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sábado, 26 de setembro de 2009

“O bandido da lanterna vermelha”

Em 2004 foi executado nos E.U.A um cidadão acusado de ter incendiado a sua casa e do qual resultou a morte de três filhos. Clamou sempre a sua inocência. O acusador, com base nos relatórios de peritos que afiançaram a tese de fogo posto e na análise de um médico forense que o caracterizou como um “sociopata extremamente grave”, para não falar da incompetência do defensor oficioso, pediu a morte, ou melhor, apelou ao assassinato. Sim, assassínio “legal” – afinal, na prática, existe esta figura jurídica -, porque tudo aponta para a inocência de Willingham. E agora? Como é possível executar inocentes? Não foi a primeira vez, nem será a última, dirão muitos. Mas é admissível que se mate “legalmente” uma pessoa? Não, apesar de ao longo da história, não faltar, infelizmente, exemplos de execução de todos os géneros, dos quais sobressaem os de cariz religioso, os de natureza política e os frutos de ódios humanos. Os julgadores, moralmente deformados, atulhados de preconceitos, guiando-se por superioridade racial ou negando os princípios básicos da liberdade, corporizam, legal e religiosamente, o que de mais baixo existe na alma humana.
Cedo me apercebi que os homens se matavam uns aos outros, sobretudo nas guerras, glorificando os que matavam e endeusando os que morriam, se fossem os nossos, claro. No entanto, senti uma enorme dificuldade em compreender por que motivo a justiça mandava matar as pessoas.
Recordo ter vivido os últimos tempos de Caril Chessman no corredor da morte. Andava na terceira classe, e ouvia os comentários e a indignação face à condenação à morte do “bandido da lanterna vermelha”. Perguntei quem era e o que tinha acontecido. Disseram-me que um criminoso usava uma lanterna vermelha para atrair pessoas e depois fazia-lhes mal e que o tinham confundido com Chessman que, apesar de ter um passado criminoso, negava os crimes de que era acusado, e ia ser sujeito à morte numa câmara de gás. Quis saber mais sobre a prática e ficava sufocado por saber que o iam meter numa caixa onde morreria com falta de ar. No dia aprazado para a execução ao chegar a casa perguntei por ele. Disseram-me que tinha sido adiada a execução. Adiada uma vez, duas vezes, várias vezes, até que me convenci de que não o matariam. Mas não. Houve um dia em que soube que o mataram. Fiquei muito incomodado e revoltado. Na escola, desatento às atividades escolares, punha-me a imaginar o acontecimento com a criatividade própria de uma criança de nove anos.
Vivia, na altura, na estação dos caminhos-de-ferro, onde usavam velhas lanternas alimentadas a gás proveniente do carbureto. Bastava rodá-las para fazer aparecer um vidro verde ou vermelho. Era assim que se faziam sinais, acenando ao longe. Quando os ferroviários rodavam o vidro vermelho, e balançavam a lanterna, lembrava-me, imediatamente, do “homem da lanterna vermelha” e a minha cabeça começava a fervilhar com construções baseadas na imaginação e nos comentários dos mais velhos. Do mesmo modo, durante muitos anos, à retaguarda dos comboios usavam uma lanterna vermelha para sinalizar a marcha durante a noite. E sempre que a via voltava a lembrar a morte por asfixia de um condenado.
Meio século passado encontrei “2455 Cela da Morte”. Li-o com muito interesse. Precisava de o ler. Acabei por saber que o velho delinquente, que tinha lido milhares de livros e aprendido várias línguas, entre as quais o português, se tinha tornado num escritor e especialista em matérias penais. O último escrito, uma carta dirigida ao diretor de um jornal, horas antes da execução e publicada no dia seguinte é um belo manifesto contra a pena de morte.
Vale a pena lê-la. Assim ficamos a saber qual o estado de alma no momento mais cruel que pode atingir um ser humano: conhecer com precisão a hora e o dia da sua morte às mãos dos seus semelhantes por um crime que não cometeu.
"... Eu desejava continuar vivendo. Acreditei apaixonadamente que poderia oferecer uma contribuição com meus livros, não só à literatura, como à minha sociedade. Eu estava determinado a retribuir, assim, às milhares de pessoas de tantas nações que me defenderam e acreditaram em Caryl Chessman como ser humano”.
"...Chegou a hora, em suma, de morrer. Então assim acreditam muitos funcionários da Califórnia o Estado estará vingado e vingado estará seu sistema de Justiça retributiva. O Estado terá acalmado seu espírito de vingança. Mas, vingança contra o quê? Câmaras de gás podem matar gente e não contrafações de sinistros e arrependidos criminosos lendários, "monstros mitológicos".
"Face a face com a morte repito enfaticamente e sem hesitação: jamais fui o famoso "bandido da luz vermelha". O Estado da Califórnia condenou o homem errado, teimosamente recusou-se a admitir a possibilidade de seu erro, e muito menos, a corrigi-lo”.
"...Vou morrer com conhecimento de que deixo atrás de mim outros homens vivendo seus últimos dias no corredor da morte. Declaro aqui que a prática de matar ritualmente e premeditadamente outros homens envergonha e macula nossa civilização, sem nada resolver contra aqueles que se lançam violentamente contra a sociedade e eles próprios”.

3 comentários:

De profundis disse...

11:55 acabo de receber o mais extraordinário telefonema da minha vida: a arraia-miúda está a criar uma onda irresistível!

Bartolomeu disse...

O termo "arraia-miuda" tem origem nos antigos pescadores que lançavam as suas redes junto à costa e as arrastávam para as praias. Esta "arte" foi, daqueles que durante muitas gerações, retiraram do mar onde os banhavam quase à nascença, a subsistÊncia. Famílias completas viviam daquilo que o mar lhes oferecia. E, se durante uma boa parte do ano o mar era próspero, outras havia em que o pescado escasseava, e o estado do mar não permitia aos pescadores aventurarem-se. A arraia era um dos "produtos" que o mar oferecia em profusão, durante uma determinada altura do ano. De entre esta espécie, aquela que mais "enchia o olho" ao pescador, era a bela e enorme arraia, que vinha sempre acompanhada por um número infindável de "primas" menos... crescidas. Ao pescador foi colocada uma dúvida existêncial. Desprezar o enorme número de arraias miúdas e recolher somente as de grande "envergadura", ou... juntar as pequenas com as grandes, garantindo desse modo o sustento durante a época em que a pesca não lhe era permitida?!
Para bem do pescador, sobreveio o bom senso e o sentido de sobrevivência, aconselhou-o a aproveitar e beneficiar de tudo o que a naturza era pródiga em lhe oferecer.
;)

De profundis disse...

Ocorreu transferência de voto do BE para PSD e CDS na classe média-baixa.
Mas a onda extinguiu-se na parte da tarde.