Foi capturado um homem que andava foragido à polícia há dezasseis anos, depois de ter sido condenado a dez anos de cadeia pela morte de uma vizinha, segundo relata o Público de hoje. O que é extraordinária não é a persistência da polícia em perseguir o homem, - que fugiu da prisão depois de cumpridos dois anos e meio - uma vez que, ao que parece, ao longo destes anos fez buscas sistemáticas no encalço do foragido. O que é uma história digna de relato é que o homem era um pobre pastor que sempre viveu nos montes, no norte do País, e por ali ficou, vivendo em cavernas, isolado de tudo e de todos, apenas com um transístor a pilhas e um cão fiel, alimentando-se do que conseguia apanhar ou do que vizinhos antigos e família lhe iam deixar à socapa, como se fosse um animal bravio. Ao longo de dezasseis anos, muitos mais do que a pena a que estava condenado, viveu no terror de ser apanhado, rodeando-se de mil e uma cautelas para não deixar rasto e contando sempre com a cumplicidade do povo, que considerou que a pena era injusta porque a morte tinha sido acidental. No julgamento dos que o conheciam, era um bom homem, e por isso se uniram para o encobrir na estranha forma de liberdade que lhe restava. Nem por isso lhe evitaram a pena maior, a de viver um ostracismo desumano, mesmo na Grécia Antiga o limite para o exílio social era de 10 anos, sem que o banido se pudesse aproximar da cidade ou ser reconhecido como cidadão. Este pastor, que deu cabo da vida numa zaragata por causa de um rebanho, preferiu a sua liberdade fora do mundo, no meio de montes e vales que já eram o seu território, mas nem assim o longo braço da justiça o esqueceu no seu isolamento. Apanhou-o, depois de mais uma perseguição que deve dar um bom filme, doze agentes a escalar escarpas e galgar mato, armados até aos dentes, para sair vitoriosos da”Operação Cro-Magnon”.
A aldeia reagiu com hostilidade mas reconheceu com um suspiro de alívio que “foi uma obra de caridade” porque aquilo não era vida. Vai agora cumprir o resto da pena, como se esta meia vida de abandono e medo fosse só um pequeno desvio. Parece que se fartou de conversar com os agentes, talvez afinal ele próprio já não soubesse como sair da prisão ao ar livre em que se tinha metido, os atenienses lá saberiam como era cruel a pena de ostracismo.
A aldeia reagiu com hostilidade mas reconheceu com um suspiro de alívio que “foi uma obra de caridade” porque aquilo não era vida. Vai agora cumprir o resto da pena, como se esta meia vida de abandono e medo fosse só um pequeno desvio. Parece que se fartou de conversar com os agentes, talvez afinal ele próprio já não soubesse como sair da prisão ao ar livre em que se tinha metido, os atenienses lá saberiam como era cruel a pena de ostracismo.
7 comentários:
Vá lá, não se terem lembrado de chamar batida ao cro-magnon em vez de “operação cro-magnon”, já não é mau… São interessantes estes estereótipos (quase sempre em sentido depreciativo, quando os envolvidos são uns pobres coitados), como se do lado oposto não estivesse pão da mesma massa!
Por uma questão de educação publico o "post" que escrevi num blogue em que participo respeito deste artigo.
A Dr.ª Suzana Toscano e o Cro-Magnon de Vieira do Minho.
A Dr.ª Suzana Toscano surpreende-me todos as semanas não só pela sua inteligência e capacidade de observação, mas pela capacidade de abordar em palavras sentimentos e ideias que são comuns em todos nós. No seu último artigo na 4.ª República, a Dr.ª Suzana Toscano escreve que um homem que andava a monte foi capturado pela PJ após dezasseis anos de fuga. É um artigo bem escrito que questiona o direito à dignidade humana, alerta para o facto da pena ter sido “cumprida” em profundo isolamento, mas que também nos fala de “uma perseguição” que devia “dar um bom filme” por polícias “armados até aos dentes”. Ora quem lê o “post” imagina logo uns polícias “mauzões” e “brutos” que abordaram o pobre homem. É estranho que uma pessoa formada em Direito “não entenda” que não compete aos funcionários de investigação criminal da PJ fazer juízos de valor sobre determinado procurado, operação ou investigação, e ainda que uma pessoa com um currículo e experiência ligada à educação “não entenda” que os “polícias” também se sensibilizam e emocionam com as histórias e vidas de sofrimento e injustiça, mas que no final do dia têm que fazer o seu trabalho. Como política, se for eleita como ministra da Dr.ª Manuela Ferreira Leite, poderá ter uma palavra a dizer na construção de uma sociedade melhor, e isto independentemente do cargo que ocupar.
Os melhores cumprimentos.
Ana Paula
Esqueci-me de referir o link:
http://casosdepolicia.wordpress.com/2009/07/31/a-dr-%C2%AA-suzana-toscano-e-o-cro-magnon-de-vieira-do-minho/
Cara Susana Toscano
A bem do sistema penal português, a lei deve ser cumprida, pelo que o senhor em causa tem de voltar à cadeia e cumprir o que lhe falta.
Deste caso ressaltam três aspectos que devem ser equacionados:
a) Provavelmente, a pena aplicada foi de severidade desmesurada face às circunstâncias do crime; um homicídio não se justifca, mas o acto tem gradientes e, pode ser que neste caso o juiz pode ter aplicado automaticamente a lei.
b) A Imprensa sempre pronta a comentar a justiça, podia ter realizado um papel importante, questionando a bondade da sentença. Já é tempo de começarmos a criticar as decisões judiciais analisando o seu mérito.
c) Apesar de ser um país pequeno e de escassa população, um homem pode, sem grandes problemas escapar à justiça durante 16 anos, vivendo perto do local onde nasceu e cresçeu. Isto diz muito da capacidade das nossas forças policiais e devia fazer-nos reflectir. Também aqui a imprensa devia ter tido um papel mais crítico.
Cumprimentos
joão
Suzana
O que terá levado este pastor a escolher entre ambas as privações de liberdade pela vida numa toca na companhia de um rádio e de um cão? Terá sido um sentido próprio de fazer justiça com as suas próprias mãos? Não calculou que fugindo poderia ficar privado de uma vida normal para toda a vida? Afinal vai cumprir no final uma pena de vinte e seis anos (dez + 16)!
Interessante pensarmos também como durante dezasseis anos não foi denunciado, antes pelo contrário contou com a protecção da gente que lhe dava de comer?
E dá também que pensar como é curto o braço das polícias?
Cara comentadora, Ana Paula:
Permita-me que subscreva aquela parte do seu comentário que reconhece grande qualidade aos textos aqui deixados pela da Dra. Suzana Toscano. Já naquela parte em que tenta interpretar o pensamento dos leitores que por aqui passam, pela minha parte, não posso concordar consigo, uma vez que se excede a si própria.
Cara Ana Paula, obrigada pelo modo como se refere aos meus posts no 4r e tambem por ter publicado o seu comentario naquele blogue. No entanto, gostaria de lhe dizer que me parece que a sua leitura tem algures um parti-pris, uma especie de melindre antecipado que a leva a detectar criticas onde elas nao existem. Na verdade, vera que todas as referencias a operacao policial constavam da noticia que identifiquei, incluido o nome, o numero de agentes e o modo como se aproximaram. Nao fiz nenhum juizo de valor sobre isso, nao era esse o meu tema nem vejo qualquer interesse em nos centrarmos no que nao podemos avaliar. O facto de eu ser jurista nao me obriga a olhar apenas a parte legal das questoes ou mesmo a sua correccao formal, posso muito bem fazer juizos de humanidade, do que pode existir para alem do que uma sociedade organizada impoe ou exige. A historia do pastor e impressionante, daria sem duvida um belo romance, e um drama humano invulgar.Isso nao implica qualquer opiniao sobre se a policia actuou bem ou mal. Dura lex sed lex? Sem duvida mas nao temos que nos limitar a assistir, podemos sempre ir alem do que nos e dado ver, sobretudo num blogue que e um espaco de liberdade e criatividade, pelo menos o 4r, onde sera sempre muito benvinda! cumprimentos
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