Gosto de quadros. Muito dos que representem flores. Sempre gostei. Talvez tenha contribuído o facto de lá em casa, desde que me recordo, ter convivido com alguns, poucos, pintados por uma misteriosa avó que morreu muito cedo e que nunca conheci. Ficava fascinado pela beleza, tranquilidade e mistério que deles se desprendiam como verdadeiras carícias. Sentia o afagar daquelas mãos e até o seu olhar, através dos olhos da menina com a pomba. Três quadros que guardo com muito carinho e que nunca me canso de contemplar. Ao fim de tantas décadas, consigo, cada vez que os olho ou toco, sentir as mãos, o calor, o sorriso e as lágrimas de tão enigmática senhora.
Mais tarde, comecei a dar conta de uma estranha atração por quadros de flores. O primeiro que comprei, era um recém-licenciado, atraiu-me de uma forma muito particular numa exposição. Noite de inverno, fria, dirigi-me a uma galeria na baixa. Muitos quadros. Sala vazia. Um quadro de pequenas dimensões e com uma fraca moldura destoava entre todos os outros. Um quadro com flores. Fiquei a olhá-lo durante algum tempo e não me apercebi da chegada de uma pessoa que estancou atrás de mim. Enquanto olhava fixamente para a pequena obra ouvi o senhor a perguntar o que é que eu achava do quadro. Desviei o olhar e deparei-me com uma pessoa de aspeto estranho, mesmo bizarra. Voltei a focar o quadro e respondi-lhe: - Quem fez este quadro ficou sem parte da alma. O homem, meio surpreendido, perguntou: - Ficou sem o quê?! - Sem a alma, ou parte dela. Entretanto, vislumbrei os restantes quadros, que eram bastantes, belos, e de boa técnica, mas que não conseguiam impressionar-me como aquele.
O homem, nervoso, tossicou e, prontamente, afirmou: - É de facto o melhor. Até agora ninguém o quis, ou mereceu qualquer atenção. Foi então que percebi que se tratava do autor. – Destoa, não destoa? Perguntou. Realmente era o único do género, talvez, até, o mais minúsculo. Voltei a olhar em redor e confirmei: - Não tem nada a ver com os outros. Este tem qualquer coisa que não consigo explicar. Perguntei-lhe qual era o preço, porque na lista não constava. Riu-se e disse que não estava para venda. Era o único naquelas condições. – É pena! Retorqui, ciente de que não teria posses para o adquirir. Virei as costas, ao mesmo tempo que lhe dava as boas noites, para regressar a casa. Ia a sair quando a sua voz grossa se fez sentir: - Se está interessado, dispenso-o pela quantia de..., uma quantia que eu pensava não ser possível e que estava ao alcance da minha pobre bolsa, além de ficar, manifestamente, aquém dos restantes. Nem pensei duas vezes, claro. Disse logo que sim! Tentei levá-lo, mas fui impedido. Só no fim da exposição. E ainda durava longos dias! Todas as noites passava pela galeria com medo que desaparecesse. No último dia, lá estava com o cheque na mão para o adquirir. Abracei-o e recordo a alegria, a satisfação de levar debaixo do braço um óleo de fraca moldura, representando um vaso de flores, mas que não era só flores. Levava mais qualquer coisa, a alma, parte dela, ou qualquer coisa difícil de explicar, mas que estava ali e continua a estar. Não desaparece, não morre, vive e faz viver. Depois, depois com o tempo adquiri mais alguns, não muitos, porque nem todos têm esse condão, mas quando sinto que tem essa particularidade, sinto uma forte atração.
Foi assim que aprendi que a minha avó deve ter escondido a sua alma, ou parte dela naquelas folhas e flores tão belas, à espera de um dia se libertar para afagar outras almas...
Mais tarde, comecei a dar conta de uma estranha atração por quadros de flores. O primeiro que comprei, era um recém-licenciado, atraiu-me de uma forma muito particular numa exposição. Noite de inverno, fria, dirigi-me a uma galeria na baixa. Muitos quadros. Sala vazia. Um quadro de pequenas dimensões e com uma fraca moldura destoava entre todos os outros. Um quadro com flores. Fiquei a olhá-lo durante algum tempo e não me apercebi da chegada de uma pessoa que estancou atrás de mim. Enquanto olhava fixamente para a pequena obra ouvi o senhor a perguntar o que é que eu achava do quadro. Desviei o olhar e deparei-me com uma pessoa de aspeto estranho, mesmo bizarra. Voltei a focar o quadro e respondi-lhe: - Quem fez este quadro ficou sem parte da alma. O homem, meio surpreendido, perguntou: - Ficou sem o quê?! - Sem a alma, ou parte dela. Entretanto, vislumbrei os restantes quadros, que eram bastantes, belos, e de boa técnica, mas que não conseguiam impressionar-me como aquele.
O homem, nervoso, tossicou e, prontamente, afirmou: - É de facto o melhor. Até agora ninguém o quis, ou mereceu qualquer atenção. Foi então que percebi que se tratava do autor. – Destoa, não destoa? Perguntou. Realmente era o único do género, talvez, até, o mais minúsculo. Voltei a olhar em redor e confirmei: - Não tem nada a ver com os outros. Este tem qualquer coisa que não consigo explicar. Perguntei-lhe qual era o preço, porque na lista não constava. Riu-se e disse que não estava para venda. Era o único naquelas condições. – É pena! Retorqui, ciente de que não teria posses para o adquirir. Virei as costas, ao mesmo tempo que lhe dava as boas noites, para regressar a casa. Ia a sair quando a sua voz grossa se fez sentir: - Se está interessado, dispenso-o pela quantia de..., uma quantia que eu pensava não ser possível e que estava ao alcance da minha pobre bolsa, além de ficar, manifestamente, aquém dos restantes. Nem pensei duas vezes, claro. Disse logo que sim! Tentei levá-lo, mas fui impedido. Só no fim da exposição. E ainda durava longos dias! Todas as noites passava pela galeria com medo que desaparecesse. No último dia, lá estava com o cheque na mão para o adquirir. Abracei-o e recordo a alegria, a satisfação de levar debaixo do braço um óleo de fraca moldura, representando um vaso de flores, mas que não era só flores. Levava mais qualquer coisa, a alma, parte dela, ou qualquer coisa difícil de explicar, mas que estava ali e continua a estar. Não desaparece, não morre, vive e faz viver. Depois, depois com o tempo adquiri mais alguns, não muitos, porque nem todos têm esse condão, mas quando sinto que tem essa particularidade, sinto uma forte atração.
Foi assim que aprendi que a minha avó deve ter escondido a sua alma, ou parte dela naquelas folhas e flores tão belas, à espera de um dia se libertar para afagar outras almas...
7 comentários:
Possuo um livro, pequeno, simples, que de entre todos os que se prefilam na minha modesta estante, é talvez aquele que mais folheio e mais prazer me dá ler.É composto de pequenos textos, experiências da vida real do autor. A propósito de coisas que oiço, de conversas ou de outras que leio, sobrevem-me à memória partes desses textos que corro logo que possível a reler.
O título desse livro «Chuva de pássaros mortos...» o autor, Salvador Massano Cardoso, a capa, de Inês Massano Cardoso, a edição, da Câmara Municipal de Santa Comba Dão, o prefácio de Lauro de Figueiredo Gonçalves. O prefaciador, revela-se amigo do autor desde os bancos da escola e, a dada altura do seu prefácio expõe: "Ao folhear este livro, lendo-o, vamos tendo a sensação de estar usufruindo de uma viagem, acompanhada de um optimo cicerone. Boa pedagogia. E psicologia, também. O autor chama-nos para a realidade da vida, mas sempre com argumentos que nos conduzem a melhor enfrentá-la. Citações oportunas, com comentários sui generis, em que a personalidade do Autor está bem patente. A frontalidade, também.)
Sinto a necessidade de acrescentar por conta-própria dois substantivos mais: Sensibilidade e Magnanimidade.
A alma escondida
entre folhas e flores,
uma ideia perdida
entre formas e cores.
Outras almas afagadas
por uma quimera libertadora,
as flores pintalgadas
numa pintura denunciadora!
A tremenda sensibilidade
do nosso sentir,
ganha outra frontalidade
se a erudição admitir.
Excelente óleo, Manuel Brás!!!
Obrigado, Bartolomeu. Com textos e comentários interessantes, a inspiração filtrada ganha outra força!
Que belo momento este,o texto e os comentários, essas flores devem ter mesmo alguma magia :)
Já sabes para quem vai ser este :)
Para mim, claro!!!
Querias...
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