Todd Willingham é o nome de um homem executado em 2004, no Estado norte-americano do Texas, por injecção letal. Inocente, sabe-se agora, cinco anos depois, com base numa perícia que apurou que o fogo de que foi acusado Todd - e de que resultou a morte das suas três filhas - afinal tinha sido acidental.
A imprensa americana atira-se agora às omissões do processo, à falta das perícias, à ausência de outras provas consistentes, aos advogados incompetentes e amplia o choque que o caso está a provocar nos EUA. Naturalmente que não se refere à quase certa pressão mediática para a condenação.
O caso também por cá foi notícia, convocando as interrogações que, de longe em longe, se colocam sobre a admisibilidade da pena de morte num mundo civilizado.
Mas o que me deixou a pensar foi um comentário de um leitor, colocado na caixa de comentários da edição on-line de um dos jornais. Dizia só isto: "não é o primeiro caso e não será o último". Assim. Sem emoção face a um facto que, julgava eu, não deixaria ninguém insensível ou indiferente.
Pensando bem, nos tempos que correm o sentimento de indiferença perante a maior injustiça, afinal o crime dos crimes que é condenar à morte um inocente e executar a sentença, não é tão incomum como julgamos. A inocência, que só deveria ceder perante a prova resistente a qualquer dúvida, de que vale? Vale mais do que o espectáculo mediático à volta do caso? Vale mais do que os novos circos romanos em que o povo se continua a deleitar com a desgraça a que se assiste em directo?
"Não deixe que a inocência estrague um bom espectáculo", parece ser o lema nos dias de hoje.
7 comentários:
José Mário
Condenar à morte um inocente por um crime que não cometeu é um crime hediondo.
E não quero pensar no desespero de um inocente a contas com a injustiça de um sistema que proclama a verdade de uma justiça mentirosa.
É um crime que não tem reparação e tendo sido cometido por um sistema a culpa acaba por não ser de ninguém.
É chocante que erros desta gravidade possam ser assumidos como um risco inerente ao próprio sistema.
Em Maio de 2008 escrevi um post sobre um homem também cidadão dos Estados Unidos condenado a prisão perpétua sob a acusação de ter violado e morto uma jovem. Foi condenado quando tinha 28 anos e "viveu" na prisão 27 anos, período durante o qual sempre declarou inocência. Em 2008 foi libertado porque, depois de sucessivos pedidos de recurso e de testes ADN, sempre recusados, a nomeação de um novo juiz determinou a revisão de centenas de pedidos de testes genéticos e James Woodard foi ilibado, libertado e provada a sua inocência.
Se este homem tivesse sido condenado à morte (esteve lá próximo) um duplo crime teria sido cometido, porque depois de matar um inocente não há reparação possível. É uma vida desaparecida que não pode ser restituída.
Encolher os ombros e reagir a estes casos como tendo de acontecer porque é o preço da justiça a funcionar é verdadeiramente desumano!
Sou contra a pena de morte. Ponto. Prefiro um criminoso vivo a um inocente morto.
Claro que estes casos nos fazem reflectir, e, se me permitem, gostaria de lançar a seguinte reflexão.
A condenação à morte de um inocente não deixa "ninguém insensível ou indiferente", mas o sistema de penas em Portugal, cujo máximo são 25 anos, também não deveria deixar ninguém indiferente. E deixa. Há 35 anos.
Existem estudos sobre os custos socias destas brandas penas? A propósito das próximas eleições, onde anda o debate sobre o agravamento das penas?
Abraço e keep the good work! (com exclamação)
A aplicação da pena de morte em algumas sociedades modernas é bem demonstrativa de como, no subconsciente, continuamos a ser bárbaros.
Não consigo dizer melhor do que o JotaC.
têm todos razão os que aqui escreveram. Barbaro foi o que aconteceu e adequando o lema enunciado: "Não deixe que a inocência estrague um bom espectáculo"
Que adaptação ao lema poderíamos aplicar localmente, nomeadamente ao caso Casa Pia ?
"Não deixe que os inocentes estraguem o desenlace previsto"?
J.M.Ferreira de Almeida admira-se perante a falta de emoção do autor do comentário sobre este horrível erro judicial que levou um inocente à morte. Muitas vezes tenho ficado chocado perante a boçalidade e a insensibilidade de muitos comentários a postais de blogs ou a notícias de jornais em linha. São pessoas como nós, com o mesmo direito a votar que nós (felizmente), mas que infelizmente revelam nos seus comentários uma falta de critério, de humanidade e de carácter que é deveras lamentável. Para mim, mesmo que o condenado à morte fosse realmente culpado, a sua morte merecia maior emoção.
Esse comentário não me parece ditado pela frieza mas sim pela desistência de acreditar que não é possível fazer melhor. Há uma espécie de subjugação ao inevitável, de conformismo, mas que também serve para dispensar de contribuir para que as coisas mudem. Subscrevo os comentários do Nuno e do Jotac sobre a pena de morte é o eterno dilema sobre se a justiça é suficiente para castigar, para dissuadir e para recuperar, tudo ao mesmo tempo. Os pespectáculos das execuções públicas dos séculos passados tinham apenas as duas primeiras funções, punir os criminosos e dissuadir os que assistiam, hoje contamos com outras formas de dissuadir e não podemos aceitar que se leve a punição até à morte, por muitas razões incluindo a de que a justiça é falível, coisa com que temos que aprender a viver sem desisitir de a melhorar.
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