Cheguei aqui na 5ª feira de manhã, com armas e bagagens para uns dias de férias, mas larguei tudo na entrada e corri para o alpendre, a espreitar o ninho. Reparei logo nos vestígios de pássaro, bem evidentes na laje que eu deixei bem limpa no dia em que devolvi o pardalito ao seu ninho. Bom sinal, apesar de exigir nova acção da esfregona, mas é incrível como o que podia contrariar-nos nos dá uma alegria, depende do que se está na disposição de aceitar em troca de uma pequena vitória... Primeiro espreitei a medo, sem mexer na folhagem, para o caso de ele estar lá ainda com hesitações, -“Vou voar, não vou voar”, mas o silêncio era total e comecei a recear que ele tivesse morrido à fome, abandonado pela mãe em retaliação por eu lhe ter pegado sem luvas, contaminando-o com o cheiro humano. Ainda fiquei mais desconsolada com a minha ignorância qunado contei à minha filha a história do passarito e, quando lhe disse que o tinha ajudado a sair da relva, ela atalhou ansiosa: - “Espero que não lhe tenhas pegado com as mãos!” “_ Como é que sabes isso?”, perguntei pasmada. “- Ora, todos os escuteiros sabem isso logo quando são lobitos, não se pode tocar nas crias porque senão as mães não os reconhecem pelo cheiro, é isso que distingue uns filhotes dos outros, ou julgas que é pela beleza, como a história das corujinhas e da raposa? E não é só para os pássaros, é também para os outros animais, não se deve mexer nas crias...” Senti-me miserável, é o termo, miserável, e arrependi-me logo de não ter ido mais vezes àqueles encontros de famílias de escuteiros, onde podia ter aprendido coisas muito úteis.
Bem, mas apesar daquele sinal de esperança no chão do alpendre, o facto é que o ninho estava vazio, irremediavelmente vazio. Afastei as folhas já sem cerimónias, para averiguar outros sinais da história vivida longe da minha vista, mas felizmente não havia nada que me leve a suspeitar de um fim desgraçado, ao abandono. Ainda havia uma migalhinha de pão, mas eu deixei várias, de que não havia rasto. Além disso nunca vi gatos a rondarem o jardim. E uma ou outra formiga a passear na alcofa de pássaro não significava nada, de contrário haveria imensas, como já vi uma vez num caso mais infeliz.
Tudo visto, conferenciei com a família e passámos busca minuciosa ao jardim, cruzando os dedos para que a busca fosse vã e o pardalito tivesse conseguido voar para além da sebe alta que limita o território, pequeno mas cheio de canteiros e flores onde se podiam esconder os restos de um passarito mal fadado. Nada, não encontrámos nada.
Portanto, não há notícias, o que poderemos tomar como sendo afinal boas notícias. Quem sabe?, a estas horas anda ele por aí, já não era assim tão pequeno,talvez até tenha ficado a olhar curioso, com a cabecita de lado, ao ver-nos a passar revista ao jardim, as folhas velhas a crescerem num monte no meio da relva, a que propósito andam eles a limpar os canteiros com este sol? Os pássaros pequenos são assim, dão-nos preocupações, pregam umas partidas e depois ainda ficam a rir-se de nós, com ar traquinas, no alto do poleiro onde se sentem a salvo de mãos abelhudas e impacientes...E nós perdoamos-lhes todas as traquinices, contentes por os vermos a salvo e a jurar a nós próprios que para a próxima não nos apanham desprevenidos, quando quiserem voar antes de tempo....
Bem, mas apesar daquele sinal de esperança no chão do alpendre, o facto é que o ninho estava vazio, irremediavelmente vazio. Afastei as folhas já sem cerimónias, para averiguar outros sinais da história vivida longe da minha vista, mas felizmente não havia nada que me leve a suspeitar de um fim desgraçado, ao abandono. Ainda havia uma migalhinha de pão, mas eu deixei várias, de que não havia rasto. Além disso nunca vi gatos a rondarem o jardim. E uma ou outra formiga a passear na alcofa de pássaro não significava nada, de contrário haveria imensas, como já vi uma vez num caso mais infeliz.
Tudo visto, conferenciei com a família e passámos busca minuciosa ao jardim, cruzando os dedos para que a busca fosse vã e o pardalito tivesse conseguido voar para além da sebe alta que limita o território, pequeno mas cheio de canteiros e flores onde se podiam esconder os restos de um passarito mal fadado. Nada, não encontrámos nada.
Portanto, não há notícias, o que poderemos tomar como sendo afinal boas notícias. Quem sabe?, a estas horas anda ele por aí, já não era assim tão pequeno,talvez até tenha ficado a olhar curioso, com a cabecita de lado, ao ver-nos a passar revista ao jardim, as folhas velhas a crescerem num monte no meio da relva, a que propósito andam eles a limpar os canteiros com este sol? Os pássaros pequenos são assim, dão-nos preocupações, pregam umas partidas e depois ainda ficam a rir-se de nós, com ar traquinas, no alto do poleiro onde se sentem a salvo de mãos abelhudas e impacientes...E nós perdoamos-lhes todas as traquinices, contentes por os vermos a salvo e a jurar a nós próprios que para a próxima não nos apanham desprevenidos, quando quiserem voar antes de tempo....
8 comentários:
;)))
Maravilhoso, cara Drª.
Estava a ler este texto e a tentar recordar-me do nome do filósofo que afirmou "quem não gostar de animais, não gosta de si mesmo", ou algo muito semelhante.
Não ha dúvia... para podermos ester de bem com o nosso "eu", temos de nos sentir sintonizados com o "eu" universal. E este "temos", tem de ser um "temos" natural, um "temos" que nos vem da alma e nunca imposto por uma regra social, ou um princípio ecológico, ou algo do género. E, a meu ver, a questão nem se prende com o socialmente correcto, mas sim com uma vontade interior de interagir e fazer parte integrante daquilo que nos envolve.
Na verdade, é extraordinária a forma como os animais reconhecem as crias e a influência que o contacto directo com humanos pode ter. Não só nas crias das aves, mas ainda de muitas outras espécies, mas no caso das aves, se tocarmos nos ovos, pode suceder que as mães os enjeitem e interrompam o choco. Mas, apesar e em contraste com o imenso zelo e cuidados que as mães-pássaros dedicam os seus "rebentos" e no caso dos pardais que abundam no telhado da minha casa, noto que nessa fase em que os frágeis novatos se estão a iniciar no voo, se falham a primeira tentativa e me aterram no jardim, as mães ficam algum tempo ali por perto a piar e a chilrrear, incentivando-os a voltar a tentar, o que, do chão, sobretudo da relva, contitui "missão impossível", mas ao fim de pouco tempo, desaparecem abandonando-os. Aquilo obdece certamente a um código processual muito específico, que nos custa a perceber, mas que é uma regra da natureza.
Quando calha a presenciar essa situação, pego na cria e coloco-a em cima do telhado da churrasqueira. Algumas vezes tenho de repetir a operação, porque a avezinha nem à 2ª, nem à 3ª consegue dar voos suficientemente longos para se juntar à mãe. Não raras vezes encontro passaritos que socumbiram à falta da mãe, à fome a ao calor, novamente a lei da natureza a operar a sua selecção natural.
Desejo-lhe umas férias excelentes, cara Drª Suzana.
Suzana
Sabe que já me tinha lembrado do seu pardalito? É fantástico!
Tudo indica que o pardalito sobreviveu e está muito satisfeito! Não sabe a sorte que teve, de ter feito "poc" no jardim da Suzana...
E fiquei a saber que não devemos pegar nas crias com as mãos. Estamos sempre a aprender. Quer dizer, até sabia, mas já não me lembrava!
Vai ver, cara Dra. Susana, que o pardalito sobreviveu, fez jus ao nome e tornou-se um pardalão, e do alto do poleiro passou a observá-la à chegada e à partida!…
Além do mote para o tal conto infantil, esta história ensinou-nos, pelo menos aos dois, que estas avezinhas não se devem tocar sem luvas. Todos sabiam, excepto nós! Que vergonha! :))
Pois é, cara Suzana, ele há coisas que só devem ser feitas de luvas e, para serem mais eficazes, devem mesmo ser praticadas apenas de luva branca...
Esta história fez-me lembrar um episódio muito especial que se passou na minha infância...
Não sinto muitas saudades do meu tempo de criança, mas há um ou outro episódio que gosto de relembrar.
Relelembro um, que se passou com um pequeno passarinho simpático. Foi numa tarde de Verão, estava em casa, a minha companhia eram duas canadianas, nós as três eramos inseparáveis.
Como a vida decidiu pregar-me uma grande partida, proporcionava amizades muito esquisitas, cadeiras de rodas, aparelhos metálicos, carapaças de gesso, camas de hospital...
O que poderia uma menina de tão tenra idade fazer com estes estranhos amigos? Nada de especial...
Nessa tarde tive uma surpresa! Bateram à porta, era um menino que vivia na casa ao lado, não tinha mais de 5 anitos e trazia dentro das suas mãos pequeninas um passarinho bébé.
Fiquei maravilhada com aquele animal tão frágil e ternurento. Corri de imediato, eu e as minhas amigas canadianas, claro, para chamar os meus pais.
Lembro-me da forma suave como o meu pai lhe pegou e o alimentou naquele preciso momento. O pequenino estava cheio de fome!
Quando o meu pai me perguntou se queria tomar conta dele, disse de imediato que sim.
Senti-me a pessoa mais importante do mundo, porque tinha encontrado um amigo fantástico!
Adorava cuidar dele. Fiz-lhe uma caminha com lençois de renda e tudo que estava sempre junto à minha e nunca me esquecia de o alimentar com pedacinhos de pão e grãos de arroz. Todos os dias o levava às consultas ao meu pai. Ele via como estava o seu desenvolvimento e dizia sempre que estava muito bem, para continuar a tratar dele com carinho.
Lembro-me que um dia até banho lhe dei, pobre pássaro...
E eu lá andava muito entretida com o meu novo amigo, levava-o para todo o lado.
Um certo dia, não sei o que me passou pela cabeça. Estava eu a comer uma bolacha e o passarito a olhar para mim, como tive pena dele, dei-lhe um pedacinho, achando que não lhe faria mal. O pedaço era grande demais e o bicharoco ficou engasgado. A minha aflição foi tanta por ver que o pássaro não estava a conseguir respirar, que gritei pela minha mãe para o salvar. O meu pai que era o médico dele, estava para fora, logo naquele dia que tanto precisava dele.
O passarinho acabou por morrer.
Eu fiquei triste, triste, como a noite, com um peso enorme, achando que a culpa era minha.
Se fosse hoje, possivelmente teria ido à procura do seu ninho para o devolver à mãe.
Talvez assim, tivesse tido uma vida mais longa.
Mas de uma coisa estou certa, aquele passarinho que teve uma vida de príncipe, jamais duvidou da minha amizade por ele.
"Filho de peixe sabe bem nadar" diz o povo na sua máxima sabedoria e não se engana. A cara Inês, percebe-se sem a mínima dificuldade, herdou a veia literária paterna, parabéns. Sem desprimor para os escritos do pai, em minha opinião, compõe o dueto com igual vistuosismo.
Obrigada caro bartolomeu, ter boas férias é uma tarefa ao nosso alcance!
Caro jotac, agora já aprendemos, mas tomar conta de uma criaturinha que não tem nada a ver com a nossa espécie é sempre uma caixinha de surpresas...
Pois, Margarida, esta comunidade do 4r é inclusiva, até admite pardalitos caídos do ninho, ficamos logo de olho alerta para ver se conseguimos garantir-lhe o futuro!
Cara Inês, bem vinda ao 4r! e com essa história tão sentida. As crianças não sabem, ou se sabem muito cedoé porque sofreram antes de tempo, mas acolher, cuidar e amar implica sempre um risco de perda, só quem não é capaz de se entregar de alma e coração é que não sabe o que é essa tristeza. Além disso, o que é mais importanteé termos feito tudo o que era possível, tanto quanto era possível fazê-lo, é também assim com os filhos, às vezes queremos dar-lhes um consolo, nesse caso uma companhia tão suave, e depois o desgosto também nos dói na alma. Mas imagine que não tinha tido esse desgosto porque nem sequer tinha chegado a acariciar e cuidar do passarito? Era bem pior, só tinha a solidão de que fala no´início do seu texto,valeu bem a pena enquanto o teve por perto, não é verdade? Além de que nunca conseguimos fazer tudo certo, com sorte há uma segunda oportunidade, mas se não há paciência, ficou o registo e a lição.
Um abraço amigo, até breve!
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