As campanhas eleitorais não me seduzem nem cativam especialmente o meu interesse ou a minha atenção. Deviam ser momentos de esclarecimento de programas e propostas, mas, de eleição em eleição, transformam-se cada vez mais em palcos onde desfila o que a política tem de pior.
Creio que nunca fiz escolhas pelo que vi ou ouvi nas campanhas onde o objectivo é atacar o adversário não porque se entendem imprestáveis as ideias e as soluções para o País, mas pelo apelo - expresso ou subreptício - à observação dos defeitos dos candidatos, dos seus momentos menos felizes, e, não raro, de aspectos pessoais ou da vida privada que não deveriam qualificar nem desqualificar quem pretende governar.
Dir-se-à que este estado de coisas é consequência da excessiva pessoalização ou fulanização das eleições, polarizadas cá, como paradoxalmente em todos os sistemas políticos com forte componente parlamentar, na figura do líder. Concordo com essa visão. Efectivamente, são poucos os que acham que para além do bom chefe se deve escolher uma boa equipa. E menos ainda os que entendem que é a boa equipa que faz o bom líder.
Mas o que um olhar mais atento ao fenómeno pré-eleitoral permite alcançar é que nestes 35 anos que leva a democracia se apurou a estereotipia como técnica eficaz de combate político.
A coisa explica-se rapidamente. Com a indispensável cumplicidade de difusores mediáticos, em especial as TV, vai-se insinuando na opinião pública uma categorização maniqueísta: há os que são de esquerda - os bons; e existem os que são de direita - os maus. As eleições são reconduzidas a uma arena em que o bem luta contra o mal. Uma luta da esquerda virtuosa (ao lado dos pobres e oprimidos) contra a direita viciosa (que defende os ricos e opressores). Este maniqueísmo é temperado com a rejeição dos extremos (a extrema-esquerda da utopia e a extrema-direita do holiganismo político) para se chegar ao estereotipo do político de esquerda bom, bacteriologicamente puro.
Depois, é só difundir - pelos métodos que for necessário utilizar - o que supostamente caracteriza a direita: passadismo, conservadorismo, ultra-liberalismo, centralismo, anti-modelo social. E encaixar os candidatos no estereotipo.
Por isso, alguém que defenda a despesa social, um papel activo do Estado na saúde, na segurança social, na educação mas num quadro de reformas que garantam a sustentabilidade do modelo social; alguém que diga que para distribuir riqueza é necessário criá-la; que pugne para que o Estado não se intrometa na economia, mas antes permita que se desenvolvam os contextos para que se produza mais e em condições de competitividade externa de forma a renovar a geração da riqueza e redistribuí-la de modo mais igualitário; que se apresente a favorecer a iniciativa privada sem abdicar do papel de regulação do Estado; ou os equílíbrios internos ou externos da economia sem os quais o Estado se condena a prazo por falta de meios para acorrer às necessidades gerais; que se apresente a proteger o País de interesses alheios no quadro do espaço político-económico em que nos inserimos, esse alguém é bom se pertencer a um partido catalogado de esquerda. Mas poderá até ser considerado salazarista se nesta convenção que a estereotipia instituiu, for encostado à direita.
Se virem bem, se existiu arte que se desenvolveu em Portugal nos últimos tempos, foi esta, a de criar estereotipos. Com resultados, de resto.
3 comentários:
Aqui do meu ponto de observação, tentando ver e entender com "olhos de ver", além de concordar com tudo o que o caro Dr. JMFerreira de Almeida explana neste texto, noto ainda que a estereotipia está a redundar num tremendo auto-endeuzamento.
No entanto, e em simultâneo com uma mega-baralhação de afirmações, de posturas, de dicções, uma completa insensatez de gestão de imagem.
Apetece-me perguntar aos candidatos o que lhes passou pela cabeça, ao aceitarem participar na entrevista com o Ricardo Araújo?!
Acho incrível que candidatos sérios, que encaram a política e o acto eleitoral, o proporem-se para assumir um cargo público da maior responsabilidade, cedam à tentação do mediatísmo e se exponham e aos seus programas eleitorais, perante a ligeireza, senão inconveniência, de um humorista. Afinal, a politica e uma eleição são tambem um sketch de humor, ou algo sério e determinado em que se acredita com seriedade e se defende com a mesma seriedade?
Talvez por isso, as sondagens começem a apresentar precentagens que se aproximam de uma linha plana.
José Mário
Um pequeno desabafo para juntar à sua excelente análise.
As campanhas eleitorais estão cada vez mais vazias de informação e a comunicação social cada vez mais veicula, nas eleições e fora delas, "não informação". É o reflexo do País que temos andado a construir. É o que somos.
O problema é que deixamos que isto aconteça. Estamos de tal maneira intoxicados que não conseguimos ver o que se está a passar.
Concordo totalmente com este post, mas duvido que os estereotipos vão muito além de quem os pretende fixar, pelo menos tenho essa esperança. A questão é que dá muito menos trabalho pregar um rótulo logo à partida do que discutir ideias, que dá um trabalhão se for a sério.O que é curioso é que estes preconceitos radicam eles próprios em ideias ultrapassadas, parece que cristalizaram em duas ou três coisas que leram há anos e depois nunca mais se lembraram de se actualizar. Daí agitarem papões que já nem sequer dizem grande coisa aos mais novos, entenda-se aos sub 30 (onde o BE vai buscar alguns votos sem ter que explicar qual é a sua ideologia), como pude constatar com o trocadlho que o Dr. João Soares se lembrou de fazer e que os jovens com que eu estava simplesmente não entenderam.
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