordo-me que há poucos anos, na véspera de uma conferência que ia realizar em Lisboa, sobre “Colesterol e Doenças Cardiovasculares”, fiquei num simpático hotel, daqueles que têm o hábito de ofertar um cestinho de fruta. Como cheguei um pouco tarde e o jantar já tinha sido esmoído, ao entrar no quarto, ressaltou, com uma beleza digno de registo, um cesto contendo belas peças de fruta, entre as quais se destacavam duas sedutoras maçãs. Lindas, redondas, avermelhadas, brilhando com um encanto especial do género: dá-me uma dentada! Pensei logo que só uma maçã poderia ter o efeito que teve na Eva. Nem o pêssego, nem a banana, nem a laranja, nem a pêra, nem o kiwi, nem a ameixa poderia seduzir quem quer que fosse. De facto, só a maçã! Vai daí e retirei a primeira, esfreguei-a como se estivesse a retirar um pó imaginário e dei-lhe uma valente dentada. Foi então que um dos incisivos claudicou, ficando reduzido a metade. Irra! Parti o dente! Estou tramado! Amanhã vou fazer uma conferência sobre o “Colesterol e as Doenças Cardiovasculares” meio desdentado. Além deste aspecto, o raio da língua, curiosa, lambia, estupidamente, o rebordo do dente fracturado, ficando dorida. Olhei para o pedaço que faltava na maçã, uma sugestiva cratera, que não teve tempo de acastanhar-se, à qual perdoei o mal que me tinha feito e embalei no seu sensual convite, agora como mais cuidado e utilizando os caninos, até chegar ao caroço. Olhei para a irmã gémea e dei-lhe o mesmo destino. Mesmo assim, confesso, soube-me bem.
No dia seguinte, lá fiz a minha conferência, explicando os vários factores de risco, a evolução das doenças, a forma de reduzir a hipercolesterolemia, sem fazer afirmações do género: “combata o colesterol à dentada”, tal como agora estamos a assistir, por parte de uma associação de produtores de maçãs!
Esta coisa de usar o “mal”, neste caso personificado pelo colesterol, como fonte de promoção de certos produtos, começa a ser uma perigosa mania, que não se restringe apenas ao consumo de maçãs, já que inclui iogurtes, manteigas com “metade de gorduras(!)”, leites modificados, sardinhas de conserva, “tintitos”, pão sem colesterol (!), alhos, beringelas e muito mais produtos. Qualquer dia, ainda aparece uma associação de frutos de pilriteiros a afirmar que os pilritos são do melhor que há para combater o colesterol, ou então os produtores de ginjas a proclamarem alto e em bom som que o melhor são as ginjas. - Com ou sem “elas”? -Com “elas” devem ser muito mais eficazes!
No caso dos pilritos e das ginjas não é necessário dar dentadas. Mas, quando tiverem que as dar, caso das maçãs, cuidado com os dentes! Vejam lá se os incisivos aguentam com as trincadelas no fruto “proibido”. Trincadelas sem dúvida saborosas, mas é preciso ter dentes! Se tiverem dúvidas, usem faca e garfo ou mesmo uma navalhita. Quanto às dentadas dos promotores comerciais não há perigo nenhum de ficarem sem os dentes, porque são postiços e sabem morder à maneira!
Quanto ao colesterol, se a “dentada” não der resultado, não fiquem preocupados, porque o prazer de comer uma maçã é superior a qualquer redução do colesterol...
3 comentários:
(... Lindas, redondas, avermelhadas, brilhando com um encanto especial do género: dá-me uma dentada! Pensei logo que só uma maçã poderia ter o efeito que teve na Eva...)
Pois,é difícil resistir assim à fruta que eles põem nos hotéis... Já aconteceu comigo no hotel Lisboa em Macau, também não consegui resistir a um belo par de maçãs amareladas...e zás! Dentada na fruta... Foi de tal ordem que os malares (os grandalhões), ainda hoje choram por mais...
:))
Excelente texto, aliás como todos os que escreve...
Caro Professor Massano Cardoso
Se a maçã falasse não tinha como confessar a sua vaidade perante tão rasgados elogios!
Nos tempos de estudante tinha a mania de comer uma maçã no final das refeições mesmo que a sobremesa não fosse uma maçã. É que os meus Pais sempre me diziam que uma maçã depois de uma refeição tinha as mesmas qualidades de um dentífrico. Juntava o útil ao agradável. Era uma limpeza…
Os seus pais tinham razão.
Uma boa maneira de prevenir a cárie, melhor do que reduzir o colesterol, sobretudo quando põem os maxilares a chorar por mais...
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