Poucas foram as vezes que assisti a um enterro, ou seja, ao acto de depor um corpo na terra e depois cobri-lo pela terra. Este conceito foi-me incompreensível durante bastante tempo e, apesar de actualmente a minha opinião se ter alterado porque passei a encontrar no mesmo algo de entendível, continuo a considerar o acto nada dignificante quer para quem morreu, como para quem tem a incumbência familiar e social de o enterrar. Já referi num comentário neste blog, que o lançamento do corpo ao mar é a minha forma por excelência de entregar o corpo à procedência. Não é o facto da morte ou do ritual do enterro que me desagradam, mas sim presenciar o sofrimento de familiares e amigos que sentem profundamente o desaparecimento daquele ser. Do mesmo modo, caro Professor, entendo que lhe seja duplamente penoso a perca de um amigo, de alguem conhecido e ainda de um doente. Um médico é um soldado que enfrenta e combate a morte e que, mesmo sabendo que ela um dia será a vencedora, não desanima na batalha, não fenece nos seus propósitos, ideais, motivações, mesmo sabendo que o invisível inimigo que combate é mais poderoso, caprichoso e sub-reptício. Sobretudo se o médico for professor, ou seja, se o médico for o oficial que forma novos soldados, lhes ensina os "truques" e as metodologias que lhe permitirão obter mais vitórias sobre esse inimigo que passará a ser-lhes comum. Contudo, o médico sabe que não poderá nunca derrotar e destruir tal inimigo, nem as "leis" nunca lho permitiriam. Afinal, que seria o mundo sem morte!? Um horror, imagino. ;)
É terrível o sentimento de solidão quando se tem um desgosto e se está entre quem não o sente, é essa sensação de absurdo "então continua tudo na mesma, para eles nada mudou?" No entanto, é isso mesmo que nos permite ir ultrapassando o desgosto, é essa turbilhão da vida à nossa volta, essa vida de que somos parte enquanto os mortos atravessaram a fronteira que não nos deixa alcançá-los.Um morto é um mundo que se fecha também para nós, que participámos daquela vida e que foi também parte da nossa. Creio que a incineração é uma prática mais "digna" para usar a expressão do caro bartolomeu, pelo menos abrevia a exposição da dor, mas alguém me disse há pouco tempo que ficava um enorme vazio, a sensação de irremediável é mais brusca e além disso não fica "nada" a que se ir prestar homenagem.Por isso gostei dessa imagem do azul cobalto, é bem mais bonita que a que sobra de um enterro...Lamento muito que tenha perdido um amigo, e espero que em breve consiga aquela sua "mágica" de o fazer viver através das suas recordações.
2 comentários:
Poucas foram as vezes que assisti a um enterro, ou seja, ao acto de depor um corpo na terra e depois cobri-lo pela terra. Este conceito foi-me incompreensível durante bastante tempo e, apesar de actualmente a minha opinião se ter alterado porque passei a encontrar no mesmo algo de entendível, continuo a considerar o acto nada dignificante quer para quem morreu, como para quem tem a incumbência familiar e social de o enterrar. Já referi num comentário neste blog, que o lançamento do corpo ao mar é a minha forma por excelência de entregar o corpo à procedência. Não é o facto da morte ou do ritual do enterro que me desagradam, mas sim presenciar o sofrimento de familiares e amigos que sentem profundamente o desaparecimento daquele ser.
Do mesmo modo, caro Professor, entendo que lhe seja duplamente penoso a perca de um amigo, de alguem conhecido e ainda de um doente. Um médico é um soldado que enfrenta e combate a morte e que, mesmo sabendo que ela um dia será a vencedora, não desanima na batalha, não fenece nos seus propósitos, ideais, motivações, mesmo sabendo que o invisível inimigo que combate é mais poderoso, caprichoso e sub-reptício. Sobretudo se o médico for professor, ou seja, se o médico for o oficial que forma novos soldados, lhes ensina os "truques" e as metodologias que lhe permitirão obter mais vitórias sobre esse inimigo que passará a ser-lhes comum.
Contudo, o médico sabe que não poderá nunca derrotar e destruir tal inimigo, nem as "leis" nunca lho permitiriam. Afinal, que seria o mundo sem morte!?
Um horror, imagino.
;)
É terrível o sentimento de solidão quando se tem um desgosto e se está entre quem não o sente, é essa sensação de absurdo "então continua tudo na mesma, para eles nada mudou?" No entanto, é isso mesmo que nos permite ir ultrapassando o desgosto, é essa turbilhão da vida à nossa volta, essa vida de que somos parte enquanto os mortos atravessaram a fronteira que não nos deixa alcançá-los.Um morto é um mundo que se fecha também para nós, que participámos daquela vida e que foi também parte da nossa. Creio que a incineração é uma prática mais "digna" para usar a expressão do caro bartolomeu, pelo menos abrevia a exposição da dor, mas alguém me disse há pouco tempo que ficava um enorme vazio, a sensação de irremediável é mais brusca e além disso não fica "nada" a que se ir prestar homenagem.Por isso gostei dessa imagem do azul cobalto, é bem mais bonita que a que sobra de um enterro...Lamento muito que tenha perdido um amigo, e espero que em breve consiga aquela sua "mágica" de o fazer viver através das suas recordações.
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