Mais uma deslocação até ao Buçaco. Trabalhei e corrigi a minha parte do próximo volume da Quarta República. Em seguida, fui até à cascata e ao vale dos fetos. Uma tarde pouco quente para julho e mal vestida de cinzento, mas, mesmo assim, consegui, durante o passeio, que o sol fizesse a sua aparição, permitindo gozar com os belos jogos de luz e sombras. O sol desconcerta-nos quando quer, e quando nos ouve. Quando acabei de descer o vale, ao chegar ao lago, verifiquei a existência de um painel de azulejos com um poema, escondido entre a vegetação. Fiquei surpreendido. Tantas vezes passei pelo local e nunca o vi. Aproximei-me. Um poema escondido entre a folhagem, “Flores para Sylvia”. Assim que acabei de ler, transcrevi-o para o meu bloco de notas. Um poema lindo para uma Sylvia que não sei quem é ou quem foi. Também não interessa. O mais relevante é haver poetas que ainda cantam a Sylvias.
Tenho rosas encantadas
Que colhi à beira-mar;
Tenho saudades desabrochadas
Em orvalhos de luar;
Tenho a flor de salgueiro
Onde hoje ao por do sol
No seu canto derradeiro
Poisou um rouxinol
A cantar o teu sorriso;
Tenho lendárias flores
Caídas do paraíso
Numa nuvem de mil cores;
Tenho lírios do trigal
Carregados de perfume
Num florido morangal;
Tenho papoilas de lume
Num ramo de malmequeres
Mas no meu coração
Para um dia tu colheres
Tenho amor verde em botão.
(Carlos Lança, 82)
Retomei o passeio e rememorei as Sílvias que conheci, mas esbarrei de imediato com uma Sílvia, no meio daquela frondosa e viçosa mata, cheia de vida, de paz, bela e estranhamente tranquilizadora. Uma Sílvia que foi, e que continua a ser, alvo de amor e de muita ternura. “Um amor verde em botão” que conheci há já alguns anos e que a morte colheu de forma cruel, na flor da idade, uma criança. Foi colega da minha filha mais velha na escola. Nasceu doente, com cataratas congénitas, lesões cardíacas, problemas renais, foi operada, tinha dificuldades na expressão oral, mas intelectualmente era normal. E corria. Recordo-me bem. Corria de forma diferente, mas corria. E era muito alegre. Uma alegria que contagiava qualquer um. Um dia apareceu no jornal. Sim. A notícia da sua morte, devido a leucemia. Foi a minha filha mais velha que tomou conhecimento ao abrir um jornal. Um choque. Contou à mãe que recortou aquele quadradinho. Acabo de saber que conserva aquele pequeno pedaço de papel com a sua fotografia.
Estava longe, muito longe de recordar aquela criança de óculos especiais presos com um grossa fita à volta da cabeça, não fossem cair e danificar-se durante as suas correrias.
Rodeado de belas flores, que crescem ao longo do riacho e nas margens dos lagos, apeteceu-me oferece-las todas à Sílvia, “um amor em botão” que a morte não deixou abrir, que gostava de correr, de rir e de viver...
Estava longe, muito longe de recordar aquela criança de óculos especiais presos com um grossa fita à volta da cabeça, não fossem cair e danificar-se durante as suas correrias.
Rodeado de belas flores, que crescem ao longo do riacho e nas margens dos lagos, apeteceu-me oferece-las todas à Sílvia, “um amor em botão” que a morte não deixou abrir, que gostava de correr, de rir e de viver...
5 comentários:
Um dia, mata-nos de coração Sr. Professor.
Isto lá é forma de nos estimular as emoções?
Como sempre, um texto que para se definir, enaltecer ou comentar, não existem palavras, a menos que sejam inventadas.
O poema é belo e forjou-se sem dúvida, na alma de quem muito amou em tempo escasso.
Mas, notei com satisfação no início do texto que uma nova publicação do 4R irá surgir.
Já tardava, por isso faço votos de que esteja para breve. Faço votos ainda de que o seu lançamento seja em Lisboa, para me ser mais fácil poder estar presente e voltar a abraçar os amigos do 4R, de quem sinto bastante saudade (física).
Caro Professor, esta Sílvia que retém na memória não chegou a florir mas, esteja onde estiver, há-de saber que pertence ao mais belo jardim, o da amizade, da ternura e saudade sinceras que V. V. Exas.conservam...
O botão por florir
em mil cores matizadas,
as fragrâncias por sentir
de letras aromatizadas!
A memória florida
por doce ternura,
a saudade colorida
de deliciosa finura.
As flores oferecidas
em palavras deleitáveis,
são mais que merecidas
para seres arrebatáveis!
Não consigo perceber qual o verdadeiro cheiro das "Flores para Sylvia" mas guardo, ainda hoje, o cheiro do "pão com queijo" que todas as manhãs a Sílvia comia no intervalo das nossas aulas...
Obrigada pelo presente!
Mostra-me como fizeste essa árvore e eu prometo-te pai, "I'l run away with you"
;)
http://www.youtube.com/watch?v=BsI5fs-GVEU&eurl=http%3A%2F%2Ftantodemimrabiscos%2Eblogspot%2Ecom%2F&feature=player_embedded
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